UOL

São Paulo, domingo, 09 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

O inimigo bem-vindo

As opiniões consideráveis sobre os motivos de Bush para atacar o Iraque conduzem, todas, aos interesses na riqueza petrolífera iraquiana. Antes mesmo de formulada, tal explicação estava fortalecida pela participação, em passado não muito distante, do próprio Bush e do núcleo duro do governo na propriedade de empresas americanas de petróleo. O petróleo tem ainda uma versão menos crua e mais pretensiosa, a das razões estratégicas, oscilando entre análises diferentes na forma e semelhantes na consistência duvidosa.
Mas por que a determinação quase repentina de fazer a guerra a qualquer custo, contra um país que há tão pouco tempo, assim como Cuba, não era considerado ameaçador, mesmo integrando o "eixo do mal" concebido por Bush?
Os interesses no petróleo explicam muito, mas são insuficientes para explicar a súbita transformação do Iraque em novo e urgente objetivo bélico.
Políticos pensam politicamente. E, nesse caso, pensar politicamente quer dizer pensar antes de tudo em si mesmo, no que mais lhe convém. Bush não é original em sentido algum. Tem feito um tipo de política até muito conhecido na América Latina, a velha modalidade dos que se fortaleciam propalando, como bravos defensores, ameaças terríveis do comunismo.
Em termos de política pessoal, a tragédia do 11 de setembro foi como um bilhete premiado para Bush. Até ali, seus oito meses de presidência estavam muito mal sucedidos. E as projeções não eram de melhoria do governo nem, muito menos, da imagem presidencial. Enquanto três mil morriam nas torres, porém, nascia um novo presidente dos Estados Unidos.
O investimento de Bush para se elevar à posição de líder nacional foi além do imaginável, no uso da comoção popular e da fragilidade circunstancial das instituições para resistir ao seu avanço acima de todos e de tudo. A oposição no Congresso aceitou emudecer, a imprensa incorporou-se à Casa Branca. Na história dos Estados Unidos não consta um presidente tão absolutamente sem contraste, o que não foi obtido nem por Roosevelt na grande união americana após o ataque japonês a Pearl Harbor. Um êxito sem igual em torno de uma só causa: Bush, o cruzado do Bem, vingaria o agravo à honra americana, exterminando Osama Bin Laden, o mensageiro do Mal, e com ele o terrorismo.
Acontece que Bin Laden não foi vencido. O governo e a imprensa americana precisaram encobrir com silêncio o assunto Afeganistão. Só por mínimas notícias se soube, por exemplo, que se deu agora em janeiro a maior batalha, desde o início das operações, entre as forças americanas e os remanescentes do Taleban. Só a originalidade permitiu-nos saber, no dia 23 de janeiro, como Bin Laden sumiu: seu telefone monitorado pelos americanos foi entregue a um companheiro, cujo grupo foi atacado e preso enquanto o chefe transpunha a formidável máquina "aliada" de guerra. Isso que soubemos há duas semanas, Bush e seus imediatos sabem há meses, porque o homem do telefone monitorado é um dos prisioneiros acorrentados na base americana de Guantânamo.
Em qualquer situação política, o insucesso da caça a Bin Laden e ao terrorismo ameaçaria arruinar o prestígio de Bush. O calendário traz, porém, um agravante: as eleições presidenciais americanas são no ano que vem. A sobrevivência de Bin Laden e os continuados alertas de perigos terroristas, nas cidades americanas, ofereceriam aos democratas um tema demolidor contra Bush, poderiam levá-lo à fácil desmoralização.
O governo americano não fala mais em Afeganistão nem em Bin Laden. A imprensa e a TV oferecem a sua colaborativa desinformação, que depois será explicada, como sempre, com as pretensas "razões de Estado" que servem a tudo. Mas a impossibilidade de falar no que se mostraria como insucesso precisava, com urgência, ser preenchida por algo também mobilizador. O Iraque passou a ser o combustível para manter a flama americana e seu efeito energizante no prestígio nacional, e portanto eleitoral, de George W. Bush. Ainda o cruzado do Bem, mas pastoreando os americanos, simultaneamente, tanto para a guerra, como para as urnas.



Texto Anterior: UDR afirma que governo é "parcial"
Próximo Texto: Governo x PT: Reforma é agrado ao mercado, diz Valente
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.