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POLÍTICA DA IMAGEM
RENATA LO PRETE
A vida como ela é nos debates
Avesso a contrariar autoridades, Silvio Santos propôs que
fossem vetadas críticas ao governo e a FHC em seu programa com
os presidenciáveis no próximo domingo. Não surpreende que a regra, inédita em eventos do gênero,
tenha sido rejeitada pelos três
candidatos de oposição.
Não se sabe se o dono do SBT
agiu baseado apenas em suas
preocupações ou se foi estimulado
a tomar um rumo que acabou por
inviabilizar o encontro.
O cancelamento foi anunciado
três dias depois do debate na Record, no qual Ciro Gomes e José
Serra bateram boca e o último foi
continuamente associado a insucessos, reais e supostos, da administração da qual é candidato.
Na esteira desse programa, alguns tucanos começaram a defender a tese de que Serra só tem a
perder participando de debates. O
desgaste, acreditam, seria maior
do que o de não comparecer.
Na sexta-feira, um dia depois
do anúncio do SBT, começou a
circular a informação de que a
Globo estaria pensando em desistir de seu debate, o último antes
do primeiro turno da eleição.
A direção da Central Globo de
Jornalismo, no entanto, afirma
que não há hipótese de cancelamento do evento de 3 de outubro,
e que a cadeira de um eventual
ausente ficará vazia no estúdio.
São duas as principais queixas
de tucanos e simpatizantes em relação ao debate da Record.
A primeira é a de que Serra foi
vítima de ação conjunta. Os adversários levantaram bolas uns
para os outros com o propósito de
atingir o governo e seu candidato.
Para começar, vítima não é termo adequado. Em todo debate
com mais de dois participantes há
alianças para atingir objetivos comuns. A vida é assim.
Serra apanhou menos no confronto da Bandeirantes não porque lá o conjunto das regras fosse
melhor, mas porque, então próximo à lanterna nas pesquisas, representava menos ameaça.
Quanto às críticas ao governo, é
tão legítimo a oposição lançar
mão desse recurso quanto Serra
cobrar de Lula as votações do PT
no Congresso -vale observar que
o tucano, nas respostas interessado apenas em "discutir o futuro",
nas perguntas não esquece o passado dos adversários.
A segunda queixa é a de que a
mediação de Boris Casoy permitiu que o debate descambasse para a troca de insultos.
Sempre poderá haver aperfeiçoamento das regras. Ocorreram
incoerências na concessão e no
exercício do direito de resposta,
assim como na Bandeirantes
houve o esdrúxulo procedimento
de jornalista fazer pergunta sem
saber a que candidato se dirigia.
Mas é falacioso clamar por um
evento em que candidatos bem-comportados discorram sobre
programas de governo. Isso não
existe. Quem compara o debate
da semana passada desfavoravelmente aos norte-americanos ignora ou finge ignorar que lá, como cá, as discussões costumam se
resumir a meia dúzia de bordões.
Debates reforçam convicções do
eleitor. Mais raramente as desfazem. Podem influir na agenda da
campanha (como Serra conseguiu ao lançar, na Bandeirantes,
a ofensiva "pega na mentira"
contra Ciro). Nem de longe sua
prioridade é discutir programas.
Debates dizem respeito à imagem que os candidatos conseguem projetar, e isso não se faz
apenas no ataque, mas também
na defesa (que o diga Ciro Gomes,
que deve parte da encrenca em
que está metido ao fato de ter demorado para responder a Serra).
Quem aconselha o tucano a não
ir a debates deveria saber que no
processo de decisão o eleitor também leva em conta como o candidato reage sob pressão.
A repórter RENATA LO PRETE escreve
às segundas-feiras nesta coluna
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