São Paulo, segunda-feira, 09 de setembro de 2002

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POLÍTICA DA IMAGEM

RENATA LO PRETE

A vida como ela é nos debates

Avesso a contrariar autoridades, Silvio Santos propôs que fossem vetadas críticas ao governo e a FHC em seu programa com os presidenciáveis no próximo domingo. Não surpreende que a regra, inédita em eventos do gênero, tenha sido rejeitada pelos três candidatos de oposição.
Não se sabe se o dono do SBT agiu baseado apenas em suas preocupações ou se foi estimulado a tomar um rumo que acabou por inviabilizar o encontro.
O cancelamento foi anunciado três dias depois do debate na Record, no qual Ciro Gomes e José Serra bateram boca e o último foi continuamente associado a insucessos, reais e supostos, da administração da qual é candidato.
Na esteira desse programa, alguns tucanos começaram a defender a tese de que Serra só tem a perder participando de debates. O desgaste, acreditam, seria maior do que o de não comparecer.
Na sexta-feira, um dia depois do anúncio do SBT, começou a circular a informação de que a Globo estaria pensando em desistir de seu debate, o último antes do primeiro turno da eleição.
A direção da Central Globo de Jornalismo, no entanto, afirma que não há hipótese de cancelamento do evento de 3 de outubro, e que a cadeira de um eventual ausente ficará vazia no estúdio.
São duas as principais queixas de tucanos e simpatizantes em relação ao debate da Record.
A primeira é a de que Serra foi vítima de ação conjunta. Os adversários levantaram bolas uns para os outros com o propósito de atingir o governo e seu candidato.
Para começar, vítima não é termo adequado. Em todo debate com mais de dois participantes há alianças para atingir objetivos comuns. A vida é assim.
Serra apanhou menos no confronto da Bandeirantes não porque lá o conjunto das regras fosse melhor, mas porque, então próximo à lanterna nas pesquisas, representava menos ameaça.
Quanto às críticas ao governo, é tão legítimo a oposição lançar mão desse recurso quanto Serra cobrar de Lula as votações do PT no Congresso -vale observar que o tucano, nas respostas interessado apenas em "discutir o futuro", nas perguntas não esquece o passado dos adversários.
A segunda queixa é a de que a mediação de Boris Casoy permitiu que o debate descambasse para a troca de insultos.
Sempre poderá haver aperfeiçoamento das regras. Ocorreram incoerências na concessão e no exercício do direito de resposta, assim como na Bandeirantes houve o esdrúxulo procedimento de jornalista fazer pergunta sem saber a que candidato se dirigia.
Mas é falacioso clamar por um evento em que candidatos bem-comportados discorram sobre programas de governo. Isso não existe. Quem compara o debate da semana passada desfavoravelmente aos norte-americanos ignora ou finge ignorar que lá, como cá, as discussões costumam se resumir a meia dúzia de bordões.
Debates reforçam convicções do eleitor. Mais raramente as desfazem. Podem influir na agenda da campanha (como Serra conseguiu ao lançar, na Bandeirantes, a ofensiva "pega na mentira" contra Ciro). Nem de longe sua prioridade é discutir programas.
Debates dizem respeito à imagem que os candidatos conseguem projetar, e isso não se faz apenas no ataque, mas também na defesa (que o diga Ciro Gomes, que deve parte da encrenca em que está metido ao fato de ter demorado para responder a Serra).
Quem aconselha o tucano a não ir a debates deveria saber que no processo de decisão o eleitor também leva em conta como o candidato reage sob pressão.


A repórter RENATA LO PRETE escreve às segundas-feiras nesta coluna


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