São Paulo, Domingo, 09 de Janeiro de 2000


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CRIME ORGANIZADO

Mariners montam escola para combate ao tráfico na selva, o que poderia pressionar o Brasil

Ação dos EUA no Peru preocupa a PF

ELVIRA LOBATO
enviada especial ao Peru

A presença de fuzileiros navais norte-americanos na cidade de Iquitos, no Peru, a 150 km da fronteira com o Brasil, a propósito de treinar policiais para o combate ao narcotráfico na selva, preocupa a Polícia Federal brasileira.
Cerca de cem mariners se instalaram em Iquitos, com a criação de uma escola de operações ribeirinhas pelo Comando Sul (EUA), em convênio com a Marinha de Guerra do Peru. Os militares norte-americanos investiram US$ 78 milhões na escola.
Documentos internos da Polícia Federal, obtidos pela Folha, interpretam a presença de militares norte-americanos na região como uma forma de pressão para a militarização do combate ao narcotráfico na América Latina.
A Polícia Federal critica a presença dos fuzileiros navais norte-americanos no país vizinho, mas apóia a participação da DEA (Drug Enforcement Administration), agência de combate ao tráfico dos EUA que tem caráter civil.
Em dezembro passado foi criada, em Lima, a Escola Regional da Comunidade Andina de Inteligência Antidrogas, que reúne as polícias do Brasil, Peru, Colômbia, Bolívia, Equador e Chile.
A escola é vista pela PF como uma oportunidade de criação de uma doutrina regional de combate ao narcotráfico e como uma contraposição à influência norte-americana.
Desde 1996, o Brasil e países vizinhos andinos passaram a trabalhar em conjunto para identificar os líderes do tráfico internacional de cocaína. Os problemas são comuns, porque as organizações invadiram as fronteiras e se tornaram regionais.
A principal organização traficante de cocaína do Peru, o grupo Cachique Rivera, está infiltrado na região do Alto Solimões, no Estado do Amazonas. Por outro lado, brasileiros estão assumindo funções de comando intermediário em organizações peruanas.
Oito brasileiros estão presos no Peru por tráfico internacional de cocaína, segundo informação da Dinandro, Divisão Nacional Antidrogas daquele país. Segundo o general Dennis Del Castillo, chefe da Dinandro, é crescente o envolvimento de brasileiros com o narcotráfico em território peruano.
A Superintendência da Polícia Federal no Amazonas instaurou inquéritos para apurar o desaparecimento de seis aviões pilotados por brasileiros sobre a selva peruana nos últimos três anos.
Os pilotos, segundo a PF, estavam supostamente transportando pasta-base de coca do Peru para os laboratórios de refino da Colômbia e foram abatidos.
No início de dezembro, foram encontrados na selva peruana os corpos de dois brasileiros, ainda não identificados, entre os de três integrantes de uma organização local chamada Cristóvão.
A última prisão de brasileiro em solo peruano por tráfico de cocaína ocorreu no dia 17 de novembro. Segundo a Dinandro, Gustavo Loja Fernandes foi preso com 4 kg de cocaína pura escondidos em uma mochila, quando tentava apanhar um vôo interno. As demais prisões ocorreram entre janeiro de 97 e junho de 99.
Segundo a Dinandro, os brasileiros ficarão pelo menos seis anos presos.
O governo do Peru deflagrou, há quatro anos, um cerco contra a produção, o consumo e o tráfico de cocaína em seu país. Apesar de reduzir a área de plantio à metade, estima-se que a droga ainda gere uma receita de US$ 500 milhões por ano.
Segundo o general Del Castillo, há ""decisão política" de eliminar o narcotráfico no país, que começou pela aprovação de uma lei que incentiva os traficantes a denunciarem os chefes das organizações. O benefício para o delator vai da redução ao indulto da pena.
A legislação sobre o uso do espaço aéreo também foi alterada e a polícia está autorizada a derrubar aeronaves que estejam trafegando sem autorização.
Se o piloto não responder à ordem de pouso, a aeronave é derrubada. Nos último três anos, nove aviões foram abatidos e, entre eles, estavam os seis aviões brasileiros informados pela PF.
O general Del Castillo diz que o cerco exercido pelo governo peruano, em conjunto com os Estados Unidos, levou as organizações narcotraficantes a mudarem sua estratégia de ação.
Ele explica que o Peru é, tradicionalmente, fornecedor de pasta-base de coca para os laboratórios da Colômbia. A pasta-base é um estágio intermediário da industrialização da folha de coca, que precede o refino.
Antes do cerco, iniciado em 96, a pasta-base seguia diretamente para a Colômbia, por aviões. Com o risco de abatimento das aeronaves, os traficantes passaram a levar a droga por barcos até a fronteira com o Amazonas e o Acre, onde é apanhada por pilotos brasileiros e levada para a Colômbia. A segunda rota é o Equador, que se tornou um corredor no transporte da pasta-base do Peru para a Colômbia, semelhante ao Brasil.
O general diz que a política de combate ao narcotráfico no país é definida pelo governo peruano e que os norte-americanos dão apenas suporte às suas ações, que são traçadas pela Dinandro e pelo Serviço de Inteligência, ligado à Presidência da República.
""Não há interferência. Somos um país soberano", afirmou.
Ele diz que as polícias do Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador estão agindo juntas para enfrentar as organizações de tráfico de cocaína na região amazônica e, na avaliação dele, o Brasil vem assumindo uma posição de liderança nesse campo. Segundo o general, cem aviões de traficantes foram apreendidos nos últimos anos como resultado da ação conjunta desses países.
A repressão nas fronteiras tem levado a uma sofisticação do narcotráfico no Peru. Segundo o general, as organizações, que antes se limitavam a produzir a pasta-base no país, estão montando laboratórios de refino próximos a Lima, na costa do Pacífico.
Com a atividade mais produtiva (o refino) ficando no país, o Peru vem se tornando também um país de lavagem de dinheiro do narcotráfico.
Segundo o general, o valor de bens apreendidos em poder de narcotraficantes triplicou nos últimos três anos, passando de US$ 8 milhões em 1997 para US$ 24 milhões no ano passado.


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