São Paulo, segunda-feira, 09 de fevereiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

D. WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO

"A fé como uma simples tradição entrou em colapso"

DA REDAÇÃO

Embora acredite no laço familiar da catequese, d. Walmor Oliveira de Azevedo, 49, novo arcebispo de Belo Horizonte, enxerga que é a conscientização -sustentada por um misto de fé e razão- que trará mais fiéis para a Igreja. A fé meramente tradicional, segundo ele, entrou em colapso.
D. Walmor foi um dos responsáveis pela tradução da Bíblia para o português, pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), e é identificado com o setor moderado do clero.
Em Belo Horizonte, ele deverá substituir o atual arcebispo, o cardeal Serafim Fernandes de Araújo, 78, que renunciou ao completar os 75 anos regulamentares.

Folha - É possível falar que, com a posse dos novos arcebispos, a Igreja encerra um ciclo de renovação?
D. Walmor Oliveira de Azevedo -
Sem dúvida, as substituições naturais que estão sendo feitas revelam um rosto novo para a Igreja, em função das respostas que a realidade, a vida e a própria Igreja pedem que sejam dadas.

Folha - Quais são essas respostas?
D. Walmor -
Elas estão inscritas nos quadros de rearticulações de dimensões muito fundamentais da vida. Nós estamos em um tempo em que, embora constatemos tantos progressos e tantas conquistas, a pobreza aumentou. Não temos conseguido soluções para problemas muitas vezes básicos.

Folha - Existe uma tendência nas populações mais carentes de optar por um outro tipo de Igreja, as neopentecostais. O senhor acredita que a Igreja Católica tenha de assumir uma postura mais combativa por causa dessa fuga de fiéis?
D. Walmor -
O que precisamos é dar respostas bem articuladas, de modo a olhar com sinceridade, com competência e com lucidez a realidade social, política e econômica. Creio que esse é o modo de a Igreja enfrentar o que as estatísticas mostram, não como quem quer meramente reconquistar para dizer que tem número.

Folha - O senhor crê em uma certa transformação da fé, deixando de ser algo meramente tradicional para outra, mais consolidada?
D. Walmor -
Nós estamos em um contexto sociocultural e religioso em que a superação de uma fé por simples tradição de fato entrou em colapso, podemos até dizer. Mas não quer dizer o fim da importância da dinâmica da tradição de pai para filho. Em uma sociedade moderna, a hegemonia da racionalidade abriu caminhos interessantes, entre eles o da conscientização. A conseqüência de assumir decisões é a de fazer opções com a consciência elaborada.

Folha - O governo Lula, sobretudo o programa Fome Zero, foi bastante criticado por figuras da Igreja Católica. Até que ponto a entrada de Patrus Ananias, historicamente ligado à Igreja, pode melhorar essa avaliação do governo?
D. Walmor -
Patrus Ananias é um ministro de grande competência. Isso é muito importante para que projetos na área social que estão sob sua responsabilidade possam de fato decolar. Penso que o governo neste primeiro ano com esse projeto Fome Zero encontrou dificuldades, pois muitas vezes a burocracia não conseguiu agilizar questões importantes. A Igreja, em função de sua presença em tantos lugares, tem grande contribuição a dar para esse projeto.

Folha - E como o senhor avalia a relação da Igreja com o governo?
D. Walmor -
A relação Igreja-governo é sempre importante, sobretudo no diálogo. Isso tem que ser feito de maneira nacional, com a CNBB. Nos Estados e nos municípios também. A Igreja deve participar dessa construção.

Folha - A Igreja acusou os laboratórios farmacêuticos de genocídio, por não baratearem medicamentos contra a Aids, mas ao mesmo tempo é contra o uso de preservativos e a distribuição de seringas descartáveis. Não é contraditório?
D. Walmor -
A Igreja quer salvar as populações e sabe que precisa batalhar e exigir que aqueles que têm o poder dêem as condições de promover essa melhora. Quando se fala da distribuição de preservativos, muitas vezes se pensa como resposta à necessidade imediata e se esquece da necessidade de se partir de princípios éticos. A crítica que o Vaticano faz da não-disponibilização de medicamentos é para dizer que princípios apenas burocráticos são insuficientes para superar epidemias.

Folha - Há dois anos, o noticiário sobre religião teve uma concentração de denúncias de pedofilia na Igreja Católica. Passado esse período, como a Igreja enfrenta assuntos polêmicos como esse?
D. Walmor -
A Igreja Católica, mesmo se na história tenha essa ou aquela falha, é especialista em humanidade. Embora com tanto alarde acerca do assunto, a Igreja, sabendo do problema, vai sempre trabalhar. A recomposição do humano é a coragem de tocar em suas próprias feridas. (MSS)

Texto Anterior: "Não concordo com com essa teologia da prosperidade"
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.