|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA FRANCENILDO COSTA
Se soubesse que fariam o que fizeram, teria ficado calado
Caseiro que contradisse parte do depoimento de Palocci à CPI dos Bingos e ajudou a derrubar o ministro em 2006 diz que ficará derrotado se petista escapar de processo
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
0O caseiro Francenildo Costa, 27, cujo depoimento à CPI dos Bingos derrubou o ministro Antonio Palocci (PT), em 2006, hoje trabalha de bicos. Diz esperar que a Justiça decida sobre a ação por danos morais que move contra a Caixa Econômica e a Editora Globo pela quebra e divulgação de seu sigilo bancário -segundo ele, uma operação que visava desacreditá-lo. À Folha, Francenildo disse esperar que a Justiça adote no seu caso a rapidez que usa no inquérito do STF.
FOLHA - Como o sr. define a sua situação hoje, passados três anos do
depoimento?
FRANCENILDO DOS SANTOS COSTA -
Dá para levar. Estou trabalhando, fazendo uns bicos por aí para poder comer o arroz no final
da tarde.
FOLHA - A Justiça ainda nada definiu a respeito da ação de indenização que o sr. moveu. Como o sr. vê o
assunto?
FRANCENILDO - Já me dei conta
de que a rapidez da Justiça demora. Eu tô praticamente ansioso. Tô trabalhando. Tentando trabalhar, estudar e deixar
isso um pouco de lado. Não ficar em cima, em cima, porque
já sei que a Justiça demora um
pouco. Mas tô por aí, tô correndo atrás.
FOLHA - O processo está lento?
FRANCENILDO - É. Com certeza.
FOLHA - O que aquele vazamento
da sua conta bancária provocou na
sua vida?
FRANCENILDO - Esse vazamento
foi o que me chocou bastante.
Porque se eu soubesse que ia
chegar a esse ponto o jogo sujo
deles, eu não tinha falado. Eu
não me arrependeria de não falar o que eu sabia. Mas na hora
eu pensei, "Vou sair na mídia,
nos canais, nos jornais, mas vou
encarar".
Mas se eu pensasse que eles
jogassem tão sujo igual eles jogaram, invadiram minha vida.
Porque ficar de olho assim, na
rapidez que foi divulgada minha convivência com o meu
pai. Eu não queria que isso
acontecesse.
Até a família, parentes ficaram duvidando do dinheiro.
Porque ninguém sabia [do pai
biológico], eu não tinha contado para ninguém.
O que me prejudicou bastante foi isso aí, a questão da quebra do sigilo.
FOLHA - E até hoje?
FRANCENILDO - Com certeza.
Ocorre de eu andar na rua de
boné. A gente bota um boné na
cabeça e algumas pessoas ainda
conhecem.
Esses dias fui trabalhar e esqueci de levar o boné e, dentro
do ônibus, uma mulher ficou
mencionando: "Olha lá, o caseiro do Palocci". Aí tive que ir lá
pro fundo do ônibus e descer
para poder pegar outro ônibus.
Eu não gosto dessas coisas, fico
meio angustiado. Fico calado,
fico na minha.
FOLHA - O sr. se arrependeu de ter
falado aquilo que presenciou?
FRANCENILDO - Se eu soubesse
que eles iriam fazer o que fizeram comigo, eu me arrependeria de ter falado. Porque eu
pensava que "vou falar o que sei,
e pra mim não vai dar em nada,
por causa que eu tô falando a
verdade". [...] Agora, a questão
da quebra foi uma sacanagem
mesmo que fizeram.
FOLHA - Por outro lado, as coisas
que o sr. falou ajudaram a revelar
questões de interesse público. O sr.
leva isso em conta também e vê algum lado positivo em seu depoimento à CPI?
FRANCENILDO - Com certeza.
[Antes] Estava aquela confusão. Era só mentira pra cá,
mentira pra lá. Tinha que chegar e falar a verdade.
FOLHA - O sr. esperava que eles
agiriam contra o sr.?
FRANCENILDO - Eu sabia, eu esperava que isso iria acontecer.
É muita puxação de saco.
FOLHA - Como o sr. vê, até agora, o
andamento do seu processo, o juiz
já conversou contigo?
FRANCENILDO - Eu tô meio assim
querendo acreditar ou não.
Porque eu vou esperar que
Deus, que a Justiça, vai condenar ou não. Vou apostar minhas
fichas nela [na Justiça].
Algumas pessoas precisam
da Justiça para fazer assim e assim. Agora chegou a minha vez.
Se ela vai me igualar a ele [Palocci] ou vai chegar ao ponto de
"não, ele é o ministro, ele [Francenildo] é só um caseiro. Vamos dar preferência a ele [ministro], vamos deixar ele [caseiro] assim num canto".
Só espero que ele não possa
ter essa regalia igual teve com
ele na época do extrato. Botou
extrato na imprensa, a regalia
dos próprios funcionários da
Caixa também. A rapidez de
"olha, o negócio dele [caseiro] é
isso aqui, ele tem assim e assim". Eu espero que a Justiça
não veja por esse lado também.
FOLHA - O que o sr. espera do julgamento sobre o papel do ministro Palocci no caso?
FRANCENILDO - Espero que seja
feita, né? Seja feita a Justiça,
venha uma condenação. Eu vou
ter confiança nela. Vamos ver o
que que vai dar aí.
Mas estou bastante confiante
que vai rolar alguma coisa. Eu
vou ficar meio chateado se a
Justiça não me comparar com
ele, tudo no mesmo nível, mesmo balaio, dez quilos pra lá, dez
quilos pra cá. Agora, se bota dez
quilos, e pro outro bota dois
quilos...
FOLHA - O sr. acha que, se ele escapar do processo, isso influenciará na
ação que o sr. move?
FRANCENILDO - Com certeza.
Porque aí, se absolve ele, quem
foi que quebrou [o sigilo]? Foi
só o funcionário da Caixa, é do
interesse dele? Não tem como.
"Ah não, ele não é o culpado".
Então quem foi? Quem foi que
passou o extrato para a imprensa? Quem foi essa pessoa? Um
dia essa pessoa vai ser descoberta. O extrato não tem condições de sair de um caixa, passar
em um restaurante, do restaurante fazer uma ponte aérea e
cair lá na casa do ministro. Não
tem como.
FOLHA - O sr. teme que a Justiça
acabe não apontando nenhum culpado e que isso fique no ar.
FRANCENILDO - Isso. É o que eu
menos espero. Esse mundo está feito para tudo, né?
FOLHA - Se houver a notícia da exclusão dele do processo, como está
sendo comentado, como o sr. receberá a notícia?
FRANCENILDO - Rapaz, eu vou ficar assim meio derrotado. Por
causa que a única coisa que se
deve confiar é nela [Justiça].
Faz três anos já e o negócio não
dá em nada. Então a quebra do
sigilo vai ser natural para qualquer pessoa. [O sigilo] não tem
valor mais.
FOLHA - E no caso da condenação?
FRANCENILDO - Aí eu vou acreditar na Justiça, que ela existe.
Vou acreditar nela. "Não, hoje
não é só pobre que é condenado, rico também é condenado".
Mas eu quero ter a certeza.
FOLHA - Está se falando que, se ele
escapar da condenação no Supremo, ele se lançaria candidato ao governo de São Paulo. Como o sr. recebe essa notícia?
FRANCENILDO - Isso aí eu já vi
passando na própria imprensa
também, que [ele] está querendo se candidatar. Meu voto
mesmo ele não vai ganhar. Então, para mim, não tem diferença, não.
FOLHA - O sr. acha que ele teria o
direito de se candidatar?
FRANCENILDO - Nós estamos no
Brasil, e no Brasil hoje em dia
acontece de tudo em termos de
política. O cara apronta, apronta, e ainda sai livre da acusação,
é candidato, faz o que quer. Isso
é a política do Brasil.
FOLHA - Em 2002, o sr. votou em
Lula. Repetiu o voto em 2006?
FRANCENILDO - Não.
FOLHA - O que sr. achou da posição
do governo no episódio?
FRANCENILDO - Praticamente
negativa. Eu pensava que ia ter
um apoio do próprio governo.
Mas já na base da matéria em
que ele [Lula] falou, no começo,
sobre a minha pessoa: "Ah, é um
simples caseiro". Isso também
me deixou muito chateado.
Se tinha um pessoa que eu
admirava tanto era ele, votei
nele duas vezes, no primeiro e
no segundo turno. Uma pessoa
trabalhadora. Hoje, para mim,
é como qualquer pessoa comum. Se depender de mim, do
meu voto, não tem mais, não.
FOLHA - O sr. contou as coisas
ruins, mas recebeu algum apoio pelo que fez?
FRANCENILDO - É, tem alguns
que me encontram na rua, chegam, dão parabéns. Mas tem
uns que ficam enchendo o saco.
"Ah, o caseiro do Palocci". Estão
me chamando até de "Palocci"
pelos lugares que eu ando.
Texto Anterior: Toda Mídia - Nelson de Sá: Lidando com informação Próximo Texto: Frase Índice
|