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São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003

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ELIO GASPARI

A história virada pelo avesso

Saiu um livro divertido, adequado para feriadão. Chama-se "E se...?". Reproduz situações que todo mundo já especulou: como teriam ficado as coisas se, em vez de terem acontecido como se sabe que aconteceram, tivessem terminado de outro jeito? São treze casos, narrados por historiadores e acadêmicos. Uma brincadeira que educa, informa e mata o tempo. Winston Churchill, por exemplo, gostava desse tipo de divertimento.
Na manhã de 5 de junho de 1944, havia uma tempestade sobre o Canal da Mancha. O general americano Eisenhower pediu uma previsão ao seu meteorologista e ouviu: a chuva cede antes do fim da noite, amanhã o tempo estará razoável. Na manhã seguinte os americanos desembarcaram na Normandia. E se uma tempestade desbaratasse a frota, levando o Dia D ao fracasso? O historiador Stephen Ambrose constrói uma teoria instigante. Se o meteorologista tivesse errado, os nazistas não teriam ganho a guerra, mas a Europa cairia sob domínio comunista.
O livro tem mais dois "Se" para a Segunda Guerra: o que teria acontecido se aquele taxi que entrou na Quinta Avenida e atropelou um pedestre distraído tivesse matado Winston Churchill em Nova York, em 1931? E se dez anos depois, Hitler tivesse atacado as províncias petrolíferas árabes, em vez de invadir a Rússia?
Josiah Hober, do Departamento de Estudos Clássicos da Universidade de Princeton, tem um palpite brilhante a respeito do papel reservado para um nazareno chamado Jesus caso Marco Antônio e Cleópatra tivessem derrotado Otávio na batalha de Actium (31 A.C.). E se Poncio Pilatos tivesse poupado o nazareno? Carlos Eire, do departamento de Estudos Religiosos de Harvard constrói uma bonita história. Jesus morreria aos 97 anos, em Nazaré, mas a história teria sido mais ou menos a mesma.
A escritora Cecelia Holland garante que se o mongol Ogadai Kahn não tivesse morrido, no início de 1242, o general Sabotai teria entrado em Viena e daí conquistaria toda a Europa. (Sabotai voltou à Mongólia para participar da escolha do novo Khan e ficou por lá.) O professor William McNeill, da Universidade de Chicago, mostra que se os incas tivessem derrotado Pizarro e seu bando de rufiões na batalha de Cajamarca, em 1559, a Europa teria que continuar vivendo sem uma coisa preciosa. Nada a ver com o ouro e a prata da história conhecida. Os espanhóis conquistaram a batata e, com a batata, salvaram a Irlanda e a Prússia da fome. Conseguiram a base dietética da Revolução Industrial.
Se os chineses tivessem colonizado a América do Norte? E se Napoleão, em vez de vender as colônias francesas da América do Norte tivesse invadido os Estados Unidos? E se o governo alemão não tivesse emprestado a Lênin o trem blindado que o levou a São Petersburgo em 1917?
Quem quiser entrar na brincadeira sem se dar ao trabalho de ler o livro, pode se divertir com alguns "Se" da vida nacional.
1- Como seria o Brasil de hoje se os holandeses tivessem vencido no século 17?
2- Como seria o Brasil de hoje se José Bonifácio tivesse conseguido abolir a escravidão em 1823?
3- E se os paulistas tivessem deposto Getúlio Vargas em 1932?
4- E se Castello Branco tivesse realizado as eleições de 1965, com Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek disputando a presidência? Como ficaria o Brasil depois do governo do vencedor?
5- E se Tancredo Neves tivesse ido ao médico, tomado posse e governado?

Para mandar, há o Fome Mil

Na última semana de maio, na qualidade de "assessor especial do do presidente da República", Oded Grajew expediu cerca de mil cartas a empresários, "solicitando que nos remeta, até o dia 13 de julho, um breve relato das atividades que sua empresa ou sua associação de classe começou a empreender, neste ano" em benefício do programa Fome Zero. Coisa formal, com as armas da Viúva. O doutor informa que faz isso porque "o presidente Lula convocará as empresas e associações de classe a expor seu engajamento no Programa Fome Zero, num evento que será realizado no palácio do Planalto".
Grajew foi um veterano militante da causa democrática e do engajamento (voluntário) dos empresários em iniciativas de alcance social. Se ele pudesse, reescreveria a carta. Afinal, quem convoca é patrão (ou polícia), e até a Receita Federal dá mais de três semanas de prazo quando encaminha suas cobranças.
Como essas coisas não acontecem por acaso, os comissários José Dirceu e Luiz Gushiken poderiam se reunir com o companheiro Grajew e responder à seguinte pergunta: quais foram as outras cinco vezes em que governos anteriores pediram ao empresariado que pingasse um dinheirinho nas suas políticas preferenciais? Vão ficar de cabelo em pé.

Os amigos da reforma da Previdência

Estão privatizando a parte do latifúndio que coube ao ministro Ricardo Berzoini.
O cidadão paga seus impostos (41% do PIB), vai ao sítio do Ministério da Previdência na Internet e vê que se organizou um "Seminário para criar um fundo de pensão a partir do vínculo associativo". Aventura-se e aprende que se trata de um evento de um dia, grátis, com cinco painéis. Será apresentado em Brasília e seis capitais de Estados. Destina-se a iniciar empresários e sindicalistas no mundo da nova Previdência Social. Coisa privada, para gerar mais coisas privadas, com o propósito de administrar o ervanário dos fundos de pensão de 4 milhões de funcionários públicos.
O programa do seminário informa que três dos cinco painéis têm o mesmo expositor. É Wanderley Freitas. Até meados do ano passado ele era um dos sócios da consultora Gushiken Associados. Com a ida do companheiro Luís Gushiken para a Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo, Wanderley e outro sócio (Augusto Tadeu Ferrari) falam hoje em nome de uma nova empresa, a GlobalPrev. Gushiken já nomeou Adacir Reis, seu ex-assessor na Câmara, para a Secretaria de Previdência Complementar.
A todos, sinceros votos de sucesso.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota. Entende que o Banco do Brasil é uma sociedade anônima e acha um absurdo que o governo pense em influir na taxa de juros que ele cobra das suas vítimas. (De 36% a 172% no cheque especial.) Assim, lucrou R$ 479 milhões no primeiro trimestre deste ano (37,2% acima do lucro do mesmo período do ano passado). O Banco do Brasil não pertence ao governo.
O idiota não entende porque os mandarins do banco emprestaram o 11º andar de sua sede paulista ao presidente Lula. Coisa de R$ 50 mil por mês no mercado de aluguéis. O BB informa que a cessão "não fere nenhum dispositivo legal e está sustentada em parecer jurídico fundamentado no relacionamento institucional e negocial com o setor público". São do governo os prédios do Correio, no Centro, e do Banco Central, a poucos quarteirões de distância do BB.
Quando o idiota for a Brasília, levará seu cadastro ao doutor Cássio Casseb, presidente do BB. Reivindicará o direito mordomo-negocial de usar o banheiro do quarto andar duas vezes por ano.

Estrelas no céu
Morreu no dia 30 de maio, oito dias depois de ter sofrido um acidente automobilístico, Silvia Arns Neumann, de 31 anos. Seu filho Danilo, de três anos, estava no carro e foi lançado (com sua cadeirinha) a 20 metros de distância. Escapou sem um arranhão.
Silvia era a filha caçula da Dra. Zilda Arns. Em vida, sempre revelou o desejo de doar os seus órgãos. Dois dias depois do desastre viu-se que ela não sobreviveria. Temeu-se que a medicação e a extensão do acidente só permitissem a captação das córneas. Silvia morreu doando oito de seus órgãos, entre eles o coração e o fígado. Na dor, Zilda Arns teve o alento das vidas salvas pela determinação da filha.

Erro
Com uma memória de elefante e 48 anos de jornalismo, Claude Erbsen corrige: estava errada a informação aqui publicada de que "a bandeira de Iwo Jima foi hasteada para que Joe Rosenthal pudesse fotografá-la. Os fuzileiros estavam numa boa, atrás das linhas americanas".
Rosenthal sabia que um mastro já tinha sido levantado e tentava localizar os fuzileiros que o haviam erguido. Sem que o fotógrafo tivesse nada a ver com a decisão, os comandantes da área decidiram hastear outra bandeira, maior. Nesse momento, Rosenthal fotografou os cinco fuzileiros e o marujo. Eles estavam atrás das linhas americanas, mas a foto não foi encenada. Também não estavam numa boa. Os combates em Iwo Jima continuaram por mais 31 dias e dos 11 soldados que hastearam as duas bandeiras no monte Suribachi, 5 ficaram na ilha.
Rosenthal nada ganhou com a foto. Voltou ao batente, fotografando bandidos e paradas. Está vivo, em San Francisco.

Entrevista

Chico Alencar
(53 anos, deputado pelo PT-RJ, professor de história da UFRJ.)

-O senhor arrumou uma briga com um pedaço da Câmara e com o deputado João Paulo Cunha porque decidiu não receber R$ 19.400 pela convocação extraordinária de julho. Rasgar dinheiro é coisa de maluco. O senhor é doido?
-Doido é quem acha razoável que esse pagamento seja feito. Um deputado ganha R$ 9.640 líquidos por mês. Vamos dizer que essa é a renda de dez trabalhadores. Os dez trabalhadores comparecem ao local de trabalho durante 11 meses e recebem 13 salários. O deputado comparece ao local das funções parlamentares durante dez meses e recebe 15 salários. Dá para notar que há algo de estranho nessa conta? Vamos adiante. O presidente da Câmara, João Paulo Cunha, diz que a lei manda que a convocação extraordinária seja paga. Não existe essa lei. O que há é uma resolução da Mesa Diretora. A Mesa merece respeito, mas não podemos esquecer que ela representa os interessados. O que nós acharíamos se os dez trabalhadores do exemplo lá de cima tomassem decisões semelhantes? Insano é quem não vê problema em receber essa demasia, num país como o nosso.

-Essa convocação custará R$ 20 milhões à Viúva. O que o senhor pretende fazer para evitar isso?
- Basta votar a Emenda Constitucional 205, proposta sob a liderança do deputado José Genoino, que acaba de ser desengavetada. Ela diz que o recesso parlamentar vai de 15 de dezembro a 15 de janeiro, e acabou-se. Fora daí, como acontece com todos os trabalhadores, só se recebe aquilo que foi contratado, sem nenhum extra. Se não houver tempo para votar a emenda, a Câmara deve revogar o pagamento desse dinheiro. Essa é nossa batalha. Por enquanto, somos dez deputados. Se nada der certo, propomos que os parlamentares inconformados doem aquilo que vierem a receber. Eu milito no PT desde 1987, sinto-me mal vendo o meu partido na presidência da Câmara tolerando uma situação dessas. Como dizia o apostolo Paulo: "A raiz de todos os males é o amor ao dinheiro". O PT está sendo jogado numa situação terrível, pagando pelo amor dos outros ao dinheiro público. Eu tenho certeza de que o João Paulo vai devolver os R$ 19.400 dele. A maioria da bancada petista fará o mesmo.

- Para evitar que o chamem de dissidente radical, cite cinco medidas elogiáveis do governo.
- Não sou dissidente. Sou inquieto. Todas as vezes que te chamarem de radical, olhe em volta e veja ao lado de quem você está. Depois, olhe quem está em volta de quem te chamou de radical. Cito cinco medidas, mas poderia citar mais:
1) O governo acertou na política agrícola. Tanto nos créditos para o plantio quanto nas posições relacionadas com a reforma agrária.
2) Acertou na política externa.
3) Acertou no foco das políticas para os mais necessitados. O Fome Zero e as cisternas da Febraban são um bom exemplo.
4) A orientação de políticas públicas a partir de conferências nacionais de meio ambiente, cidades, saúde e educação. Esse processo estará concluído ainda neste ano.
5) As ações para a superação do analfabetismo e para elevar a escolaridade média do brasileiro.



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