São Paulo, terça-feira, 08 de outubro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Cordão de flores

PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO

Para chegar a Getulina, onde seria o comício final do dia, a caravana teria de passar pela rua central de uma pequenina cidade, para a qual não se previra qualquer parada.
Porém, ao dobrar a curva da estrada e entrar na rua principal, o carro em que viajavam Jânio Quadros, governador do Estado, e Carvalho Pinto, seu candidato a sucessor, deparou-se com um cordão de flores fechando a rua.
Tomado de surpresa, o motorista não pôde brecar e despedaçou a corrente, arremessando flores para todos os lados.
Mais uns metros, outra corrente. Na terceira, Jânio exclamou: "Para mim, isto é demais, pare o carro!".
Desceram, ele e Carvalho Pinto e, cercados pelos jubilosos moradores, foram caminhando para a pequena praça central. Jânio subiu em um banco do jardim, enquanto uma caminhonete aproximou-se e estendeu-lhe um alto falante.
Emocionadíssimo, ele tomou a palavra e fez um inflamado discurso.
Já na peroração, parou um instante e ficou imóvel. Todo mundo ficou imóvel.
A seguir disse lentamente: "Recepções como estas são comuns a um governador sol nascente. Incomum é uma recepção como esta, dada espontaneamente pelo povo, a um governador sol poente".
Falou e ficou novamente em silêncio com a cara voltada teatralmente para o sol poente. Nova imobilidade e novo silêncio geral.
Após uns instantes, começou bem devagar: "Se... se... se...". Cada "se" era seguido por um longo silêncio.
Em pouco tempo, uma verdadeira angústia tomou conta da platéia - todos ansiando para que ele desembuchasse logo a frase engasgada na sua garganta. Depois de outros quatro ou cinco "ses", Jânio explodiu: "Se o povo de São Paulo eleger Carvalho Pinto, serei candidato a presidente da República."
Aí foi o delírio. Carregado nos braços do povo, voltou para o carro e seguiu viagem.
Que ele iria ser candidato a presidente da República era um segredo de polichinelo.
Mas aquela foi a primeira vez que ele admitiu publicamente, clara e inequivocamente a própria candidatura.
O que não podem os cordões de flores...


PLÍNIO ARRUDA SAMPAIO, 72, ex-deputado federal pelo PT e membro da Assembléia Constituinte de 1988, escreve às terças-feiras nesta seção


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