|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RELIGIÃO
Em novo livro, Reginaldo Prandi analisa assédio evangélico sobre religiões afro-brasileiras e vê declínio do catolicismo no país
"Católicos devem encolher", diz sociólogo
Jorge Araújo/Folha Imagem
![](../images/n0805200501.jpg) |
O sociólogo Reginaldo Prandi, estudioso das religiões, que lança nesta semana o livro "Segredos Guardados", que tem como tema central a situação do candomblé |
VANESSA ALVES BAPTISTA
DA REDAÇÃO
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
A eleição de Bento 16 deve acentuar o desinteresse da Igreja Católica pela América Latina e ampliar
a perda de fiéis em países como o
Brasil. Ambas as tendências apenas reafirmam o legado de João
Paulo 2º, cujo perfil reacionário
foi em parte mascarado pela figura afável e midiática.
São análises do sociólogo Reginaldo Prandi, 58, professor titular
da USP e um dos mais renomados
estudiosos da religião no país. Segundo ele, a Igreja Católica perde
não apenas fiéis mas importância
e presença política diante do crescimento dos chamados neopentecostais, mais ágeis e mais sintonizados com as demandas do que
chama de mercado da fé.
Um dos efeitos da ofensiva neopentecostal no país é o cerco cada
vez maior às religiões afro-brasileiras, com quem dividem uma
religiosidade ancorada mais em
práticas rituais e menos em preceitos morais -traço predominante no catolicismo.
Este é um dos assuntos tratados
em "Segredos Guardados", livro
que Prandi lança nesta semana e
tem como tema central a radiografia do candomblé no país. Diferentemente da umbanda, que
declina, o candomblé se expandiu
nas últimas décadas, em grande
medida pela adesão da classe média branca aos terreiros. A origem
desse fenômeno, diz Prandi, remonta à contracultura dos anos
60 e 70, quando sobretudo a Bahia
se tornou uma fonte de experiência mística e de vida alternativa
para jovens universitários.
Hoje, a sobrevivência do candomblé depende menos de seus
devotos do que da clientela que
mantém com a religião uma relação esporádica, de consumidor
que paga em troca de serviços.
Leia a seguir trechos da entrevista,
realizada na última quarta-feira,
na casa do sociólogo.
Folha - O sr. identifica na hipertrofia ritual e na falência moral traços cada vez mais presentes na experiência religiosa. A comoção em
torno da morte do papa João Paulo
2º não desafia essa tese?
Prandi - Eu acho que a morte do
papa é como uma final de Copa
do Mundo. A grande maioria das
pessoas torce por um time, mas
não se interessa muito em acompanhar o campeonato. Mas, naquele momento, de quatro em
quatro anos, há uma mobilização
geral. Isso é algo que está controlado pelas TVs, pelos jornais.
Com o papa acontece a mesma
coisa. No geral, as pessoas não estão nem um pouco interessadas
no que o papa pensa ou fala. Os
católicos têm pouca idéia do que
acontece no governo papal. É claro que eles serão afetados pela política do papa, mas depois que ela
tenha atingido a paróquia.
O que impressionou muito na
eleição do novo papa é que a Igreja Católica mostrou a cara dela.
Uma igreja conservadora, reacionária. Um conservadorismo quase globalizado. Quem chama a
atenção para isso é [o sociólogo]
Antônio Flávio Pierucci [com
quem Prandi escreveu "A Realidade Social das Religiões no Brasil"]. Ele diz que, com essa eleição,
caiu a máscara da igreja. De repente, viu-se que todos os cardeais são conservadores.
Folha - Mas havia opções menos
conservadoras. O próprio d. Cláudio Hummes era visto como alguém mais aberto.
Prandi - Acredito que d. Cláudio
tenha ficado até um pouco incomodado, porque, na verdade, ele
era o menos pior de todos. Nenhum cardeal brasileiro tinha a
estatura dos antigos bispos do
país. Eles se aposentaram, e a igreja não conseguiu substituí-los,
pois não houve essa preocupação.
Ao contrário, a preocupação do
Vaticano foi reprimir a produção
de grandes pensadores. Hoje
quem tem alguma importância na
igreja brasileira está na oposição.
A escolha do novo papa serviu
também para vermos melhor como os cardeais que representaram a igreja brasileira no conclave
são pessoas inexpressivas.
Folha - O que a América Latina
perde com a eleição de Bento 16?
Prandi - A América Latina já havia perdido muito com o papado
de João Paulo 2º, que deu as costas
para a região. Esse desinteresse
deve se agravar. A igreja teve um
surto de progressismo com João
23 e Paulo 6º, mas depois voltou a
ser a velha igreja reacionária de
sempre. Agora, reassume essa posição com mais clareza.
Folha - João Paulo 2º era uma figura afável, doce, mais palatável
do que Bento 16. Isso camuflou o
rumo que ele deu ao seu papado?
Prandi - Ele tinha um carisma
que o tornava muito popular nas
visitas que fazia. Mas sempre foi
um papa muito reacionário.
Folha - Com a eleição de Ratzinger, a igreja não corre o risco de encolher ou de não se expandir? A ênfase na doutrina, na ortodoxia, não
é uma posição de muito risco?
Prandi - Claro que é. Mas uma
coisa que a mídia não falava durante os funerais e a eleição do papa é que o Brasil perdeu muitos
católicos sob João Paulo 2º. Hoje
somos um país que tem só 75% de
católicos. Grande parte deles desinteressados da vida religiosa. A
pequena expansão que a Igreja
Católica teve na África e na Ásia
não é suficiente para compensar a
perda na América Latina. Perdeu
também politicamente. As outras
religiões têm uma visibilidade
muito grande. As catedrais dos
crentes estão concorrendo com as
catedrais dos católicos em termos
de visibilidade, de importância.
No plano político-partidário, o
catolicismo não tem nenhuma facilidade de se colocar, enquanto
os evangélicos fazem suas cadeiras nas casas legislativas.
João Paulo 2º levou a igreja para
um caminho complicado. O catolicismo vai continuar perdendo
fiéis. Ele tinha uma importância
política que hoje não tem mais.
No Brasil, a Igreja Católica chegou
a ser um dos atores sociais que falavam pela massa. Hoje ela não fala por ninguém.
Folha - Por que a religião evangélica avança sobretudo na parcela
mais pobre da população?
Prandi - Os evangélicos descobriram que teriam de tratar dos
problemas mais comezinhos da
vida diária, da sobrevivência das
pessoas. Eles apostaram na chamada teologia da prosperidade.
Do sucesso financeiro, que, na
verdade, é um sucesso pequeno.
Aquele que permite manter o filho na escola, comprar os móveis
de quarto em 24 prestações. Nas
neopentecostais, passa-se a idéia
de que Deus está ao seu lado para
ajudar na superação das dificuldades. É mais eficiente do que a
promessa das religiões afro-brasileiras de conquista das coisas
através dos trabalhos mágicos,
das oferendas às divindades.
Folha - O sr. faz um paralelismo
entre esses dois rituais?
Prandi - O rito, a magia, que
eram muito fortes nas religiões
afro-brasileiras, agora também
são muito fortes nas evangélicas e
também progrediram no catolicismo, sobretudo entre os carismáticos. A história da religião
mostrava que ela caminhava no
sentido de ficar muito mais ligada
ao mundo dos valores.
Houve um refluxo, agora a religião é usada para pedir, para alcançar coisas que não só dizem
respeito à sua vida espiritual mas
também à sua vida material. É
uma volta ao mundo do ritual.
Folha - A organização empresarial das igrejas evangélicas e o controle que elas têm de parte dos veículos de comunicação não são decisivos para explicar seu êxito?
Prandi - As igrejas que mais
crescem não são necessariamente
as que dispõem de canais de TV.
A audiência dessas igrejas na TV é
muito pequena. O que ainda conta é a presença do fiel no templo.
O que mudou muito é que hoje o
templo está mais adaptado à vida
na grande metrópole. Há grandes
templos que funcionam 24 horas.
Folha - O encolhimento das religiões africanas se deve à migração
para as neopentecostais?
Prandi - Nós não temos estatísticas sobre isso, mas, na experiência de campo, é freqüente o relato
de que, quando alguém deixa o
candomblé ou a umbanda é porque virou crente. Às vezes, é a
própria mãe-de-santo que se converte. Na TV, nos programas
evangélicos, se vê o tempo todo
esse aliciamento. No Rio de Janeiro, as coisas já andaram piores,
com violência na rua, nas periferias, ataques aos terreiros.
Folha - Isso não derruba a tese da
tolerância religiosa no país? Não
vivemos hoje um processo de intolerância com papéis invertidos?
Prandi - Sim, continua a haver
uma luta de Davi contra Golias,
mas com a inversão de papéis. Na
verdade, ao mesmo tempo em
que as religiões evangélicas são
muito agressivas com as afro-brasileiras, elas também têm de se defender. Elas se queixam de serem
vistas como religiões de segunda
categoria, de serem chamadas de
"religiões de cinema fechado".
Hoje nossa sociedade é muito
tolerante em matéria religiosa. Isso não significa, porém, que as religiões sejam. A sociedade se abre,
mas as religiões se fecham.
Texto Anterior: Oriente Próximo: "Golpe do baú" atrapalha relação, diz analista Próximo Texto: Frases Índice
|