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LUIZ GONZALEZ
Sócio da GW vê equívocos na campanha de Marta, mas credita vitória às qualidades do candidato
Marqueteiro de Serra ironiza "magos" e diz que PT exorbitou
RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL
Para petistas que se engalfinham em busca de explicação para a derrota em São Paulo, Luiz
Gonzalez tem resposta curta:
"Marta perdeu porque Serra ganhou". A afirmação, acaciana
apenas à primeira vista, resume
os motivos elencados pelo marqueteiro do prefeito eleito: "Porque parte dos eleitores não gosta
do jeito dela. Porque abandonar a
saúde foi mortal. Porque a campanha apostou numa divisão da
cidade entre pobres e ricos. Porque a população anda meio chateada com o PT. E porque soubemos aproveitar esses erros todos e
mostrar a dimensão de homem
público que o Serra tem".
Gonzalez, 51, e o parceiro Woile
Guimarães, 65, fizeram quase tudo na imprensa antes de migrar
para o marketing político. A origem jornalística tem forte influência no
trabalho da dupla. Para Gonzalez,
o "jeito publicitário" de fazer
campanha por vezes ignora que a
comunicação política está sujeita
ao contraditório. "No horário
gratuito, você fala o que quer e ouve o que não quer."
Desse mal teria padecido a promessa petista do "CEU Saúde",
fruto, diz Gonzalez na entrevista
abaixo, de um raciocínio de apostador: "Repetir e repetir, mesmo
quando já se sabia que a maquete
não havia dado certo".
Na contramão das estrelas da
marquetagem, várias delas derrotadas neste ano, Gonzalez afirma
que eleição é time, "uma operação
muito grande e complexa para
que alguém possa se atribuir a autoria do argumento que desempata". Discretos no limite da reclusão, ele e seus sócios na produtora GW comemoram sem alarde
o placar de 4 x 0 sobre Duda Mendonça nos últimos confrontos
com o incensado marqueteiro de
Lula em São Paulo.
Folha - Então é verdade que
quem bate perde, como dizia no
passado o marqueteiro adversário?
Luiz Gonzalez - Meia verdade.
Primeiro, é preciso distinguir entre crítica administrativa e ataque
abaixo da linha de cintura. Criticar é legítimo, bater é discutível e
mesmo perigoso. Quando você
opta por uma campanha negativa, deixa de construir o seu candidato e passa a falar do adversário.
Pouca gente entende que um dos
recursos finitos numa campanha
eleitoral é o tempo. A cada dia que
você fala do outro, é um dia que
você perde sem falar de você.
O segredo é a mistura: quanto
de um e quanto de outro. E o timing: quando criticar e quando
construir. Da mesma forma,
quando se é atacado: quando ignorar e quando responder. No geral, a demanda dos políticos é por
responder. Tudo. No momento
seguinte ao ataque recebido. E esse é o perigo: abandonar a sua
agenda para trabalhar nos assuntos que o adversário põe na mesa.
Folha - Aconteceu desta vez?
Gonzalez - Muitas vezes. No primeiro turno, com quatro semanas de TV, o PT abandonou sua
campanha para se dedicar integralmente, nos comerciais, à desconstrução da biografia do Serra.
A campanha da Marta relacionou
dados de maneira absurda para
atacá-lo como ministro. Chegaram a dizer que em sua gestão aumentou o diabetes, como se fosse
doença infectocontagiosa.
Quanto mais absurda a acusação, mais vontade o acusado tem
de responder. Se a campanha do
Serra respondesse, viria nova acusação. Teríamos de responder de
novo. E viria uma terceira. De novo teríamos de contestar. Passados alguns dias, o assunto da eleição não seria mais se a Marta foi,
ou não, boa prefeita, mas sim se o
Serra foi, ou não, bom ministro.
Folha - O Fura-Fila funcionou para Pitta, mas o CEU Saúde não funcionou para Marta. Por quê?
Gonzalez - Não fizemos a campanha de 1996 na capital. Então, a
avaliação é à distância. Mas minha impressão é que um dos erros
foi ter tentado discutir o Fura-Fila
a sério. Lembro que a campanha
mandou equipe de TV à Austrália
e à Alemanha para mostrar similares que não funcionavam.
Na minha opinião, a discussão
que deveria ter sido travada era
outra: a comparação das biografias do Serra e do Pitta.
Mas a campanha adversária
também cometeu erros. O maior
foi a frase do Maluf ("Se o Pitta
não for bom prefeito, nunca mais
votem em mim"). Aquilo não foi
rompante. Foi uma construção
deliberada pensando na eleição
de 1998 para o governo.
Folha - E o CEU Saúde?
Gonzalez - É filho de uma diferença essencial na maneira de fazer campanhas, entre os estilos
"jornalístico" e "publicitário". Eu,
pessoalmente e até por formação,
acho que o jeito publicitário de fazer eleição é mais arriscado.
A comunicação política está sujeita ao contraditório. Na publicidade, o criativo pega um produto,
descobre um posicionamento,
traduz num bom slogan e repete,
repete. O concorrente raramente
entra na briga para dizer que não
é bem assim. Na política, é o contrário. Principalmente no Brasil,
com o horário gratuito, você fala o
que quer e ouve o que não quer.
Normalmente, os publicitários
apostam na freqüência: se uma
mensagem for repetida à exaustão será considerada verdadeira.
É um comportamento de apostador de roleta. O sujeito põe as fichas numa casa, perde e dobra.
Perde e dobra. Sob a crença de
que, em algum momento, se tiver
ficha suficiente, vai ganhar. Ficha,
no caso, é tempo de rádio e TV.
Isso ocorreu com aquela maquete, o tal CEU Saúde. Aquilo é
fruto de dois equívocos e de uma
aposta. Primeiro equívoco: já que
o adversário vai falar mal da saúde, vamos nos antecipar e apresentar uma solução qualquer.
Segundo equívoco: menosprezar a capacidade de
julgamento dos
eleitores e a da
campanha adversária. E a aposta foi
a de repetir e repetir mesmo quando
se sabia que a maquete não tinha dado certo.
Folha - Em que
momento sentiu
que não havia retorno para Marta?
Gonzalez - Dizer
que não havia retorno é forte. Eleição a gente só sabe
depois dos votos
contados. Mas, lá
pelo programa
quatro ou cinco,
quando a campanha começou a ficar errática, ficamos mais animados. Depois, quando entrou o Fura-Fila da Saúde. E,
depois, quando insistiram no erro. E quando a Marta começou a
falar bem do governador e depois
a criticá-lo. O alicerce de uma boa
campanha é a disciplina. Mirar no
longo prazo, duelar, eventualmente, no dia-a-dia, mas não perder de vista o caminho traçado.
Folha - Concorda com a idéia de
que a leve recuperação da prefeita
na última semana se deveu à mudança do programa de televisão,
que se tornou menos agressivo e
mais prestador de contas?
Gonzalez - Acho que foi um
acerto. Mas apenas essa fórmula
de vender uma Marta simpática e
realizadora não seria suficiente.
Principalmente porque ela foi
mesclada com uma
certa chantagem: o
eleitor estaria sendo
"injusto" se não votasse na prefeita.
Ninguém gosta disso.
Folha - Foi um erro
do adversário bater
em Geraldo Alckmin?
Gonzalez - Erro
duplo. Primeiro,
porque os paulistanos gostam muito
do governador. Em
2002, ele teve dois
terços dos votos da
cidade. Depois, porque ele não estava
na cédula. Foi colocado pela Marta,
que veio à TV dizer
que se dava bem
com o governador,
trabalhava junto etc.
Quando ele manifestou preferência
pelo Serra, ela mudou o discurso.
E quando achou que o Serra podia ganhar no primeiro turno,
passou a atacá-lo (e ao Covas)
com veemência. A esperteza,
quando é demais, acaba engolindo o dono.
Folha - Por que "Serra é do bem"?
Gonzalez - O Serra tem uma história exemplar. Passado limpo,
coerência ideológica, lealdade aos
princípios democráticos, respeito
aos valores republicanos. Quando
lançamos o slogan, imaginávamos que o embate final seria a
comparação de personalidades.
A maioria das pessoas reconhece as qualidades intelectuais do
Serra. Faltava o lado afetivo, que
ele soube mostrar, com naturalidade, na rua. E, se o Maluf acha
que o Serra é do mal, ele só pode
ser do bem, né?
Folha - Por que Marta perdeu?
Gonzalez - Porque parte dos eleitores não gosta do jeito dela. Porque abandonar a saúde foi mortal.
Porque a campanha dela apostou
numa divisão da cidade entre pobres e ricos. E porque a população
anda meio chateada com o PT. O
PT que tratora os adversários, que
marca território onde os outros
não podem fazer campanha, choca o eleitor médio.
E também porque soubemos
aproveitar esses erros e mostrar a
dimensão de homem público que
o Serra tem. Em resumo, Marta
perdeu porque Serra ganhou.
Folha - Concorda com a idéia de
que as disputas eleitorais versam
cada vez menos sobre temas e mais
sobre personalidades? Por quê?
Gonzalez - Essa é uma divisão
clássica. Dizem os manuais que os
incumbentes preferem as eleições
sobre temas, pois têm mais a mostrar. E que os desafiantes preferem as eleições sobre pessoas.
Mas nem sempre é assim. Cada
candidato luta por uma eleição
cuja agenda o favoreça.
Lula, em 2002, fez uma eleição
que era mais tema do que pessoa,
embora também se valorizasse a
história de vida do candidato. A
campanha do Serra optou por
uma eleição de tema, com o Projeto Segunda-Feira, que tentava
levar o debate para a questão do
emprego. Talvez o melhor tivesse
sido levar para um cotejo de biografias, de capacidades.
Mudança x continuidade é um
tema. No Brasil e no mundo, no
entanto, o eleitor olha primeiro as
pessoas. Porque são as pessoas
que dão dimensão aos temas.
Folha - O sr. sempre procurou se
distanciar do culto aos marqueteiros. O que pensa dessa história?
Gonzalez - Eleição é time. É uma
operação muito grande e muito
complexa para que alguém possa
se atribuir a autoria do movimento decisivo, do argumento que desempata, da ação vitoriosa.
Cada um, com seu trabalho, faz
a diferença. O Danilo Palasio, presidente da GW, que planejou e
criou toda a seqüência de programas de TV; o Marcelo Vaz, vice-presidente, que respondeu pela
edição dos programas de TV; o
José Maria Santana, outro vice-presidente, que foi o diretor de
produção, de reportagem e do levantamento de informações.
Outra contribuição importante
foi a do PC Bernardes [programa
de rádio e as músicas]. E as do
Paeco [Antonio Prado, o homem
das pesquisas qualitativas] e do
Olsen [quantitativas]. Muita gente mesmo. Minha tarefa e a do
Woile era mais de guarda de trânsito. Para mim, a conclusão é: essa
equipe faz eleição sem mim, mas
eu não conseguiria fazer eleição
sem eles. Acho que o Woile pensa
o mesmo. Por isso, não faz o menor sentido nos apresentarmos
como grandes marqueteiros, magos ou coisa parecida.
Folha - Esta eleição foi marcada
pelo insucesso de algumas estrelas
da marquetagem. De acordo?
Gonzalez - Não. Como sempre,
foi a eleição do insucesso de algumas campanhas mal conduzidas.
A GW tem tido sorte e bons candidatos. Ou o contrário. À diferença de outras empresas, fazemos poucas campanhas por vez.
Três no máximo. Para que um
dos sócios esteja sempre à frente e
tenha um time de primeira. Muita
campanha eleva a receita, mas é
impossível fazer direito.
Folha - E o insucesso das estrelas?
Gonzalez - Na disputa entre equipes, estou satisfeito com a nossa
sorte. Disputamos três eleições de
governador em São Paulo contra
campanhas dirigidas pelo Duda e
esta municipal de 2004. Ganhamos as quatro vezes. Não sei se isso significa algo além de sorte,
mas considero bom resultado.
Folha - Qual foi a campanha mais
difícil: Covas 1998, Alckmin 2002
ou Serra 2004?
Gonzalez - Covas 1998. Porque,
no primeiro turno, tivemos pouco tempo de TV. O Covas foi muito atacado pelo Maluf. Nosso mérito foi manter a estratégia e ignorar as demandas internas por resposta aos ataques. No segundo
turno, eles morderam a isca que
jogamos: a de que, a partir dali, seria a eleição do bem contra o mal.
Aceitaram a agenda e, no lugar de
discutir a administração Covas,
vieram discutir o que era o bem e
o que era o mal. Perderam.
A maior disputa numa eleição é
imperceptível para a maioria das
pessoas. É a disputa pela agenda,
pelos assuntos que vão dominar a
eleição. A campanha da Marta
queria que a agenda fosse uma
pergunta: ela merece, ou não, ficar mais quatro anos? Nós levamos a agenda para outro lado:
queríamos que, na reta final, as
pessoas escolhessem entre duas
personalidades, duas histórias de
vida, duas maneiras de administrar. Entre duas pessoas.
Folha - Pronto para fazer a campanha de Alckmin à Presidência?
Gonzalez - O governador tem dito a amigos que pretende montar
uma clínica de medicina chinesa
quando encerrar o mandato. Estamos prontos a ajudá-lo no marketing se ele quiser. Depende dele.
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