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FOLCLORE POLÍTICO
Cordão de flores
PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO
Para chegar a Getulina, onde
seria o comício final do dia, a
caravana teria de passar pela rua
central de uma pequenina cidade, para a qual não se previra
qualquer parada.
Porém, ao dobrar a curva da estrada e entrar na rua principal, o
carro em que viajavam Jânio
Quadros, governador do Estado, e
Carvalho Pinto, seu candidato a
sucessor, deparou-se com um cordão de flores fechando a rua.
Tomado de surpresa, o motorista não pôde brecar e despedaçou
a corrente, arremessando flores
para todos os lados.
Mais uns metros, outra corrente. Na terceira, Jânio exclamou:
"Para mim, isto é demais, pare o
carro!".
Desceram, ele e Carvalho Pinto
e, cercados pelos jubilosos moradores, foram caminhando para a
pequena praça central. Jânio subiu em um banco do jardim, enquanto uma caminhonete aproximou-se e estendeu-lhe um alto
falante.
Emocionadíssimo, ele tomou a
palavra e fez um inflamado discurso.
Já na peroração, parou um instante e ficou imóvel. Todo mundo
ficou imóvel.
A seguir disse lentamente: "Recepções como estas são comuns a
um governador sol nascente. Incomum é uma recepção como esta, dada espontaneamente pelo
povo, a um governador sol poente".
Falou e ficou novamente em silêncio com a cara voltada teatralmente para o sol poente. Nova
imobilidade e novo silêncio geral.
Após uns instantes, começou
bem devagar: "Se... se... se...". Cada "se" era seguido por um longo
silêncio.
Em pouco tempo, uma verdadeira angústia tomou conta da
platéia - todos ansiando para
que ele desembuchasse logo a frase engasgada na sua garganta.
Depois de outros quatro ou cinco
"ses", Jânio explodiu: "Se o povo
de São Paulo eleger Carvalho Pinto, serei candidato a presidente
da República."
Aí foi o delírio. Carregado nos
braços do povo, voltou para o carro e seguiu viagem.
Que ele iria ser candidato a presidente da República era um segredo de polichinelo.
Mas aquela foi a primeira vez
que ele admitiu publicamente,
clara e inequivocamente a própria candidatura.
O que não podem os cordões de
flores...
PLÍNIO ARRUDA SAMPAIO, 72,
ex-deputado federal pelo PT e membro
da Assembléia Constituinte de 1988,
escreve às terças-feiras nesta seção
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