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São Paulo, domingo, 09 de março de 2003

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JANIO DE FREITAS

Uma outra guerra

A veloz visita do presidente colombiano, Alvaro Uribe, a Brasília prendeu-se a decisões polêmicas e de muito maior gravidade, para o Brasil, do que a pedida concordância brasileira com a denominação de terroristas para os guerrilheiros colombianos. A principal daquelas decisões é o já planejado aumento em grande escala da presença militar dos Estados Unidos na Colômbia.
Os governos dos Estados Unidos e da Colômbia preocupam-se com a posição que o Brasil possa tomar a respeito, influindo no restante do continente e em organismos internacionais. A disposição do governo Bush independe, como é de sua índole, da posição dos demais Estados americanos, talvez mesmo da Colômbia, mas a conveniência seria apresentar o Brasil como integrante, em alguma medida, das operações militares.
Daí as tantas referências de Uribe ao que seria, mas não é nem será, a equivalência das ameaças que os guerrilheiros ("terroristas", nas suas palavras) representam para Colômbia e Brasil, em relação ao regime constitucional de cada um dos dois países e à integridade biológica da Amazônia. As falas de Uribe pareciam ofertas de pretensos argumentos para o comprometimento brasileiro com a guerra interna colombiana.
O problema posto pela decisão americano-colombiana é complexo para o governo brasileiro. De uma parte, a relação de guerrilhas colombianas com o narcotráfico tem reflexos numerosos e graves no Brasil, nem é preciso citá-los. E os sucessivos governos da Colômbia têm fracassado, quando não são complacentes, no combate tanto aos guerrilheiros-traficantes como aos traficantes não guerrilheiros. De outra parte, a presença militar americana na Colômbia transgride os tratados e instituições que regulam as relações entre os Estados do continente.
Há duas semanas, o Brasil foi posto no alto da lista de países que abastecem os narcotraficantes com produtos químicos necessários à elaboração da cocaína. Já era parte dos preparativos para a cobrança do apoio brasileiro. Provas, não houve. Mas ficou ali o prenúncio das pressões e reações à posição que o Brasil tem mantido: a guerra colombiana ficará ao alcance da vista de brasileiros, mas do lado de lá da fronteira, sem admissão do lado de cá nem como foragidos.
As várias guerrilhas colombianas, tão férteis que as há inclusive de direita sob governo direitista, dominam mais de um terço do território do país. Uma delas, as Farc, sob o comando do lendário Tiro Fijo, é tão antiga que antecedeu até a guerrilha de Fidel Castro em Sierra Maestra. Sua penetração ao longo do país e nas cidades comprova-se a cada dia, em milhares de sequestros e incontáveis ataques. Como em outras de suas investidas, os militares americanos podem contar com resultados rápidos e fáceis que, no entanto, talvez não sejam uma coisa nem outra.
A hipótese de pleno êxito é, porém, considerável. Nesse caso, em vez do desgastante combate para valer ao tráfico no seu próprio país, o governo americano eliminaria o principal fornecedor da cocaína à vasta população composta por seus traficantes domésticos. Mas a Bolívia, o Peru e outros andinos também produzem cocaína. E enquanto existirem os grandes mercados haverá, é o que ensinam os fundamentos do capitalismo, empenho em abastecê-los. Se a doutrina colombiano-americana pegar, vários países vão viver episódios inesperados na América do Sul. Ou, afinal como dizia o romantismo, dois, três, quatro Vietnãs, por modestos que sejam.



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