São Paulo, domingo, 08 de julho de 2007

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JANIO DE FREITAS

A violência pela violência

Exemplos recentes ilustram uma realidade que nos recusamos a ver: a violência no Brasil mudou de nível

O INTENSO INTERESSE da imprensa e a extensa repercussão do espancamento, por um grupo de rapazes, de uma moça na Barra da Tijuca não decorreram, pelo que pude depreender, do ato de agressão absurda e covarde. O que não quer dizer que a solidariedade à moça e a repulsa à covardia não sejam sinceros. Mas violências assim e ainda mais covardes e absurdas são inúmeras todos os dias, e não provocam reação proporcional, nem geram muito mais sentimento do que uma certa agitação do medo já incorporado.
A classe social e econômica dos agressores, senão também a topográfica do antipatizado novorriquismo da Barra, foi o componente essencial entre os fatores que fermentaram a imprensa e expandiram a indignação. Também por isso, além de nossa brasileira distração, mais uma vez deixamos de dar a atenção devida a uma parte fundamental, no sentido mesmo de estar na origem, da motivação dos rapazes universitários.
A agressão não buscou aproveitar a desproteção da moça, final de madrugada em um ponto ermo de ônibus, para saciar a ânsia de violência física. Sua alegação, "pensávamos que era uma prostituta", suscitou todas as justas recriminações morais e humanas, quase dispensáveis, de tão óbvias. A motivação do grupo, porém, não foi a de castigar uma prostituta porque prostituta, foi a de agredir para roubar a bolsa de uma prostituta - no que se enganou quanto à pessoa, mas não no resultado da intenção.
"É uma quadrilha especializada em roubar bolsas de prostitutas", diz a polícia depois de saber de mais investidas idênticas do grupo. Roubar bolsas de prostitutas: o que desejariam, esses rapazes de nível universitário, das bolsas de mulheres que precisam se vender nas ruas de madrugadas vazias? Que proveitosos frutos poderiam obter acima do que têm nos próprios bolsos, sejam bolsos de emergentes ou de já emergidos? E, depois das agressões e dos roubos, a deliciosa diversão de ir "jogando pela janela do carro as coisas da bolsa".
A idéia de roubar prostitutas para nada provém só do prazer de provocar as aflições em que, já tão desprovidas, essas moças se vêem de repente, sem dinheiro nem para a passagem, sem os pertences miúdos, sem o possível documento, sem a chave, sem nada, rasgadas na roupa e na carne igualmente baratas. Não é o assalto, propriamente. Não é a agressão física que atrai. É a perversidade em estado puro.
O assassinato de um casal diante do filho de sete anos, já feito o roubo no carro; o incêndio de outro casal já roubado também no carro, aquele e este casos paulistas sem explicação possível que não a perversidade pura. Os assassinatos, na Zona Sul carioca, de pessoas depois de assaltadas por adolescentes em sinais de trânsito. O menino João Hélio arrastado no carro roubado. Os tiros a esmo, só para atingir rodas de desconhecidos ou passantes anônimos, episódios de todos os dias. O tratamento feroz dado por bandos armados a moradores de favelas. A cegueira furiosa dos combates entre criminosos e policiais. Estão aí exemplos só para ilustrar uma realidade que nos recusamos a ver: a violência no Brasil mudou de nível.
Já vivemos o estado da violência pela violência, a violência só por perversidade, pelo prazer da maldade e do sofrimento alheio: a violência que não tem mais nenhum tipo de restrição.
Não adianta pensar ainda na violência urbana e na segurança pública com as idéias convencionais, que prevalecem absolutas. A realidade está em outro estágio, e cresce nele a cada dia, em extensão social e em profundidade dos efeitos. Mas onde e quem pensar sobre isso, eis o mistério.


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