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ELIO GASPARI
Quem persegue FFHH não investiga EJ
Richard Rovere foi um dos
maiores jornalistas políticos
americanos. Escreveu uma coluna sobre a vida em Washington
para a revista "The New Yorker"
de 1948 a 1979, quando morreu.
Foi grande pelo estilo, impondo-se um compromisso com a reflexão capaz de dar a um pequeno
artigo o peso de um piano. Contava que lera "Moby Dick" pulando
páginas e nunca terminara o
"Don Quixote". Um jornalista capaz de escrever que "em última
análise, não há última análise"
merece atenção.
Boa parte deste artigo será ocupada pela transcrição de escritos
de Rovere. Referem-se a um período da política americana e
analisam um personagem particular. Ambos serão identificados
mais adiante. Até lá, vai-se registrar a fala de Rovere, pelo que ela
tem de atual para o clima que se
está estabelecendo na política
brasileira.
Ele criou a expressão "múltipla
inverdade" (multiple untruth).
Definiu-a assim:
"A "múltipla inverdade" não
precisa ser uma grande falsidade.
Pode ser uma sucessão de inverdades tenuamente conexas, ou
uma única falsidade com muitas
facetas. Em qualquer caso, o conjunto se compõe de tantas partes
que uma pessoa interessada em
compor um registro fiel descobrirá que é impossível manter na cabeça todos os elementos da falsidade. Alguém poderá selecionar
umas poucas afirmações, provando-as falsas, mas, ao fazer isso,
dará a impressão de que só aquelas que selecionou são falsas, enquanto as demais são verdadeiras. Outra grande vantagem da
"múltipla inverdade" é que as afirmações provadamente falsas podem ser impunemente repetidas
porque ninguém vai lembrar
quais foram desmentidas e quais
não foram".
Desde o depoimento de Eduardo Jorge Caldas Pereira na subcomissão do Senado, o governo de
FFHH está sendo encurralado pela "múltipla inverdade". Há
abundância de partes: o juiz Lalau, o ex-senador Luiz Estevão, a
Incal, a promiscuidade do Planalto, o apartamento, as firmas, a
parentela, os telefonemas, automóveis e votos. Nessa história há
facetas verdadeiras. Luiz Estevão
é pelo menos mentiroso. Lalau é
ladrão. Há outras sem vestígio de
comprovação. (Que Eduardo Jorge tenha se beneficiado dos desvios de Lalau, por exemplo).
O ex-secretário-geral da Presidência depôs durante sete horas e
não deixou pergunta sem resposta. Provou que o senador Roberto
Requião o acusava de uma falsidade ao dizer que fizera um negócio com o Banco do Brasil.
Àquela hora essa informação estava honestamente desmentida.
Feita a contradita, o senador não
recuou. Disse-lhe que seu lugar
era a penitenciária, "atrás das
grades".
É o caso de voltar a Rovere. O
personagem que ele analisou disse a um general, veterano da Segunda Guerra:
"O senhor desonra esse uniforme. (...) O senhor não tem condições para ser um oficial. O senhor
é um ignorante."
Rovere analisou o comportamento do senador Joseph
McCarthy e suas denúncias de infiltração comunista no governo
americano. Apoiado por uma
"coligação dos ofendidos", estimulou "um clima no qual o dissenso tornou-se uma circunstância suspeita, exigindo explicação
ou justificativa".
Desde o depoimento de quinta-feira passada, é isso o que se está
fazendo. Criou-se uma situação
na qual não se separam mais as
acusações que Eduardo Jorge provou falsas e aquelas que podem
até ser verdadeiras (ainda que
nenhuma tenha sido provada).
Rovere escreveu o seguinte a
respeito de McCarthy: "Ele ultrajou o bom senso e sustentou que o
bom senso era um ultraje". Pois
parece ultrajante dizer que um
telefonema de dois minutos não
chega a ser uma conversação telefônica, como recomenda o bom
senso.
Há diferenças entre as acusações que se fazem a Eduardo Jorge e as que fazia o senador americano. No caso do ex-secretário de
FFHH, não há uma "sucessão de
inverdades tenuamente conexas,
ou uma única falsidade com muitas facetas". Há verdades e inverdades tenuamente desconexas.
Ele apoiou Luiz Estevão muito
antes do primeiro turno da eleição de 1998. Influiu no preenchimento de cargos nos fundos de
pensão e orientou algumas de
suas condutas. Alavancou empréstimos no BNDES. Disse aos
senadores que fez isso na qualidade de coordenador da campanha de FFHH, e até hoje ninguém
lhe perguntou o que uma coisa tinha a ver com a outra. São facetas verdadeiras da grande e sólida verdade do voluntarismo que
existiu (e existe) no Palácio do
Planalto. A falsidade de
McCarthy estava no conjunto da
obra e, sobretudo, no benefício
que a multiplicidade lhe dava.
A multiplicidade das acusações
feitas a Eduardo Jorge associou-se a uma tática de seus adversários na qual, em vez de fecharem
o foco, abrem-no. Em vez se de
provar a acusação de ontem, levanta-se uma nova. Desmentida
uma (como a do Banco do Brasil)
espera-se que ele vá para a penitenciária por conta da próxima.
O procurador Guilherme
Schelb, que investiga Eduardo
Jorge, disse o seguinte ao repórter
Abnor Gondim:
"Esperamos contar com o apoio
dos deputados para perseguir os
corruptos que ocupam cargos na
administração pública."
Erro. Voltando ao tempo de
McCarthy, outro jornalista (Edward Murrow) acusou-o de ter
cruzado "a linha fina que separa
a investigação da perseguição".
Os procuradores estão aí para investigar, não para esperar o apoio
dos deputados para "perseguir"
os corruptos. Já atravessaram essa linha faz tempo.
Eduardo Jorge e o governo precisam de mais investigação e de
menos perseguição. Bem investigados, não haverá motivos para
persegui-los.
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