São Paulo, domingo, 08 de dezembro de 2002

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DENTRO DA TRANSIÇÃO

Documentos da equipe de transição identificam "esqueletos no armário" e "bomba de tempo" para futuro governo

"Torpedos" prevêem "armadilhas" para Lula

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A equipe de transição petista prepara o caminho do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, ao Planalto classificando os problemas que encontra nas seguintes categorias: "bomba de tempo", "armadilha", "esqueletos no armário". O roteiro consta de documento intitulado "Torpedos/ Vulnerabilidades".
No Centro de Treinamento do Banco do Brasil, onde funciona a sede dos trabalhos da equipe de transição, o grupo cuida de prevenir prejuízos à imagem do governo petista e do presidente. Além disso, o roteiro sugere que a equipe de transição tente dimensionar o "estrago que [o problema" pode causar" e aponte "ações para evitar sua ocorrência".
Cópia do formulário foi encontrada no lixo do escritório da transição pela Folha. O conjunto de documentos encontrados lá durante oito dias revela que os técnicos do PT fizeram muito mais do que levantar informações sobre a gestão de Fernando Henrique Cardoso.
As rígidas regras impostas ao grupo, sempre despachadas em "instruções" numeradas, dão pistas de como funciona a "lei do silêncio" decretada pelo coordenador da equipe de transição, Antônio Palocci Filho, para a rotina da equipe de 77 pessoas que trabalham na transição desde seis de novembro.

Lacrar portas
A instrução número quatro descreve a "norma especial de segurança das salas", parte das diretrizes para preservar o sigilo no QG petista. Em seis itens, há comandos para trancar janelas, lacrar portas com etiquetas numeradas, rubricadas e conferidas pela segurança no dia seguinte.
Retornar ao prédio depois de encerrado o expediente ou nos finais de semana, só com autorização da "autoridade" competente. Nesse caso, a etiqueta deve ser substituída e a abertura do lacre, formalmente comunicada à coordenação da transição.
A série de "instruções" também detalha procedimentos para que a equipe receba ressarcimento por despesas -em 72 horas-, como proceder em caso de viagem e os documentos necessários para que os integrantes da equipe sejam formalmente contratados como servidores da Presidência.
Um bilhete rápido informa que um convênio com a Academia de Tênis permitirá aos integrantes da transição lá hospedados jantar por R$ 15.

Despesas
A coordenação administrativa também fez alguns exercícios matemáticos sobre os gastos da transição. Somando-se os meses de novembro, dezembro e janeiro (dias), estadias, cafés da manhã, passagens aéreas e "gastos com atividades emergenciais" devem somar R$ 754.394,08.
O valor é dividido. O PT banca, segundo o documento, R$ 320.602,48. Para a Presidência ficam os R$ 445.720,44 restantes.
Pelos números oficiais da Casa Civil, a transição custou aos cofres públicos, até o dia 28 de novembro, R$ 244.916,60.
A equipe de transição investiu tempo rasgando papéis. Usaram trituradores para apenas parte dos documentos.
Mas a garimpagem -buscando documentos entre embalagens de chocolates, copos de café, tocos de cigarro, restos de frutas e sanduíches -e quase dois rolos durex para juntar as peças permitiram reconstruir, por exemplo, partes de seis relatórios com a análise da equipe de transição sobre a gestão de Fernando Henrique Cardoso.

Auto-ajuda
Pela quantidade e regularidade, chamaram a atenção no lixo as mensagens religiosas, de otimismo e de auto-ajuda distribuídas pela secretária Solange de Souza.
Em 28 de novembro, Solange finaliza seu texto, um comentário sobre passagens bíblicas, da seguinte forma: "Temos um excelente dia, e saúde é o que interessa, o resto... ah, o resto com certeza é muito mais fácil de correr atrás. Acreditem. Beijos".
Em 5 de dezembro, ela começa: "Não sejamos frustrados e sem paz. Por toda a parte, podemos ver como falta de caridade tem tornado o homem miserável, como originou o mundo desordenado e sem esperança. [...] Eu sou o melhor, eu e eu".
Junto com as mensagens de Solange, escaparam do triturador listas de telefonemas recebidos por Antônio Palocci, sua declaração de Impostos de Renda de 2001 e um ofício, de 5 de dezembro, agradecendo ao economista-chefe do Citibank, Carlos Kawall Leal Ferreira, o envio de documentos solicitados.
A agenda do presidente do PT, deputado José Dirceu (SP), que despacha no escritório de transição de terça a quinta-feira, foi parcialmente preservada.
Também entre os documentos encontrados estão algumas contribuições enviadas à transição. O "Caderno de Resoluções do 28º Congresso Nacional da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação)", encaminhado pela presidente da entidade, Juçara Vieira, foi inteirinho para a lata de lixo.



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