São Paulo, domingo, 08 de maio de 2005

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ORIENTE PRÓXIMO

Apenas 16 dos 33 países convidados devem enviar chefes de Estado ou de governo para o encontro que começa na terça, em Brasília

Aliados dos EUA rejeitam a cúpula árabe

CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Cúpula América do Sul-Países Árabes começa depois de amanhã com 16 dos 33 países convidados enviando chefes de Estado ou de governo para Brasília. As ausências mais notáveis são as de países alinhados politicamente aos Estados Unidos, país que teve rejeitado um pedido para enviar um observador ao encontro inédito.
Todos os países estarão representados, de toda forma, pelo menos por algum ministro e sua delegação. Do mundo árabe, 8 dos 22 convidados enviarão suas autoridades máximas. Na América do Sul, isso ocorrerá com 8 dos 11 países, segundo o Itamaraty.
Entre os países mais próximos aos Estados Unidos, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes e Kuait vão enviar ministros de Estado para a cúpula. Da Jordânia virá o príncipe Ali bin Hussein e a Colômbia vai mandar o vice-presidente, Francisco Santos Calderón. Outros sul-americanos que faltarão são o presidente do Equador, Alfredo Palácios, por causa da situação de crise interna no país, e do Suriname, Ronald Venetiaan, por causa das eleições presidenciais no próximo dia 25.
O governo afirma que não houve nenhuma interferência dos EUA com relação à adesão dos países ao convite do presidente Lula. "Não houve nenhum tipo de pressão. Ao contrário, a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, parabenizou o presidente Lula pela cúpula, quando esteve em Brasília, na semana passada", disse o chefe do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty, embaixador Mário Vilalva.
Quando reuniu-se com Rice, o chanceler Celso Amorim deu garantias à secretária que o encontro não seria palco de propaganda política contra Israel e afirmou que o objetivo da cúpula será promover a aproximação das duas regiões para a cooperação econômica e cultural.
A cúpula, que vinha sendo vendida pelo governo como mais um lance de sucesso da política externa agressiva do governo Luiz Inácio Lula da Silva, chega às suas vésperas com um certo esvaziamento do ponto de vista do mundo árabe. Ela vinha sendo costurada desde o giro de Lula aos países daquela região, em 2003, e não trouxe dois freqüentes interlocutores do Brasil na área: os ditadores Muammar Gaddafi (Líbia) e Bashar Assad (Síria).

Reservas em baixa
Os hotéis de Brasília foram os primeiros a notar: só um terço das 3.000 reservas haviam sido confirmadas até sexta-feira, incluindo uma grande comitiva do principal peso-pesado econômico do encontro, a Arábia Saudita.
Há, porém, a importância do encontro, inédito em forma e conteúdo, e o fato de que estão previstas presenças importantes. No campo global, ainda que representem respectivamente um Estado ainda não constituído e um Estado sob ocupação militar, Mahmoud Abbas (Palestina) e Jalal Talabani (Iraque) são figuras de grande interesse.
No campo mais provinciano, Hugo Chávez (Venezuela) e Néstor Kirchner (Argentina), e sua disputa com o Brasil, também são atrações. Lula janta na segunda com os dois sul-americanos. O argentino ainda terá uma reunião com o brasileiro, que vai acontecer dias depois da mais recente crise diplomática deflagrada por declarações de seu chanceler, Rafael Bielsa, que acusou o Brasil de forjar protagonismo político na região ao aspirar a todos os postos em organismos internacionais.
"A mensagem que essa conferência quer dar ao mundo não é a de um eixo político, mas de entendimento e de paz entre duas regiões que enfrentam dificuldades graves", disse Vilava, referindo-se às turbulências enfrentadas por Colômbia, Equador, Venezuela, Palestina e Iraque.
O Itamaraty fez questão de reforçar que o foco do encontro não será político, mas a cooperação econômica, tecnológica e cultural. "Trata-se de um novo eixo de política exterior focado em comércio e investimentos que está sendo criado", disse Vilalva. A ausência de um chefe de governo da Arábia Saudita, país que nada em petrodólares, tira significativamente força dessa interpretação. Além disso, tradicionalmente grandes cúpulas não funcionam bem para grandes negócios -isso se dá em encontros bilaterais.

Viés político
O viés político será destaque. Se vier, essa será a primeira viagem ao exterior do recém-eleito presidente do Iraque, Jalal Talabani. Também deverá estar em Brasília o presidente da autoridade palestina, Mahmoud Abbas. Ele se encontra amanhã com Lula. Segundo a Folha apurou, a delegação palestina sugeriu que a sessão que vai tratar de combate ao terrorismo, na declaração final da cúpula, fizesse a ressalva de que o combate feito em nome de independência nacional fosse justificável.
No entanto, o Itamaraty, com o apoio dos países sul-americanos, se opôs à especificação e a ressalva acabou sendo tirada do texto, que deverá trazer apenas a expressão "combate ao terrorismo".
A menção ao combate ao terrorismo será um dos pontos da sessão de cooperação política da "Declaração de Brasília", que os representantes dos 34 países deverão assinar ao final do encontro. A declaração também deverá reforçar o apoio ao multilateralismo, deverá estimular o diálogo e entendimentos no Oriente Médio e trará uma manifestação de apoio geral à reforma do Conselho de Segurança da ONU.

Cooperação
A declaração terá também capítulos de cooperação econômica e comercial, tecnológica, cultural e contará com uma sessão dedicada ao estímulo ao desenvolvimento social e combate à pobreza.
O Itamaraty não soube explicar se o tema democracia fará parte do texto, nem como deverá constar da declaração. "É uma questão certamente difícil. Não sei se estará na declaração, deve estar", disse o chefe do Departamento da África, embaixador Pedro da Motta. O encontro vai reunir países democráticos e regimes totalitários, como a Líbia, a Arábia Saudita, a Síria e o Egito.
A maior expectativa do Itamaraty com relação à cúpula será com relação à abertura de um novo eixo de cooperação e de oportunidades de negócios. "Não pretendemos comprar ou vender nada nessa cúpula, apenas criar um ambiente para que os contatos ocorram no futuro", disse Vilalva.
Segundo ele, durante a cúpula os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) deverão assinar um acordo para a formação de uma área de livre comércio com os países do Conselho de Cooperação do Golfo, formado por 20 países árabes.
Paralelamente ao encontro de cúpula, o governo organizou um seminário empresarial e uma feira de investimentos que devem reunir cerca de 830 empresários, dos quais 190 serão árabes, 188 sul americanos e 452 serão brasileiros, segundo o Itamaraty.


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