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JANIO DE FREITAS
O que a
Bahia tem
Só na aparência situam-se em extremos opostos os
protestos que, a começar da segunda-feira passada, paralisaram ininterruptamente grande
parte de Salvador e, de outra
parte, a atitude cautelosa dos
governantes baianos e dos comandos locais do Exército e da
Marinha, que chegaram à impensável interrupção do desfile
da Independência "por falta
absoluta de segurança", sob o
assédio iminente dos manifestantes.
Outra aparência enganosa
do episódio é a de que reflita algo próprio de Salvador.
O fato de que estudantes tenham iniciado e se posto à
frente dos protestos, contra aumento das passagens de ônibus
de R$ 1,30 para R$ 1,50, não
significa que toda a semana de
manifestações paralisantes seja
obra do movimento estudantil,
como o noticiário comum faria
crer. É muito duvidoso que
apenas R$ 0,20 de aumento levassem a tanto, ainda mais depois que o prefeito Antonio Imbassahy propôs compensações
mais do que satisfatórias para
os estudantes, e as manifestações de massa não cessaram.
Fotos e vídeos, por mais parcimonioso que tenha sido o seu
uso na mídia em geral e TV em
particular, exibem nas paralisações do trânsito urbano uma
vasta massa cujas características não se confunde com a de
estudantes, cujo presença não
era, também, menos identificável. Em muitos dos cenários
que foram exibidos, a maioria
representava, sem dúvida, a
parte da população que faz da
bela Salvador uma das cidades
com maior concentração de
pobreza, desemprego ou subemprego e, claro, um dos pólos de injustiça social mais clamorosos. Até pelo convívio direto, como no Rio senão ainda
mais, da pujança e da carência.
Mas, nas condições gerais,
Salvador não é caso único. Não
é só desta cidade que fala o seu
arcebispo e presidente da
CNBB, d. Geraldo Majella, que
"uma panela de pressão está
prestes a explodir", o que "os
conflitos sociais registrados ultimamente demonstram".
Conflitos que estão muito além
das ruas de Salvador, estão no
meio rural, estão na criminalidade urbana, na crescente interferência de desordeiros de
todos os graus na vida das cidades.
As relações entre CNBB e governo Lula estão ásperas, para
não dizer mais. Só a polícia e os
médicos do serviço público, suponho, conhecem tão bem a
realidade dos marginalizados
quanto os religiosos voltados
para questões sociais. Daí a
acusação, nas palavras de d.
Aloísio Lorscheider, arcebispo
de Aparecida, à "falta de políticas geradoras de trabalho e
renda e de promoção da vida".
A inquietação da CNBB aumenta por reflexo. E o governo
tem preferido ouvir mal e reagir pior.
Quando da eleição de Franco
Montoro, Leonel Brizola e
Tancredo Neves para os governos de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, no ocaso,
mas ainda em vida do regime
militar, pesadas agitações se
multiplicaram em diferentes
cidades, criando uma situação
que já escapava ao controle dos
governadores. Constatou-se,
depois, que eram criadas por
uns poucos agentes do SNI
(Serviço Nacional de Informações) e outros ramais da linha
dura. Eram suficientes, com
um simples ato de desordem
em praça pública, para fazer
explodir a insatisfação acumulada pela população desfavorecida, com os anos de agravamento socioeconômico.
Sem a figura dos agentes provocadores, mas com insatisfação popular semelhante, Salvador faz lembrar o passado e adverte para o futuro. Ou para o
presente, mesmo. Pelo que tem
de comum com a vida e o sentimento da população pelo país
afora.
E adverte ainda porque, lá,
autoridades do governo e comandos militares vêm demonstrando (pelo menos até a
hora em que escrevo) maturidade e compreensão incomuns
com o problema, evitando que
suas atitudes se transformem
em pólvora. Se os acontecimentos não servirem para mais nada, que sirvam ao menos para
a possibilidade, também rara,
de saudar a atitude do poder
civil e do comando militar. De
Salvador e do Estado.
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