São Paulo, domingo, 08 de dezembro de 2002

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JUDICIÁRIO

Lei de Improbidade não atingirá de presidente a prefeito caso Supremo acate argumento da Advocacia Geral da União

STF pode criar "blindagem" para 1º escalão

CLÁUDIA TREVISAN
EDITORA-ADJUNTA DE BRASIL

Presidentes da República, governadores, prefeitos, parlamentares e ocupantes de cargos do primeiro escalão estarão livres da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa se o STF (Supremo Tribunal Federal) acompanhar o voto do ministro Nelson Jobim nos processos que envolvem a utilização de jatos da FAB (Força Aérea Brasileira) por integrantes do governo FHC.
Aprovada em 1992, a Lei de Improbidade é o principal instrumento do Ministério Público para coibir atos de corrupção em âmbito federal, estadual e municipal. Dos 11 ministros do STF, 5 já acompanharam a posição de Jobim, relator do caso relativo ao ex-secretário de Assuntos Estratégicos Ronaldo Sardenberg. O julgamento foi interrompido por um pedido de vistas do ministro Carlos Velloso e deverá ser retomado antes do Natal.
Jobim acatou o argumento da Advocacia Geral da União, segundo o qual os agentes políticos já estão sujeitos à acusação de crime de responsabilidade e, por isso, não poderiam ser processados ao mesmo tempo com base na Lei de Improbidade Administrativa. Agentes políticos são aqueles com poder de decisão, incluindo ministros e secretários de Estado. Por esse raciocínio, a lei seria aplicada apenas aos ocupantes do segundo escalão para baixo ou funcionários de carreira do Estado.
Existem hoje pelo menos 4.000 ações em todo o país abertas com base na Lei de Improbidade Administrativa, dirigidas principalmente contra prefeitos. A atuação dos promotores nos municípios se transformou na última década no principal instrumento de fiscalização dos prefeitos, que tradicionalmente ficavam impunes, em razão do controle que costumam exercer sobre os vereadores.
A inaplicabilidade da Lei de Improbidade aos agentes políticos não é o único ponto preocupante da posição adotada até agora pelo STF. Jobim sustenta também que as autoridades acusadas de atos irregulares com base em outras leis terão foro privilegiado. Ou seja, só poderão ser julgadas por tribunais superiores. Na prática, a decisão de processar o presidente, governadores ou prefeitos estará nas mãos de uma pessoa, o procurador-geral da República, no caso do presidente, ou os procuradores-gerais de Justiça, no caso dos Estados e municípios.
"Nenhuma represália sofrida até agora pelo Ministério Público, como a imposição de restrições à quebra do sigilo bancário e fiscal em suas investigações ou o projeto da chamada "Lei da Mordaça", representou tamanha ameaça ao exercício de suas atribuições como essa decisão que se anuncia no STF", afirma texto divulgado pelo Movimento do Ministério Público Democrático.
Para o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Luiz Antônio Marrey, a possível decisão do STF se insere em um movimento mais amplo, que ameaça a atuação do Ministério Público, no qual se inclui o projeto de "Lei da Mordaça". Aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a proposta impede promotores e procuradores de darem informações sobre casos em andamento, sob pena de serem acusados de violar o sigilo, a intimidade, a imagem e a honra dos envolvidos.
Marrey sustenta que a confirmação do voto de Jobim pela maioria do plenário do STF destruirá todo o sistema criado nos últimos dez anos para fiscalizar e punir os ocupantes de cargos públicos. Cid Vasques, presidente da Associação Paranaense do Ministério Público, acrescenta que as milhares de ações iniciadas em todo o país com base na Lei de Improbidade deixarão de existir.
"Essa decisão criará um apartheid jurídico, com a Lei de Improbidade aplicada aos barnabés e os agentes políticos sujeitos a outros tipos de responsabilização", ressalta Marrey.
Em seu voto, Jobim é claro ao sustentar que a lei não se aplica aos agentes políticos. "O agente político pode responder por ato de improbidade administrativa, mas esses atos, no caso dos agentes políticos, são tratados como crimes de responsabilidade, a eles não se aplicando a Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade)", afirma o voto. Para Jobim, nesses casos deve ser aplicada a Lei de Responsabilidade, de 1950, a mesma usada nos processos de impeachment.
O ministro sustenta que os agentes políticos não podem estar sujeitos à pena de perda do cargo prevista na Lei de Improbidade. Essa punição só poderia ser aplicada em um processo por crime de responsabilidade.
"O sistema anterior à Lei de Improbidade se mostrou ineficaz no combate aos desvios do administrador público", observa Marrey, em relação à lei de 1950.
Para promotores, a confirmação do voto de Jobim vai retirar do Ministério Público um instrumento fundamental de fiscalização dos administradores. Jobim insinua que o risco de impunidade é menor que o da suposta má aplicação da Constituição. "O STF não se assombra com a possibilidade de o agente político não ser imediatamente punido, ante o mal maior do desrespeito às regras constitucionais de responsabilização e de perda do cargo, próprias de quem exerce funções de soberania."



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