São Paulo, sexta-feira, 08 de novembro de 2002

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TRANSIÇÃO

Participantes de discussão sobre pacto proposto por Lula temem que diversidade de reivindicações seja empecilho

Convidados apontam risco de imobilismo

LIEGE ALBUQUERQUE
ISABEL CAMPOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Apesar das expectativas em alta com a iniciativa do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de unir sociedade civil, organizações não-governamentais, capital e trabalho para negociar, há certo medo com o risco que o órgão caia no imobilismo, resultante do choque de reivindicações opostas: se houver muitas vozes, ele pode virar uma torre de Babel.
"A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) certamente irá nas reuniões com suas propostas históricas e nós, sindicalistas, com as nossas. O governo querendo entrar de mediador, sabendo que quem sempre teve de ceder foi a classe trabalhadora, não será tarefa fácil", disse o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho.
Para o sindicalista, um cuidado necessário do governo deve ser também o de convidar deputados federais e senadores para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. "Não adianta nada resolver as coisas em reuniões como essa e depois o Congresso emperrar, como é praxe", disse.
Para Horacio Lafer Piva, presidente da Fiesp, a reunião de ontem foi muito positiva, mas ele acha que questões mais técnicas deverão ser discutidas em grupos menores. De alguma forma, disse ele, as futuras reuniões não poderão ter tantos participantes.
"Gerenciar reuniões tão amplas é de grande complexidade. É uma administração de talentos e vaidades. Terão de encontrar uma mecânica para que quem seja eventualmente excluído do pacto não se aborreça", afirmou Piva.
Em relação ao projeto Fome Zero, o empresário disse que as empresas e os trabalhadores estão dispostos a ajudar e só falta decidir de que forma isso será operado. "Só que, para discutir uma questão técnica [como a do projeto], é impossível fazê-lo numa reunião tão ampla como essa."
O presidente da Febraban (Federação Brasileira das Associações de Bancos), Gabriel Jorge Ferreira, afirmou que sua experiência em reuniões mostra que o número grande de pessoas "deixa as idéias muito dispersas".
"O conselho poderia ser constituído por subgrupos de 20, 30 pessoas, por temas. Depois, representantes desses grupos menores trariam as discussões mais buriladas para o conselho", disse.
O presidente da CUT (Central Única de Trabalhadores), João Felício, disse que não dava para esperar mais avanços de uma primeira reunião. "Algumas pessoas podem ter ficado chateadas porque não puderam falar nessa reunião, mas isso não seria possível e acredito que todos poderão ter voz nas próximas [reuniões"."
Um dos empresários presentes à reunião, que não quis se identificar, mesmo aplaudindo a idéia do pacto social, teme que as propostas sejam tantas que se percam. Para ele, houve "boa vontade" também no governo Fernando Henrique Cardoso na discussão, durante oito anos, da reforma tributária: "Ouviram muitos, ninguém quis fazer um jogo de soma zero [sem perdedores ou vencedores] e nada aconteceu. E o governo acabou impondo remendos [no sistema tributário]".

Ética
A empresária Viviane Senna chorou no final da reunião. "Fico emocionada porque testemunhei um momento histórico e especial do país: vimos que o que faltava não eram condições financeiras ou técnicas, mas decisão ética."
O entusiasmo da empresária foi refletido na opinião da coordenadora nacional da Pastoral da Criança, Zilda Arns- que já expôs suas críticas ao sistema de compra exclusiva de alimentos dos tíquetes do projeto Fome Zero. "A idéia de reunir a sociedade é excelente. Temos de nos unir para que haja inclusão social de toda as pessoas", disse.
Há "convergência" nos interesses dos empresários com o presidente eleito, na opinião do presidente da Sadia, Luiz Fernando Furlan. "Todos querem a redução da taxa de juros e não há empresário que se coloque contra ajudar o projeto Fome Zero", disse.
Para ele, o único cuidado que a equipe do governo eleito precisa ter é o de limitar "com cuidado" o número de participantes. "Assim será possível que as discussões terminem em ações."
O presidente da Nestlé, Ivan Zurita, disse "louvar" a iniciativa de Lula, mas afirmou ter "ciência de que tudo não se resolve com uma conversa só". "A quantas reuniões for convidado me disponho a participar."
O empresário afirmou que está preparado para discussões em que será preciso ceder. "Mas essa não é a questão, ceder, mas de aceitar participar de um projeto nacional", disse.
"Estou aqui, e acho que também todos que aceitaram o convite e vieram, com o espírito de quem quer colaborar e não saber quem vai levar mais ou menos vantagem, ou quem vai ser mais ou menos afetado", afirmou Zurita.
O presidente da Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo), Raymundo Magliano Filho, afirmou que o país vive um momento em que "todos devem ceder um pouco para um Brasil melhor". "Lula sempre teve o poder de aglutinar os empresários e trabalhadores."
Para o presidente do grupo Pão de Açúcar, Abílio Diniz, o país "nunca viu tanta disposição". "O que destaco é a força do presidente [eleito], a disposição em fazer coisas pelo país. Todos que estão sendo chamados a contribuir têm de ajudar. Sempre fui um pouco descrente em torno disso, mas dessa vez estou otimista."
O presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), Paulo Skaf, defendeu que o conselho proposto por Lula seja um "canal aberto" do presidente com a sociedade. "Às vezes o presidente fica isolado e os ministros também. Esse conselho pode virar aquele fórum em que o presidente vai ouvir vários setores da sociedade", disse.
Skaf disse que considera ideal que o conselho tenha cerca de 60 participantes. "A idéia de subgrupos por temas dentro do Conselho me parece interessante."
Oded Grajew, presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, considerou a reunião produtiva. "As pessoas começaram a entender o sentido do Conselho, que é o de ser mais um instrumento de participação da sociedade em torno de interesses comuns e públicos."
O "momento mágico" vivido no período do Plano Cruzado (criado em 1986, no governo de José Sarney), quando houve a tentativa de um pacto social, foi lembrado pelo presidente da Gradiente, Eugênio Staub. "A diferença é que aquele governo [Sarney] era surdo para as discussões da sociedade, o que não é o caso agora."


Colaborou SILVIA FREIRE, da Folha Online



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