São Paulo, segunda-feira, 09 de setembro de 2002

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CAMPANHA DE RUA

Na disputa para pregar faixas nas ruas, equipes de candidatos se enfrentam fisicamente e usam até armas na madrugada

Briga suja

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A disputa entre políticos na televisão e no rádio é "light" perto do que ocorre nas ruas, na madrugada, quando funcionários de candidatos saem para pregar propaganda em postes e viadutos. Por um ponto de boa visibilidade, equipes chegam a se enfrentar fisicamente e muitas usam armas para intimidar os concorrentes.
Na calada da noite, não há muito pudor em colocar banners (aquele cartaz de plástico que tomou os postes de São Paulo) em cima da propaganda de colegas de partido ou de rasgar e arrancar faixas de parceiros políticos.
"Faixeiros" -como são conhecidos os rapazes que pregam faixas e banners- normalmente saem dos comitês com uma listinha na mão: pode colocar em cima de fulano, de beltrano não, de ciclano nem pensar. Há a turma mais "ética", que evita danificar o material dos concorrentes e procura espaços ainda não ocupados nas ruas, e a do "vale-tudo", que chega a ter um funcionário só para arrancar propaganda alheia.
As maiores confusões costumam ocorrer nos viadutos, pontos mais disputados. Os candidatos que conseguem um espaço para pôr uma faixa numa ponte têm de colocar funcionários para tomar conta da propaganda. Os políticos deixam um "guarda de faixa" durante o dia e dois à noite.
E quando alguém tenta tirar a faixa, é difícil evitar o confronto. "É o nosso ganha pão. Se a faixa for arrancada, perdemos o emprego", disse G., 18, que cuida da propaganda de um candidato do em uma passarela da 23 de Maio.
Na ponte das Bandeiras, na marginal Tietê, houve até tiro em uma briga entre guardas de faixas e faixeiros adversários. A bala não acertou ninguém, mas todos saíram feridos da luta. Supervisores, chamados para resolver a situação, decidiram não registrar boletim de ocorrência. Evitar o BO, aliás, é procedimento comum. É uma maneira de preservar o nome do candidato. Além disso, muitas vezes há, entre os envolvidos nas brigas, pessoas que não têm currículo do mais "exemplar" e até policiais fazendo bico.
Nas marginas e principais avenidas de São Paulo, o clima da noite é tenso e, mesmo com a dificuldade para arrumar emprego, muitos seguranças de faixa acabam desistindo da função após algumas madrugadas de trabalho. V., 25, pedreiro, sem emprego há dois anos, conseguiu uma "vaga" em um viaduto da 23 de Maio porque três rapazes, desempregados como ele, haviam desistido depois de se envolver em uma briga com três faixeiros, há um mês.
V. acabou assumindo a responsabilidade por sete faixas, de três candidatos a deputado. Ele fica em um local distante de qualquer estabelecimento comercial, onde não há nem banheiro por perto, de segunda à segunda, das 18h às 8h. Nessas 14 horas, às vezes se levanta do banquinho de madeira improvisado e caminha pela ponte "para ver o movimento dos carros" lá em baixo. Juntando o pagamento dos três candidatos, recebe cerca de R$ 250 por semana.
"Dá um certo medo trabalhar por aqui. Naquela briga, todo mundo saiu com sangue na cara. E agora mesmo, houve um roubo de carro aqui perto, uns policiais passaram atrás do bandido e acharam que fosse eu. Tomei umas coronhadas", disse V.

Fotografou?
Muitas vezes, para resolver um impasse criado nas ruas, é preciso que haja negociação entre os comitês dos candidatos. Foi o que aconteceu em uma disputa por espaço na ponte Roberto R. Zuccolo (antiga Cidade Jardim), na marginal Pinheiros, há um mês.
Às 3h, faixeiros de Zé Índio (candidato a deputado federal pelo PMDB) disseram a guardas da propaganda de Jooji Hato (candidato a estadual pelo mesmo partido) que teriam de trocar as faixas. Colocaram a de Zé Índio no lugar da de Jooji, que foi levada por eles.
Os seguranças do candidato a estadual avisaram o comitê, que entrou em contato com o de Zé Índio. Para provar que a faixa de Jooji já estava antes no viaduto, sua equipe usou uma "arma" comum nessa disputa: mostrou uma foto da publicidade no local, com data. A faixa de Jooji foi devolvida e recolocada na ponte.
O recurso da "prova fotográfica" foi útil há duas semanas, quando houve uma ventania em SP. O vento arrancou faixas, que foram substituídas por outras, de políticos diferentes. E, quando se trata de pontes, a regra é clara: quem chega primeiro é dono do pedaço. Houve muita discussão resolvida com as fotografias.
As fotos também são utilizadas nos pontos em que os candidatos só deixam a faixa de dia. Quando escurece, o guarda recolhe o material e só recoloca no dia seguinte. Se o espaço for preenchido à noite, recorre-se à fotografia para convencer o adversário.
Os faixeiros também usam fotografias para provar a seus fiscais que o serviço está sendo feito. É comum que uma equipe coloque banners em todos os pontes de uma avenida e, no dia seguinte, tudo tenha sido retirado ou encoberto por qualquer outro candidato. Porque, no jogo político da política da escuridão, os aliados podem ser rivais. E vice-versa.



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