São Paulo, domingo, 9 de agosto de 1998

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ELIO GASPARI

As Ametistas do doutor Joel Rennó estão atrasadas

Quem quiser saber como anda a administração do doutor Joel Rennó na Petrobrás, deve abrir um escritório em Nova York. Desde abril do ano passado, ele vem contratando unidades de perfuração para a província petrolífera do litoral de Campos, no Rio de Janeiro. Contratou seis, todas com a mesma empresa (Marítima), num negócio que deve passar de US$ 1,2 bilhão. Quando abriu a licitação para a primeira sonda, exigiu um prazo de 18 meses. Diversas empresas pediram mais tempo, pois não viam condições de cumprir o que se exigia. Não foram atendidas, porque com o doutor Rennó não se brinca: eram 18 meses ou nada. Por conta disso, e de algumas questões técnicas, o estaleiro dinamarquês Maersk saiu da competição.
Na primeira licitação, contrataram-se duas plataformas, chamadas de Ametista 2 e 3. Quando ficassem prontas, perfurariam a plataforma continental a profundidades de até 1.200 metros, ao custo de algo como US$ 100 mil por dia. Não havia quem acreditasse nos prazos. É provável que o próprio fornecedor também não acreditasse. Como com o doutor Rennó não se brinca e eram 18 meses ou nada, fingiu-se que assim seria.
Quando se chegou a novembro do ano passado, um diretor da PetroCaos era capaz de informar a um incauto que, por conta de mudanças nas especificações técnicas, talvez ocorresse um atraso de quatro meses.
Assinaram-se outros quatro contratos, sempre com prazos idênticos.
Ao mesmo incauto, outro diretor da PetroCaos era capaz de informar, na semana passada, que duas Ametistas estão atrasadas. Não chegarão em outubro, como manda o contrato. Talvez atrasem uns seis meses. Outras duas talvez sejam entregues no prazo e o par restante, que está sendo construído na Coréia, deve ser entregue no dia certo.
Beleza. Os concorrentes estavam reclamando, duas plataformas atrasarão apenas seis meses e as outras vão bem, obrigado. Tem gente que fala mal do doutor Rennó por implicância. Coisa de brasileiro, a herança ibérica do mexerico. Se no Brasil vigorassem os padrões culturais americanos, ele seria visto como um grande administrador.
Quis o destino que a Marítima tentasse colocar US$ 1 bilhão em papéis no mercado americano. Fez isso assessorada pela Salomon Smith Barney e produziu, como manda o figurino, um memorando de informações, documento confidencial com 125 páginas. Nele conta detalhadamente seus negócios e projetos.
Nos Estados Unidos, onde vigoram os padrões culturais americanos, pode-se ler, nesse documento, que "cada sonda será entregue à Petrobrás com aproximadamente 278 dias de atraso, na média". Por conta disso, a empresa informa que deverá pagar uma multa contratual de US$ 43,9 milhões: "Entretanto, a Petrobrás informou à companhia que sua política tem sido de negociar com os fornecedores a forma e o prazo das multas, de maneira a reduzir o seu impacto". Mais: "A Petrobrás confirmou que não há motivo para não se esperar que ela não seguirá a mesma política".
O atraso que a Petrobrás despista em Pindorama é perfeitamente quantificado em inglês. Quanto às multas, a coisa pode vir a ficar divertida.
Uma parte do atraso da Marítima deveu-se a uma mudança de especificações, determinada por petrotecas que resolveram aumentar a capacidade de perfuração das sondas, esticando-a para 1.500 metros. A Marítima topou mudar o projeto, mas a oposição de dois diretores da Petrobrás mandou a alteração para a geladeira. Se isso não tivesse acontecido, estaria mantida a tradição, segundo a qual a PetroCaos abre concorrência para comprar quatro pneus e acaba comprando um BMW. Mudado, o contrato teria novos prazos e o item aluguel das Ametistas 2 e 3 passaria de US$ 84 mil para US$ 124 mil.
O atraso das sondas criou um problema para as metas de produção de petróleo. Para contorná-lo, o doutor Rennó licitou o aluguel de um navio. A Odebrecht ganhou a concorrência, com o navio Valentin Shashin. A Marítima concorreu com a unidade Cannar Explorer III e tirou segundo lugar, porque ele precisa ser adaptado. Pois a PetroCaos está estudando a contratação adicional do vice-campeão. Que tal chamar Zagallo?
É sabido que o mercado internacional de sondas de alto mar está excitado e quase todos os fornecedores vêm atrasando, com estouros bem menores que o das Ametistas. É provável que o melhor para a Petrobrás seja operar com unidades que vão a 1.500 metros, sobretudo depois das descobertas do campo de Roncador. É possível até que o doutor Rennó seja um gênio.
Ficam duas perguntas: Por que ele bateu pé no prazo de 180 dias? Por que não aceitou a ponderação dos fornecedores concorrentes que pediram sua ampliação, pois o julgavam irreal?

Um grande filme
Estão no Brasil as cópias de um filme maravilhoso. É o documentário "O Longo Caminho para Casa". O pior que se pode dizer dele é que ganhou o Oscar da Categoria.
Trata-se da história dos judeus, a partir do momento em que as tropas aliadas chegaram aos campos de concentração, até o momento em que eles desembarcaram em Israel. Quem acha que sabe alguma coisa sobre a história, as emoções e a grandeza da luta dessa geração terá uma doce lição de humildade. Descobrirá que pouco sabia (o que pode até não ter importância) e nada sentia (o que lhe dará a graça de compartilhar gloriosas emoções).
É daqueles filmes em que as lágrimas descem pelo que há de bom no gênero humano.
Corre o risco de cair no modesto circuito dos documentários, mas, quem o achar, deve pensar em vê-lo.

Voto de humor
Tudo indica que a disputa mais emocionante da eleição de outubro será a paulista. Os quatro candidatos têm chances de vitória. A grande surpresa vem sendo a atolagem do governador licenciado Mário Covas, que não consegue sair do terceiro lugar.
Está acontecendo um fenômeno surpreendente. Covas conseguiu resultados financeiros que poucos governadores alcançaram. Zerou o déficit e cortou gastos como ninguém. Passou a faca até na publicidade que lhe poderia alavancar a reeleição. Qual é o problema de Covas?
Para muita gente é o mau humor.
Aí a coisa fica feia. Admita-se que Covas não é apenas mal-humorado, que seja intratável. Mas ele é candidato a quê? Se for candidato a genro, deve ser fervido em óleo. Se é candidato a sentar ao lado de um sujeito numa viagem de dez horas, deve ser atirado pela janela. Quem votar em Covas não ficará obrigado sequer a comer uma pizza em sua companhia. Sendo candidato ao governo de São Paulo, que importância tem o humor? Pode-se votar ou deixar de votar nele por milhões de motivos. Só não vale dizer que não se pode votar nele porque é mal-humorado. Nesse caso, condicionando-se a escolha à simpatia do candidato, pratica-se uma nova modalidade de voto: o mal-humorado.

Não existe almoço (nem grande idéia) grátis
O leitor Mário Innocentini esclarece: a famosa frase "não existe almoço grátis", que popularizou a fama do economista americano Milton Friedman, prêmio Nobel de 1976, não é dele. Como simples frase, é do economista alemão Gustav von Schmoller. Como metáfora econômica, é do italiano Vilfredo Pareto (1848-1923).
Innocentini demonstra que a primeira referência a essa frase é de um artigo sobre Pareto, publicado em 1938. Dez anos mais tarde, o episódio no qual ela surgiu foi contado na biografia de Pareto, escrita por Paola Maria Arcari.
Pareto e Schmoller estavam num congresso, em Berna. Encerrados os trabalhos da manhã, Pareto queria almoçar e perguntou ao colega se sabia onde podia achar "um restaurante onde não se pagasse". Schmoller achou que não tinha entendido direito e indicou-lhe um lugar onde podia comer a preços razoáveis.
-Não, eu procuro um restaurante onde não se pague -, insistiu Pareto.
-Mas isso não existe!
-Pois então, aí está uma lei universal da economia política -, concluiu Pareto.
Tendo lido (ou não) o diálogo de Pareto com Schmoller, Friedman publicou a frase como sua, numa coluna que escrevia para a revista "Newsweek". Ela fez sucesso e acabou se tornando título de uma coletânea desses artigos. Friedman pode ter chegado à frase pela própria experiência (seu primeiro emprego, num restaurante, era pago em pratos de comida). Nesse caso, teve uma boa idéia, mas ela não era original. Pode também ter ecoado a frase de Pareto sem se preocupar com o crédito, já que estava lidando com um texto jornalístico, submetido a regras mais suaves que aquelas exigidas nos trabalhos acadêmicos.

Um senador que cuida dos livros e da Viúva
Falta pouco para que seja aprovado pelo Senado um projeto do senador Lúcio Alcântara dando a bibliotecas públicas o direito de comprar livros técnicos no exterior sem passar pela burocracia das licitações.
Atualmente essas bibliotecas compram seus livros por meio de um processo anacrônico, semimonopolítico e lesivo aos seus cofres públicos. Livros que podem ser comprados com desconto pela Internet acabam custando o dobro e levam até seis meses para chegar aos destinatários.
Como os políticos brasileiros são observados pelas lentes viciadas das práticas de Brasília, personagens como Lúcio Alcântara correm o risco de passar despercebidos fora do cenário de seus Estados (o Ceará, no caso). Deve-se a ele a existência da Fundação Waldemar Alcântara. Saber o que ela faz chega a ser um prazer.
Nunca recebeu um ceitil da Viúva para despesas de manutenção. Funciona numa casa da família Alcântara e é ela quem paga sua rotina. Com o apoio e recursos do CNPq, a fundação está editando uma "Biblioteca Básica Cearense". São clássicos da história do Estado e já saíram 11 títulos. São pequenas tiragens, destinadas ao circuito nacional de bibliotecas. Resgatam as obras de grandes intelectuais como Rodolpho Theophilo, Thomaz Pompeo e o barão de Studart.
Meio século de predominância cultural da região Sul produziu uma injustificada desvalorização de um lote de grandes intelectuais nordestinos do final do século passado. Theophilo, Pompeo e Studart escreveram livros magníficos sobre a seca, o clima e a saúde de seu povo. Por esquecê-los, continua-se discutindo assuntos que ele já trataram, há um século. E o fizeram de forma bem mais inteligente do que se faz hoje.
Theophilo, farmacêutico baiano, personagem de filme, erradicou o cólera de Fortaleza no início do século, é um grande exemplo dessa grandeza esquecida. Foi o autor do primeiro romance sobre a seca. Lendo-se os sucessores, encontram-se aqui e ali cenas que saíram de sua obra ("A Fome").

P$DB
Quem entende do assunto, assegura: o que menos está faltando na campanha de FFHH é dinheiro. O que há é um receio temporário de alguns doadores, que prefeririam ficar no anonimato.

Um telejogo
A privatização da rede denominada Tele Norte Leste está numa encruzilhada. Em menos de três meses se saberá o caminho que tomou. Na pior das hipóteses, poderá se transformar na inédita figura do concessionário privado com financiamento público e gestão semi-estatal.
A nova concessionária é privada, chama-se Telemar, mas o BNDES tem 25% de suas ações e, com isso, tem poder de veto no pedaço. Seu novo presidente será Geraldo Araújo, um quadro técnico saído da Telemig. Um dos diretores, Ercio Zilli, igualmente técnico, é assessor do ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, e foi por ele indicado.
Nessa linha, foi-se privatizar a Telerj e, quando a brincadeira terminou, os serviços telefônicos de metade da população brasileira (86 milhões de pessoas) ficaram sob o telecontrole estatal, tendo aumentado a sua área de má influência do Rio à fronteira com a Venezuela.
Na melhor das hipóteses, nada disso acontece. Antes do fim do ano, uma operadora internacional entra no circuito, compra uma parte da empresa e assume a gestão do negócio. Hoje, as operadoras com mais chances são a Bell South e a SBC (Southwestern Bell), ambas americanas.
Está em jogo uma rede de telefonia que poderá vir a se transformar na maior empresa do país. É uma pena que a qualidade dos seu serviços esteja dependendo do resultado desse telejogo.



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