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TEOLOGIA DERROTADA
No livro, teólogo noticia uma nova Igreja Católica, cujos protagonistas seriam os pobres
Obra que impôs silêncio a Boff é reeditada
RAFAEL CARIELLO
DA SUCURSAL DO RIO
"Daqui a pouco, um outro há
de propor que, dentro das igrejas, garçons passem bandejas de
salgadinhos, mães-bentas, caldo
de cana, grapete e chica-bon."
Não foi exatamente assim, mas
Nelson Rodrigues entendeu bem
que a atualização da Igreja Católica, da missa e a opção pelos
mais pobres defendidas na década de 60 por d. Hélder Câmara
deflagrariam radicalização
maior. O auge desse processo se
dá em 1981, quando o teólogo
Leonardo Boff publica o livro
"Igreja: Carisma e Poder", agora
relançado pela editora Record.
Nele, Boff faz o anúncio do nascimento de uma nova igreja, em
que os protagonistas seriam os
pobres, que tomariam do clero a
exclusividade sobre "os meios de
produção religiosa" e trabalhariam nesse mundo pelo Reino
-"utopia cristã que concerne ao
destino terminal do mundo"
mas que também "se encontra
em processo dentro da história".
Os ventos do mundo e da história, no entanto, pegaram o projeto de Boff no contrapé. Os protagonistas passavam a ser os conservadores Ronald Reagan, presidente dos EUA, Margaret Thatcher, primeira-ministra britânica, e João Paulo 2º.
Parte da teoria que sustenta o
livro seria colocada em xeque. Ao
analisar a igreja como instituição, hierarquia e "poder", Boff
usa arcabouço sociológico "de
certa inspiração neomarxista",
como disse o cardeal Joseph Ratzinger em carta ao brasileiro (as
acusações da Congregação para a
Doutrina da Fé, chefiada então
pelo atual papa, contra a obra e as
defesas do teólogo da libertação
compõem apêndice do livro).
Boff relaciona diferentes "práticas eclesiais", comportamentos
históricos da igreja, a distintos
momentos históricos e modos de
produção, e associa a hierarquia
católica ao capitalismo. "Criou-se, num longo processo histórico
que pode ser descrito, um modo
dissimétrico de produção religiosa; verificou-se também, dizendo-o numa linguagem analítica
(sem querer conotar moralmente), um processo de expropriação
dos meios de produção religiosa
por parte do clero contra o povo
cristão", escreve.
O centro do argumento de Boff
por uma igreja nova é, no entanto, teológico. Ele faz a distinção
entre "cristianismo" e "catolicismo", entendendo esse último como "a tradução do Evangelho
para a vida concreta dos que
crêem".
O teólogo também propõe mudanças radicais na própria organização da igreja, denunciando o
que considera "violações dos direitos humanos". Diz ser ilógica a
argumentação que exclui as mulheres "do acesso aos cargos ministeriais ligados ao sacramento
da Ordem". A nova igreja, mais
democrática, mais inclusiva de
leigos e mulheres, aconteceria
concretamente nas Comunidades Eclesiais de Base, onde "a fé
constitui a grande porta de entrada para a problemática social".
As conseqüências dessa pregação são conhecidas: em 1985, foi
imposto a Boff um silêncio obsequioso e o afastamento da cátedra de teologia. É aí que está talvez a maior atualidade do livro,
com suas críticas ao "centralismo
e autoritarismo" da igreja.
O teólogo descreve a atuação
da Congregação para a Doutrina
da Fé como "um processo doutrinário kafkiano, no qual o acusador, o defensor, o legislador e o
juiz são a mesma Sagrada Congregação e as mesmas pessoas".
Em 1992, após ser informado de
que voltaria a sofrer as mesmas
punições e receber a "sugestão"
que deixasse o país e o continente, Boff renunciou ao ministério
presbiterial.
Suas idéias, no entanto, foram
derrotadas menos pela hierarquia da igreja do que pela história e pelo mundo.
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