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JANIO DE FREITAS
O inimigo bem-vindo
As opiniões consideráveis sobre os motivos de Bush para
atacar o Iraque conduzem, todas,
aos interesses na riqueza petrolífera iraquiana. Antes mesmo de
formulada, tal explicação estava
fortalecida pela participação, em
passado não muito distante, do
próprio Bush e do núcleo duro do
governo na propriedade de empresas americanas de petróleo. O
petróleo tem ainda uma versão
menos crua e mais pretensiosa, a
das razões estratégicas, oscilando
entre análises diferentes na forma
e semelhantes na consistência duvidosa.
Mas por que a determinação
quase repentina de fazer a guerra
a qualquer custo, contra um país
que há tão pouco tempo, assim
como Cuba, não era considerado
ameaçador, mesmo integrando o
"eixo do mal" concebido por
Bush?
Os interesses no petróleo explicam muito, mas são insuficientes
para explicar a súbita transformação do Iraque em novo e urgente objetivo bélico.
Políticos pensam politicamente.
E, nesse caso, pensar politicamente quer dizer pensar antes de tudo
em si mesmo, no que mais lhe
convém. Bush não é original em
sentido algum. Tem feito um tipo
de política até muito conhecido
na América Latina, a velha modalidade dos que se fortaleciam
propalando, como bravos defensores, ameaças terríveis do comunismo.
Em termos de política pessoal, a
tragédia do 11 de setembro foi como um bilhete premiado para
Bush. Até ali, seus oito meses de
presidência estavam muito mal
sucedidos. E as projeções não
eram de melhoria do governo
nem, muito menos, da imagem
presidencial. Enquanto três mil
morriam nas torres, porém, nascia um novo presidente dos Estados Unidos.
O investimento de Bush para se
elevar à posição de líder nacional
foi além do imaginável, no uso da
comoção popular e da fragilidade
circunstancial das instituições para resistir ao seu avanço acima de
todos e de tudo. A oposição no
Congresso aceitou emudecer, a
imprensa incorporou-se à Casa
Branca. Na história dos Estados
Unidos não consta um presidente
tão absolutamente sem contraste,
o que não foi obtido nem por Roosevelt na grande união americana após o ataque japonês a Pearl
Harbor. Um êxito sem igual em
torno de uma só causa: Bush, o
cruzado do Bem, vingaria o agravo à honra americana, exterminando Osama Bin Laden, o mensageiro do Mal, e com ele o terrorismo.
Acontece que Bin Laden não foi
vencido. O governo e a imprensa
americana precisaram encobrir
com silêncio o assunto Afeganistão. Só por mínimas notícias se
soube, por exemplo, que se deu
agora em janeiro a maior batalha, desde o início das operações,
entre as forças americanas e os remanescentes do Taleban. Só a originalidade permitiu-nos saber,
no dia 23 de janeiro, como Bin
Laden sumiu: seu telefone monitorado pelos americanos foi entregue a um companheiro, cujo
grupo foi atacado e preso enquanto o chefe transpunha a formidável máquina "aliada" de
guerra. Isso que soubemos há
duas semanas, Bush e seus imediatos sabem há meses, porque o
homem do telefone monitorado é
um dos prisioneiros acorrentados
na base americana de Guantânamo.
Em qualquer situação política,
o insucesso da caça a Bin Laden e
ao terrorismo ameaçaria arruinar o prestígio de Bush. O calendário traz, porém, um agravante:
as eleições presidenciais americanas são no ano que vem. A sobrevivência de Bin Laden e os continuados alertas de perigos terroristas, nas cidades americanas, ofereceriam aos democratas um tema demolidor contra Bush, poderiam levá-lo à fácil desmoralização.
O governo americano não fala
mais em Afeganistão nem em Bin
Laden. A imprensa e a TV oferecem a sua colaborativa desinformação, que depois será explicada,
como sempre, com as pretensas
"razões de Estado" que servem a
tudo. Mas a impossibilidade de
falar no que se mostraria como
insucesso precisava, com urgência, ser preenchida por algo também mobilizador. O Iraque passou a ser o combustível para manter a flama americana e seu efeito
energizante no prestígio nacional, e portanto eleitoral, de George W. Bush. Ainda o cruzado do
Bem, mas pastoreando os americanos, simultaneamente, tanto
para a guerra, como para as urnas.
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