São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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JANIO DE FREITAS

Cenas brasileiras


Em nome da segurança de privilegiados, milhares de favelados foram humilhados pelo espetáculo da insegurança

A CPI DOS CARTÕES , que não sai e quando sair não precisa de muito mais do que verificar registros contábeis, e a CPI das ONGs, que nem parece ter saído, recebem as atenções do noticiário, mas o importante começa a acontecer é na esquecida CPI dos Grampos.
A informação das empresas telefônicas de que fizeram, só em 2007, quase 410 mil escutas pedidas pela polícia e autorizadas por juízes é digna dos governos americanos e inglês, maníacos de terrorismo. A CPI vai fazer a confrontação daquele total com informações do Judiciário e das polícias sobre escutas. Daí tanto pode vir a descoberta de escutas com autorização indevida, falsa ou inexistente, revelando-se esquemas clandestinos muito perigosos, como a confirmação aproximada das informações oficiais. Seja isso ou aquilo, as evidências são de que algo muito grave ocorre no país.
Mas, para não faltar com as características mais tradicionais da nacionalidade, há também as gaiatices. Em breve a CPI poderá divulgar, por exemplo, o teor original obtido por um dos grampos legais. É o de grampeado que providencia a contratação de um grampo clandestino, por suspeitar de infidelidade da mulher. Foi a inovação tecnológica à brasileira: o grampo do grampo.

As "visitas"
A encenação da visita de Lula a favelas do Rio foi, pior do que deplorável, vergonhosa. O dispositivo policial-militar para a chegada de Lula às bordas das três favelas e para os comícios que ali fez, com trincheiras de sacos de areia, ninhos de metralhadoras, multidão de soldados e policiais acoitados por toda parte, eram cenas de guerra, cenas de um país à espera de uma invasão. E tudo isso apesar do noticiado acordo com os comandos das tropas de elite das favelas.
Que contribuição esse desatino pode trazer, se o propósito verdadeiro for a melhoria das condições perversas de moradia, e não os comícios com claques selecionadas e equipadas de faixas e cartazes pelos organizadores da encenação? O tempo, o número irrevelado de funcionários, policiais e militares ocupados por semanas para os comícios (até o general-chefe da Abin trabalhou em organização e inspeções locais) não tem só alto custo desviado dos cofres públicos para a propaganda política. Em nome da segurança de uns quantos privilegiados que podem desfrutar de dispositivos policiais-militares, os milhares de favelados decentes foram humilhados pelo espetáculo da insegurança de suas vidas em todos os sentidos. E o próprio Rio não ficou melhor, na encenação, do que os seus favelados.

Em tempo
A imprensa esteve muito prestigiada na recente sessão do Supremo Tribunal Federal, com numerosas referências a textos jornalísticos. Já a abertura da nervosa exposição do tributarista Ives Gandra Martins, dirigente de uma sociedade católica conservadora, foi dedicada à veemente contestação a quem, na imprensa, referiu-se à contraposição histórica de ciência e religião. O oposto de contraposição por parte da Igreja Católica, argumentou o líder da corrente contrária à pesquisa e tratamentos com células-tronco embrionárias, demonstra-se até em 29 prêmios Nobel que a Academia de Ciências do Vaticano tem.
Talvez em razão das tensões do momento, faltou um acréscimo de possível utilidade. A Academia do Vaticano não é "do" Vaticano em sentido literal, não sendo composta pelo clero. Integram-na cientistas e professores de diferentes ramos e países, cuja premissa para ser incluído na Academia de Ciências é o seu catolicismo.
Traço também comum e essencial, entrar e permanecer na Academia implica não admitir atividades e idéias, ainda que em nome da ciência e do saber, divergentes da doutrina do Vaticano. Preliminares que não impedem a presença de cientistas importantes, uma vez que nem toda prática científica conflita-se com a doutrina, sujeita a variações segundo as épocas, do Vaticano.


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