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TRANSIÇÃO
Participantes de discussão sobre pacto proposto por Lula temem que diversidade de reivindicações seja empecilho
Convidados apontam risco de imobilismo
LIEGE ALBUQUERQUE
ISABEL CAMPOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Apesar das expectativas em alta
com a iniciativa do presidente
eleito, Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), de unir sociedade civil, organizações não-governamentais,
capital e trabalho para negociar,
há certo medo com o risco que o
órgão caia no imobilismo, resultante do choque de reivindicações
opostas: se houver muitas vozes,
ele pode virar uma torre de Babel.
"A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) certamente irá nas reuniões com
suas propostas históricas e nós,
sindicalistas, com as nossas. O governo querendo entrar de mediador, sabendo que quem sempre
teve de ceder foi a classe trabalhadora, não será tarefa fácil", disse o
presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho.
Para o sindicalista, um cuidado
necessário do governo deve ser
também o de convidar deputados
federais e senadores para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. "Não adianta nada resolver as coisas em reuniões
como essa e depois o Congresso
emperrar, como é praxe", disse.
Para Horacio Lafer Piva, presidente da Fiesp, a reunião de ontem foi muito positiva, mas ele
acha que questões mais técnicas
deverão ser discutidas em grupos
menores. De alguma forma, disse
ele, as futuras reuniões não poderão ter tantos participantes.
"Gerenciar reuniões tão amplas
é de grande complexidade. É uma
administração de talentos e vaidades. Terão de encontrar uma
mecânica para que quem seja
eventualmente excluído do pacto
não se aborreça", afirmou Piva.
Em relação ao projeto Fome Zero, o empresário disse que as empresas e os trabalhadores estão
dispostos a ajudar e só falta decidir de que forma isso será operado. "Só que, para discutir uma
questão técnica [como a do projeto], é impossível fazê-lo numa
reunião tão ampla como essa."
O presidente da Febraban (Federação Brasileira das Associações de Bancos), Gabriel Jorge
Ferreira, afirmou que sua experiência em reuniões mostra que o
número grande de pessoas "deixa
as idéias muito dispersas".
"O conselho poderia ser constituído por subgrupos de 20, 30
pessoas, por temas. Depois, representantes desses grupos menores trariam as discussões mais
buriladas para o conselho", disse.
O presidente da CUT (Central
Única de Trabalhadores), João
Felício, disse que não dava para
esperar mais avanços de uma primeira reunião. "Algumas pessoas
podem ter ficado chateadas porque não puderam falar nessa reunião, mas isso não seria possível e
acredito que todos poderão ter
voz nas próximas [reuniões"."
Um dos empresários presentes
à reunião, que não quis se identificar, mesmo aplaudindo a idéia do
pacto social, teme que as propostas sejam tantas que se percam.
Para ele, houve "boa vontade"
também no governo Fernando
Henrique Cardoso na discussão,
durante oito anos, da reforma tributária: "Ouviram muitos, ninguém quis fazer um jogo de soma
zero [sem perdedores ou vencedores] e nada aconteceu. E o governo acabou impondo remendos [no sistema tributário]".
Ética
A empresária Viviane Senna
chorou no final da reunião. "Fico
emocionada porque testemunhei
um momento histórico e especial
do país: vimos que o que faltava
não eram condições financeiras
ou técnicas, mas decisão ética."
O entusiasmo da empresária foi
refletido na opinião da coordenadora nacional da Pastoral da
Criança, Zilda Arns- que já expôs suas críticas ao sistema de
compra exclusiva de alimentos
dos tíquetes do projeto Fome Zero. "A idéia de reunir a sociedade
é excelente. Temos de nos unir
para que haja inclusão social de
toda as pessoas", disse.
Há "convergência" nos interesses dos empresários com o presidente eleito, na opinião do presidente da Sadia, Luiz Fernando
Furlan. "Todos querem a redução
da taxa de juros e não há empresário que se coloque contra ajudar o
projeto Fome Zero", disse.
Para ele, o único cuidado que a
equipe do governo eleito precisa
ter é o de limitar "com cuidado" o
número de participantes. "Assim
será possível que as discussões
terminem em ações."
O presidente da Nestlé, Ivan Zurita, disse "louvar" a iniciativa de
Lula, mas afirmou ter "ciência de
que tudo não se resolve com uma
conversa só". "A quantas reuniões for convidado me disponho
a participar."
O empresário afirmou que está
preparado para discussões em
que será preciso ceder. "Mas essa
não é a questão, ceder, mas de
aceitar participar de um projeto
nacional", disse.
"Estou aqui, e acho que também
todos que aceitaram o convite e
vieram, com o espírito de quem
quer colaborar e não saber quem
vai levar mais ou menos vantagem, ou quem vai ser mais ou menos afetado", afirmou Zurita.
O presidente da Bovespa (Bolsa
de Valores de São Paulo), Raymundo Magliano Filho, afirmou
que o país vive um momento em
que "todos devem ceder um pouco para um Brasil melhor". "Lula
sempre teve o poder de aglutinar
os empresários e trabalhadores."
Para o presidente do grupo Pão
de Açúcar, Abílio Diniz, o país
"nunca viu tanta disposição". "O
que destaco é a força do presidente [eleito], a disposição em fazer
coisas pelo país. Todos que estão
sendo chamados a contribuir têm
de ajudar. Sempre fui um pouco
descrente em torno disso, mas
dessa vez estou otimista."
O presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e
de Confecção), Paulo Skaf, defendeu que o conselho proposto por
Lula seja um "canal aberto" do
presidente com a sociedade. "Às
vezes o presidente fica isolado e os
ministros também. Esse conselho
pode virar aquele fórum em que o
presidente vai ouvir vários setores
da sociedade", disse.
Skaf disse que considera ideal
que o conselho tenha cerca de 60
participantes. "A idéia de subgrupos por temas dentro do Conselho me parece interessante."
Oded Grajew, presidente do
Instituto Ethos de Empresas e
Responsabilidade Social, considerou a reunião produtiva. "As pessoas começaram a entender o
sentido do Conselho, que é o de
ser mais um instrumento de participação da sociedade em torno
de interesses comuns e públicos."
O "momento mágico" vivido no
período do Plano Cruzado (criado em 1986, no governo de José
Sarney), quando houve a tentativa de um pacto social, foi lembrado pelo presidente da Gradiente,
Eugênio Staub. "A diferença é que
aquele governo [Sarney] era surdo para as discussões da sociedade, o que não é o caso agora."
Colaborou SILVIA FREIRE, da Folha
Online
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