São Paulo, segunda-feira, 09 de outubro de 2000

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MISÉRIA
Pesquisa diz que 35% da população não tem condições básicas de vida

Pobreza volta a crescer no segundo mandato de FHC

ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A pobreza voltou a crescer no país no primeiro ano do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 1999, mais 3,1 milhões de brasileiros passaram a não ter renda suficiente para comer, vestir-se e cuidar da saúde e da educação.
Segundo pesquisa de Sônia Rocha, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão ligado ao Ministério do Planejamento, havia, em 1998, 33,4% da população brasileira vivendo na pobreza. No ano passado, o percentual de pobres subiu para 34,9%, um total de 54,1 milhões de brasileiros.
Desde 1996, a porcentagem de pobres não crescia no país.
Na série de levantamentos sobre a pobreza elaborada por Rocha, esse é o pior resultado do governo Fernando Henrique Cardoso, não apenas em números absolutos, mas em porcentagem da população.
A pobreza só foi maior em 1993, ano em que atingia 44,1% da população (cerca de 62,4 milhões de pessoas).
A crise cambial de 1999 e as políticas sociais colocadas em prática não permitiram que FHC, após a reeleição, cumprisse a principal bandeira levantada na campanha.
"A luta contra a fome e a miséria é a razão maior do programa. Todo o restante (estabilidade, crescer e gerar emprego, radicalizar a democracia e indicar a co-responsabilidade da sociedade) só se justifica por este objetivo maior", diz extrato do programa de governo apresentado na época da campanha pela reeleição.

Menos indigentes
Mas o resultado da crise de 1999 poderia ter sido pior, afirma a pesquisadora do Ipea. Embora a pobreza tenha crescido, a indigência diminuiu. Em 1998, 13,9 milhões de brasileiros -9% da população- não tinham renda nem para uma alimentação decente. No ano passado, esse número caiu para 13,6 milhões -8,7% da população.
A velocidade da redução da miséria absoluta, no entanto, não é o suficiente para FHC cumprir a principal promessa relativa à redução de pobreza: ""resgatar" mais de 5 milhões de famílias da indigência.
A meta aparece com destaque programa de governo do então presidente-candidato, chamado "Avança Brasil".
Pelas contas de Sônia Rocha, FHC prometeu salvar mais miseráveis do que os que existem no país. Os dados da pesquisadora mostram que havia em 1998 cerca de 4 milhões de famílias indigentes no Brasil. O governo trabalha com outros números de indigência, cerca de 6,1 milhões de famílias. Segundo números do IBGE, cada família brasileira tem, em média, 3,5 componentes.
"Eu acho que o presidente quis dizer que resgataria da indigência 5 milhões de pessoas", comentou Sônia Rocha.

Efeito real
Tirar da miséria 5 milhões de pessoas até dezembro de 2002 também é considerado improvável pela pesquisadora. "O fim da inflação permitiu a redução dos índices de miséria no país, e isso não se repete", afirma a pesquisadora.
Segundo ela, a redução da indigência e da pobreza vai acontecer num ritmo mais lento nos próximos anos de governo FHC.
Foi em 1995, ano seguinte ao lançamento do plano de estabilização, que a pobreza mais caiu. Ficou em 33,2% da população, graças ao controle da inflação e também a um aumento mais efetivo do salário mínimo.
Em 1996, voltou a crescer discretamente, para cair mais uma vez em 1998. De 1993 (não existem dados sobre pobreza para o Brasil em 1994) a 1998, saíram da indigência cerca de 8 milhões de pessoas (2,28 milhões de famílias), segundo os dados do Ipea.
A redução dos índices globais de pobreza e de miséria esconde uma realidade dura para as principais metrópoles do país. Em São Paulo, por exemplo, a pobreza cresceu no primeiro mandato de FHC. Em 1995, 26,89% da população paulista era pobre. Em 1998, 32,96%. Os dados de 1999 ainda não estão disponíveis.
"De uma maneira geral, a pobreza diminuiu nas áreas rurais e piorou nas principais capitais", diz Sônia Rocha. Segundo ela, o aumento do desemprego, principalmente entre os trabalhadores menos qualificados, explica o comportamento.

Números oficiais
Os dados que o Palácio do Planalto usa para acompanhar a pobreza ainda não foram concluídos. Mas a tendência deverá ser a mesma apontada pelo estudo do Ipea.
O chefe da assessoria especial do presidente Fernando Henrique Cardoso, Vilmar Faria, afirmou que os levantamentos apresentam números diferentes, mas tendências iguais.
O governo usa uma tabela que também é elaborada por pesquisadores do Ipea. O número total de pobres é praticamente o mesmo, mas o de indigentes difere bastante.
Nos dados que o governo divulga, é indigente quem ganha metade da renda necessária para estar acima da linha de pobreza. Sônia Rocha usa o custo da cesta básica de alimentos em cada região do país para traçar sua linha de indigência, uma conta considerada mais precisa.
Os números de indigência apontados pela pesquisadora são mais favoráveis para o governo. Em 1998, a tabela oficial apontava a existência de 21,4 milhões de indigentes (13,9% da população). Segundo esses dados, 6,4 milhões de pessoas foram resgatadas da miséria absoluta durante o primeiro governo FHC.
A promessa de resgatar 5 milhões de famílias (cerca de 17,5 milhões de pessoas) seria, portanto, um objetivo mais ambicioso que o alcançado graças ao fim da inflação em 1994. E mesmo alguns colaboradores do presidente consideram improvável repetir aquele resultado.


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