São Paulo, sábado, 9 de janeiro de 1999

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LEIA ÍNTEGRA DO DISCURSO DE FHC ANTES DA REUNIÃO MINISTERIAL

Que as minhas primeiras palavras sejam defelicitações e de congraçamento. Essa é a primeira reunião que nós temos, com o novo ministério, e é a primeira reunião, também, no novo ano. Eu queria desejar-lhes muita sorte e muito trabalho. Porque sorte para quem está no governo é trabalho com êxito, pelo bem do nosso país.
Eu queria, muito rapidamente, antes de abrir a discussão e pedir aos ministros da Fazenda, do Planejamento e ao chefe da Casa Civil que façam exposições mais ordenadas sobre a nossa agenda de trabalho, fazer algumas considerações. E expressar, também, o meu sentimento de responsabilidade, que sei que é compartilhado por todo o governo, diante do fato singular que é, pela primeira vez na nossa história, nós termos sido reeleitos.
E, quando há uma reeleição, quem se reelege não é apenas a pessoa do presidente, é a política do presidente. Porque o povo julga, o povo está julgando não só a pessoa, mas o que essa pessoa fez. E, quando essa pessoa está à frente de um governo, está cercada de colaboradores. Portanto, de alguma maneira, os colaboradores também contribuíram para essa reeleição.
Esse fato de ter havido uma reeleição e, com a generosidade do povo brasileiro, eu voltar a ser presidente e, pela segunda vez, com maioria absoluta dos votos válidos, no primeiro turno significa que o modo de governar, que introduzimos no Brasil, foi apoiado pelo povo brasileiro. Não há, portanto, razões para mudarmos o modo de governar.
Mas, por modo de governar não quero expressar apenas as pessoas que estão governando, até porque as pessoas mudam e, aqui, nós temos vários novos ministros, secretários de Estado, aos quais eu estendo, mais especialmente, essa saudação inicial. Por modo de governar se entende, também, o relacionamento de todos nós com a sociedade.
Fui eleito com um programa. Esse programa, os senhores conhecem. Está num livro chamado "Avança Brasil". Como disse no meu discurso de posse, não fui eleito pelo povo para gerenciar uma crise, mas para superar uma crise. E para realizar os objetivos nacionais, realizar um projeto de país que não se confunde com uma conjuntura de mercado. Tem a ver com valores, tem a ver com a existência cotidiana das pessoas.
Nesse nosso programa e no nosso modo de governar, insistimos sempre em que se governa para pessoas. Há metas no governo. As metas serão explicitadas, dentro de poucos instantes, em algumas áreas. Teremos uma outra reunião de trabalho, na Granja do Torto, para discutirmos mais aprofundadamente as nossas metas. Mas, repito, governa-se para pessoas. Tenho certeza de que está na consciência de todos os senhores que o que queremos é melhorar a qualidade de vida da população brasileira. Esse é o nosso objetivo.
Os clássicos, e o vice-presidente Marco Maciel conhece bem a literatura de ciência política, se referiam à felicidade. Um dos deveres do governante é cuidar da felicidade dos povos. Evidentemente, essa dimensão subjetiva não pode ser expressa em termos de metas. E, talvez, seja um exagero, nos dias de hoje, imaginar que tenhamos a capacidade de aumentar a felicidade, no sentido subjetivo. Mas, o que eles queriam dizer, com isso, era o bem-estar, era a qualidade de vida.
A qualidade de vida implica, no nosso caso, um esforço continuado para diminuir as injustiças, se não pudermos acabar com elas; para melhorar a distribuição de renda, se não pudermos ter uma igualdade maior, de imediato, e, certamente, não podemos. São coisas muito concretas, que têm a ver com o emprego, com a renda, com o crescimento econômico. Essas questões são fundamentais. O povo espera de nós uma ação coordenada, para alcançarmos esses objetivos, que são simples, talvez, mas são os objetivos fundamentais.
Então, a minha primeira determinação ou, se quiserem, como é mais do meu estilo, recomendação, é no sentido de que, em cada ato de governo pensemos nas consequências desses atos sobre a vida das pessoas, sobre cada um dos brasileiros, sobre cada uma das brasileiras.
Obviamente, ao dizer isso, estou dizendo que num país como o nosso, que precisa aumentar muito o acesso da população aos serviços prestados pelo Estado a educação, a saúde, a cidadania, de uma forma muito concreta isso significa que a nossa preocupação com as áreas sociais há de ser permanente, há de ser constante, como foi até aqui.
Não é o momento de nós estarmos nos regozijando, mas de estarmos a apontar caminhos para o futuro. São caminhos de mais aspereza, talvez, de mais dificuldades mas, também, de mais coragem para enfrentá-las. Fizemos bastante na educação, na saúde, na reforma agrária, nos direitos humanos, na assistência social. Mudamos, na verdade, as estruturas do Estado, ou começamos a mudá-las, no sentido de atender as pessoas, de diminuir a burocracia, de ir eliminando o clientelismo, de ir eliminando a fisiologia, e de termos um sentido de políticas públicas, que dêem acesso, efetivamente, àqueles que mais precisam, no Brasil.
Não é fácil. Não é fácil porque, quem tem privilégio, disfarça o privilégio falando dos pobres. Na verdade, privilégios não são apenas os privilégios dos muito ricos. São privilégios que são encastelados, muitas vezes, na tradição da nossa cultura, e que atingem camadas que não são das mais ricas, mas que são resistentes às transformações. E nós precisamos fazê-las, para atender aos interesses da maioria.
Ao dizer isso e ao repetir, talvez, uma obviedade, mas que é importante, ao reiterar o compromisso nosso, do governo, meu, compromisso que é de vida, na verdade, no sentido da modificação, das reformas sociais, das transformações, não quero, em nenhum momento, minimizar a importância das questões econômicas, do crescimento econômico.
O Brasil todo está ansioso por taxas de crescimento mais elevadas. Se eu pudesse apertar um botão e obtê-las, eu apertaria. Todos nós e cada brasileiro apertaríamos. Só que isso requer muito esforço, esforço continuado.
Eu me recordo, nesta mesma sala, quando era líder do governo Tancredo Neves, que foi depois o governo Sarney, de um discurso, e muitos dos aqui presentes assistiram a esse discurso que fora feito pelo ex-presidente Tancredo Neves e lido pelo presidente Sarney, em que ele dizia uma frase que se repete na nossa história, talvez, infelizmente: "É proibido gastar mais do que se arrecada".
Infelizmente, nós continuamos a repetir essa frase. E nós a repetimos essa frase porque ela é essencial para a obtenção dos objetivos já mencionados, de melhoria de condição de vida da população.
Avançou-se muito. Eu me recordo, em outras ocasiões também, nesta mesma sala, das dificuldades imensas que tínhamos, porque o Brasil não tinha aquilo que, no mundo de hoje é essencial: credibilidade. Se nós fizemos alguma coisa, nós, brasileiros, por este país nos últimos anos -não me refiro apenas ao meu governo- foi ganhar outra vez credibilidade. O que se diz que se vai fazer há que se fazer.
Quando ministro da Fazenda, contra as expectativas de muita gente, apostei que o Brasil ia aceitar uma disciplina dura para a obtenção do Real. Naquele tempo, não se chamava sequer Real. O plano tinha o nome de FHC, porque as pessoas tinham medo de dar nome a planos de estabilidade, porque poderiam acarretar fracasso ou impopularidade.
Pois bem, a decisão tomada então foi no sentido de explicar ao povo item por item o que se faria, mesmo as coisas mais duras. Creio que esse deve ser o nosso estilo de governo. Deve continuar a ser assim. Explicar. Falar. Mas falar à população aquilo que foi, efetivamente, resolvido pelo governo. E não especular sobre o que ainda é idéia isolada de um ou de outro, ou de um técnico que, muitas vezes, tem o efeito contraproducente e sempre se atribui ao presidente da República aquilo que ele nem sequer sabe.
Peço, portanto, aos senhores ministros e aos senhores membros do governo que continuem na prática de falar, de explicar ao país. Mas de falar, quando falar em nome do governo, aquilo que o presidente tiver dito que é para falar. Senão, é melhor calar, porque muitas vezes confunde a população. Mas é preciso explicar. É preciso explicar. Foi com essa maneira de governar, de ser simples, direto, franco, que nós conseguimos chegar até aqui e reganhar credibilidade para o nosso país.
Esse é o valor maior de uma nação democrática que tem aspiração, como o Brasil tem, de se inserir nesse contexto de um mundo que é, cada vez mais, intercomunicado, obtendo respeito dos demais povos. E, para obter o respeito dos demais povos, é preciso, primeiro, obter o respeito do nosso próprio povo.
Ao invés da demagogia, da ameaça, da palavra impensada, mal usada, de um estilo antigo de ameaças que não podem nem se tornar realidade -porque são incompatíveis com os dias de hoje- é muito melhor a franqueza. Se possível a modéstia e a palavra serena, mas firme. Vamos ter que ser muito firmes. Temos que ser muito firmes porque, para alcançarmos o que mencionei de início, vamos precisar atravessar mais um ano de dificuldades no que diz respeito à conjuntura. E essas dificuldades serão vencidas.
A determinação minha e do governo, e tenho o apoio do povo, é de vencer as dificuldades. Não é de cruzar os braços diante delas, é de vencê-las. E, para vencê-las, temos que seguir adiante com as reformas, por mais que isso seja penoso. Agradeço uma vez mais ao Congresso Nacional, como sempre o fiz, que não nos tem faltado. Que o Congresso continue na senda das reformas. E, ainda agora, na convocação extraordinária, que avance mais, como fez o Senado ainda esta semana, aprovando a CPMF. E também na senda do ajuste fiscal.
Tenho certeza de que o Congresso Nacional não nos falhará, até porque faltam muito poucas decisões para que o conjunto de medidas propostas na direção do ajuste fiscal se complete. Muito poucas. A CPMF já foi aprovada em primeira votação -a decisiva no Senado- e irá para a Câmara. Algumas medidas serão aprovadas na próxima semana -foram medidas provisórias editadas pelo governo. Finalmente, o ajuste no que diz respeito à contribuição para a Previdência.
Alguns perguntarão por que o presidente e o governo insistem na contribuição para a Previdência. Por uma razão muito simples: queremos voltar a crescer com ímpeto, baixar as taxas de juros. Isso é um anseio absolutamente generalizado no país, e meu em primeiro lugar, porque a maior vítima da taxa de juros altos é o próprio governo, cujo déficit decorre basicamente do aumento das taxas de juros. Se nós tivermos um orçamento equilibrado, teremos condições de baixar as taxas de juros. Até agora, a dívida aumenta, mas não é paga em dinheiro, ela é paga em novos papéis. Chegou o momento em que nós temos que reduzir a velocidade do crescimento da dívida, pagando em dinheiro, porque, senão, não teremos condições de baixar as taxas de juros. É por isso que, apesar da dívida decorrer basicamente dos papéis da dívida pública, ou melhor, o déficit decorrer dos papéis da dívida pública, o remédio para o déficit é a redução do déficit fiscal, porque é uma interligação.
No déficit fiscal, quando se examina o que acontece no Brasil, vê-se que o governo não está gastando mais do que arrecada.
Geramos, no ano passado, um superávit primário, ou seja, sem juros. Alcançamos o objetivo. Custou, custou cortes. O ministro do Planejamento assente com a cabeça, que assim foi. Custou cortes penosos. Cortar hoje é cortar realmente na carne e não é mais na gordura. Mas objetivemos. Este ano, de 99, nós obteremos os R$ 28 bilhões programados, porque essa é a condição da nossa liberação dos juros elevados. É por isso que eu insisto tanto em repetir no Congresso certas votações.
Finalmente, o que eu quero dizer é que o déficit que conta no setor público é o da Previdência. E é o da Previdência pública. Na Previdência pública, se o dispêndio é de R$ 20 bilhões, R$ 21 bilhões, a contribuição dos funcionários é de R$ 2 bilhões. Logo, o resto do povo paga R$ 18 bilhões ou R$ 19 bilhões. A transferência é dos mais pobres, também, via imposto, imposto de consumo por exemplo ou IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), vários impostos, para 900 mil pessoas. Novecentas mil pessoas recebem ao redor de R$ 20 bilhões. Isso equivale à renda média dos países da Europa, da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), da União Européia, num país cujo salário mínimo é de R$ 130,00. Não é justo e, por não ser justo, é justo que se peça uma contribuição daqueles que estão recebendo esses benefícios. Por certo, não dos que ganham muito pouco, há de se isentar. Por certo, não dos muito idosos, há de se isentar. Não sou pessoa de ceder fácil. Que não se enganem e nem confundam o ser cordial com o não ser firme. Insistirei até conseguir que o país perceba que a justiça requer uma ação forte nessa matéria. Não uma ação atrabiliária, não taxas de sejam incompatíveis com a dignidade daqueles que merecem, por certo, um repouso condigno. Não se trata disso.
Mas são as poucas medidas que nos faltam, para que tenhamos o conjunto do ajuste fiscal aprovado no Congresso. O resto está nas nossas mãos -não nas minhas somente, nas mãos de cada um dos senhores- porque vamos utilizar o Orçamento com todo o rigor.
E aí entro na matéria para a qual gostaria, também, de chamar a atenção. Se é verdade, como pensam e creio que isso é o pensamento do governo. Nós aqui somos servidores do povo, servidores públicos. Quem é eleito é servidor por decisão do povo. É verdade que nós temos que olhar as pessoas, atender as crianças, os inválidos, as mulheres, os mais idosos, os que têm trabalho penoso, enfim, o conjunto daqueles que mais precisam. É verdade, também, que, para isso, temos que modificar as nossas instituições e mudar a nossa cultura de governo, as práticas de governo, as práticas de administração. Vamos ter que fazer o mesmo, ou mais, com menos recursos. O desafio, neste ano de 99, para este governo, não é o de não fazer o que a população precisa, é de fazer a despeito de que nós temos uma conjuntura que nos leva a uma certa restrição. E há possibilidade de fazer.
Os objetivos do programa "Avança Brasil" vão ser cumpridos, hão de ser cumpridos. Ou, pelo menos, vamos nos esforçar, enormemente, para que eles sejam cumpridos, apesar das restrições. Também vamos confiar. Vamos confiar que conseguiremos superar as dificuldades e retomar o crescimento. Vamos ter o segundo semestre melhor. Não acredito em projeções antes da hora. Não é obrigação nossa fazer projeções. A obrigação nossa é alterar as projeções quando elas vão para o lado negativo, é transformar as projeções em realizações positivas, efetivas. Não estamos aqui postos pelo povo simplesmente para cortar. Estamos para, tendo cortado, se for o caso, recursos, tendo conseguido, como conseguiremos baixar as taxas de juros, tendo conseguido retomar o crescimento sustentado, realizar um programa que atenda aos anseios do povo.
Quero terminar, para não usar a palavra além do limite do razoável, dizendo-lhes o seguinte: disse, no início, que uma das preocupações do bom governante, na literatura clássica, é o de contribuir para a felicidade do povo. Esse é o nosso desafio. Contribui para a felicidade do povo quem não mente ao povo. Contribui para a felicidade do povo quem diz o que é necessário fazer. Contribui quem apela, quando é necessário, para que haja uma cooperação mais ampla. Por isso mesmo, tenho apelado sempre às oposições, porque temos que contribuir para um clima de distensão e não para um clima de tensão dentro do nosso país.
Tratarei a oposição como sempre tratei, com respeito. Tratarei os meus aliados da mesma maneira, com respeito. Não é necessário outra atitude para que as coisas avancem. E apelo que haja reciprocidade. Tratarei os prefeitos, os governadores como sempre tratei, com respeito. Não admitirei que a lei não seja cumprida por quem quer que seja. A autoridade maior neste país é o presidente da República, que foi eleito e cumpre a lei. Todos hão de cumpri-la, custe o que custar.
Isso não é ameaça, não são atropelos. Isso é democracia. Há de se conversar, há de se dialogar, há de se ver o que é possível fazer, há de se buscar esse clima de ajuda mútua. Mas a ajuda mútua não pode existir senão quando há o respeito à lei, quando há o respeito à decisão tomada, à democracia, à autoridade, à disciplina, que são as condições necessárias para que o país continue avançando. E tenho muita convicção, mas muita mesmo. Já tenho experiência suficiente para que essa convicção não sejam meras palavras. Realmente, este país vai seguir aquilo que está escrito aqui. Vai avançar.
E espero dos senhores uma forte colaboração para que nós todos, juntos, possamos fazer o Brasil avançar mais.
Muito obrigado.



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