São Paulo, sábado, 08 de junho de 2002

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RUMO ÀS ELEIÇÕES

Investidor compara poder americano ao do Império Romano

Soros diz que EUA irão impor Serra e que Lula seria o caos

CLÓVIS ROSSI
EM NOVA YORK

George Soros, sinônimo mundial de megainvestidor (ou megaespeculador, como muitos preferem), avisa: o Brasil está condenado a eleger José Serra ou a mergulhar no caos, assim que um eventual governo Luiz Inácio Lula da Silva se instalar.
Não se trata, desta vez, apenas da habitual má vontade do mundo financeiro em relação a Lula e ao PT. É muito pior: trata-se de uma análise fria de como se mexem as engrenagens do capitalismo global, de que Soros é não apenas um perito mas também um ativo agente.
O caos virá, acha Soros, por uma questão de "profecia que se autocumpre". Funcionaria assim, na sua avaliação: os mercados acham que Lula dará o calote quando assumir e já começaram a se prevenir, apostando contra o Brasil -ou, mais especificamente, contra o real.
A aposta só pode aumentar enquanto as chances de Lula permanecerem de pé, uma tendência que provavelmente irá até o dia do segundo turno. Se Lula de fato vencer, assumirá com uma situação financeira tão dramática que não lhe restará alternativa a não ser dar o calote que o mercado antecipava que ele daria. A profecia então se autocumpriria.
Em circunstâncias distintas, foi o que ocorreu na Argentina. Ou seja, não foi um calote ideológico ou voluntarioso, mas uma imposição das circunstâncias. Não havia mais como pagar a dívida.

"Só os americanos"
A Folha ponderou a Soros que esse mecanismo é absolutamente antidemocrático, na medida em que impede que os eleitores, teoricamente soberanos, elejam quem bem entendam.
O investidor concorda. E compara os Estados Unidos de hoje à antiga Roma imperial. "Na Roma antiga, só votavam os romanos. No capitalismo global moderno, só votam os americanos, os brasileiros não votam", diz Soros.
É claro que os americanos a que Soros se refere são os agentes financeiros, não necessariamente o governo dos Estados Unidos ou o conjunto da sociedade, que, com certeza, nem faz idéia de que haverá eleição no Brasil, salvo os minguados acadêmicos interessados no país.
É uma avaliação sombria, mas não é novidade na boca desse financista nascido na Hungria, há 71 anos, e naturalizado norte-americano. Faz pouco, Soros equiparou comunismo e capitalismo, dizendo que ambos são geneticamente autoritários.
"O "laissez-faire" [liberalismo absoluto" baseia-se na mesma estrutura mental do marxismo", chegou a dizer. Explicou então: ambos nasceram em um momento em que havia certezas supostamente científicas sobre o mundo, uma visão que ele considera totalitária e teria impregnado as duas grandes correntes ideológicas do século passado.

"O melhor aluno"
O megainvestidor acha que, se Serra vencer, a situação muda, apesar de a dinâmica da crise já estar instalada. "Os mercados se acalmarão", prevê. E explica por que: o capitalismo global não se arriscaria a inviabilizar um país como o Brasil, que Soros chama de "o melhor aluno" do modelo econômico hegemônico.
Claro que é impossível saber se as previsões de Soros estão ou não corretas, mas convém lembrar que "melhor aluno" era a designação que se dava à Argentina, antes de começar a espiral que a levou a um poço sem fundo. Não obstante, "a melhor aluna" foi abandonada à própria sorte.
Pela análise de Soros, a única hipótese de o caos não se estabelecer no país seria evitar a crise financeira. É possível? "Com o dólar a R$ 2,66, a crise já começou", fulmina, em alusão à cotação do dólar no momento da conversa com a Folha, na chuvosa noite de quinta-feira em Nova York, durante jantar organizado pelo Council on Foreign Relations.
O paradoxal é que Soros tem propostas que, se implementadas, minariam as chances de especular contra o Brasil. Propostas antigas, todas relativas à reforma da arquitetura do sistema financeiro internacional.
Para o Brasil, especificamente, recomenda o alívio da dívida, com uma intervenção direta do Tesouro dos EUA. Mas ele próprio diz que "o Tesouro não parece nada interessado".


O jornalista CLÓVIS ROSSI viajou a Nova York a convite do Council on Foreign Relations, para participar de seminário sobre o pós-11 de setembro



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