São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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Há exagero no uso da política, diz analista

Suposto favorecimento de entidades no Ministério do Trabalho constitui clientelismo, aponta estudioso

FERNANDO BARROS DE MELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

O cientista político Leôncio Martins Rodrigues, um dos maiores especialistas em sindicalismo no país, diz que a acusação de que o ministro Carlos Lupi (Trabalho) teria beneficiado entidades ligadas ao PDT, seu partido, "enquadra-se na prática clientelística de usar a administração pública para beneficiar parentes e seguidores". Para Leôncio, o método de preencher cargos com pessoas do partido "não é uma singularidade do PDT e do Brasil".  

FOLHA - Que análise o sr. faz do caso do ministro Carlos Lupi, que acumulou as funções de presidente do PDT e ministro do Trabalho? Houve também acusações de favorecimento de entidades ligadas ao PDT.
LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES
- Enquadra-se na prática clientelística brasileira de utilizar a administração pública para beneficiar parentes e seguidores. A conseqüência é um enfraquecimento da representação política e da democracia representativa. Essa prática é tanto maior quanto os partidos carecem de um perfil ideológico capaz de atrair adeptos e mobilizar militantes, os quais também não são desatentos a vantagens e benefícios materiais. Convém lembrar que a atividade política, para chefes e seguidores, é um modo de obtenção de vantagens pessoais, mesmo quando parecem movidos só pelo "interesse público".

FOLHA - É "natural" preencher cargos com gente do próprio partido?
LEÔNCIO
- Não é uma singularidade do PDT e do Brasil, deve-se dizer. É utilizado também em outros partidos e em legendas de outros países, mesmos nas democracias mais sólidas. Quando um partido, ou uma coligação deles, chega ao poder, os postos estratégicos são distribuídos aos amigos, aos partidários, aos parentes, aos financiadores de campanha.
Ninguém distribui cargos para os adversários. Mas, entre nós, parece haver um certo exagero na utilização da política e do Estado para subir na vida. Vem daí a ausência de uma administração pública mais profissionalizada, mais "republicana", como está na moda dizer.
Mas convém observar que as acusações ao ministro não se referiam apenas a uma política de clientelismo, mas à distribuição irregular de benefícios para entidades privadas.

FOLHA - Ele deveria continuar no governo, mesmo após as acusações dos recursos para as ONGs?
LEÔNCIO
- Em países em que há mais controle dos eleitores sobre os políticos, uma situação como essa levaria votos para os adversários. Assim, provavelmente, o ministro teria que abandonar o cargo. Mas o presidente Lula manteve, até quanto pôde, outros integrantes do governo acusados de conduta ilícita, então...

FOLHA - Lupi se queixou de ser "bombardeado" por pessoas que "odeiam o trabalhismo"...
LEÔNCIO
- Faz parte de uma tática política um pouco rústica de, em vez de provar inocência, acusar o interesse dos adversários em denegri-lo. Nisso, os acusados geralmente têm razão. É difícil que aliados fizessem as acusações. Outra técnica de defesa consiste em dizer que todo mundo faz a mesma coisa. Mas isso não significa, necessariamente, que não exista o ato ilícito.

FOLHA - Os repasses seriam
uma forma de cooptação?
LEÔNCIO
- Sim. A atividade política exige, sempre, recompensar os vários tipos de adeptos. Mas há um dos aspectos do atual governo que eu aprecio. O fato de ter feito com que, como nunca nesse país, se tornasse tão visível a ação política como uma disputa pela distribuição de cargos, ascensão social e enriquecimento.


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