São Paulo, quarta-feira, 09 de outubro de 2002

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ELIO GASPARI

Lula 2002 toma Romanée-Conti 1997

Em tese, Lula tem três semanas para buscar os 3,5 milhões de votos que lhe faltaram para a maioria absoluta. José Serra terá que correr atrás de 22,5 milhões de votos, algo equivalente a todo o eleitorado de São Paulo e Brasília. A próxima campanha dependerá sobretudo dos votos que Serra consiga tirar de Lula. Resta saber se Lula vai jogar o patrimônio pela janela. A julgar pelo seu comportamento na noite de quinta-feira da semana passada, depois do debate da TV Globo, vai.
Terminado o espetáculo, Lula e seus assessores foram jantar num restaurante de Ipanema. Eram umas 20 pessoas, entre elas Duda Mendonça, o marqueteiro do PT. Duda deu de presente a Lula uma garrafa de vinho Romanée-Conti, safra de 1997, orçada em mais de R$ 6.000. Fez o gesto de forma pública e espetaculosa. Vazia, a garrafa foi exposta no restaurante.
Um ex-torneiro-mecânico pode (e talvez deva) chegar à Presidência da República, mas nenhum candidato a presidente da República pode tomar Romanée-Conti. Um candidato francês só beberia dessa marca se ela lhe fosse oferecida pelo dono do vinhedo, num almoço de campanha. Governante de país rico não toma Romanée-Conti. Esse vinho, tão louvado, cobiçado e caro, só é coisa de político em país pobre.
Só político de país pobre toma vinho estrangeiro (e caro). Nos anos 60, quando o presidente Lyndon Johnson exigiu que se servissem marcas americanas na Casa Branca, foi chamado de caipira. Hoje a indústria vinícola da Califórnia é um negócio de US$ 33 bilhões anuais.
O grande divulgador do Romanée-Conti em Pindorama foi Paulo Maluf. É provável que tenha sido também o iniciador de Duda Mendonça na devoção à marca. Exatamente seis anos antes da hora em que Duda deu seu mimo a Lula, Maluf comemorou com um Romanée-Conti a vitória de Celso Pitta, de cuja campanha Duda fora marqueteiro. Naquela noite de 1996, num telefonema, Maluf disse-lhe: "Olhe, não esqueça: hoje à noite tem vinho em casa, dos bons". Outro destacado consumidor é o ex-senador Gilberto Miranda. Pena que tenha servido um vinho raro ao dono do vinhedo Romanée-Conti e ele não lhe tenha reconhecido o sabor.
O Romanée-Conti é considerado um dos melhores vinhos do mundo. Sua produção anual é de 6.000 garrafas e em muitos casos dá mais trabalho encomendá-lo do que tomá-lo. Presentear amigos com esse prazer é um hábito caro, praticado num circuito onde estiveram Frank Sinatra e o falecido rei Hussein da Jordânia, Barbra Streisand e Donald Trump. Quando uma gravadora quis agradar a Paul Mc Cartney, um Romanée-Conti 1942 foi a solução. Um curioso, convidado a um festim no qual foram servidas perto de 15 garrafas de safras diferentes, jura que lá pela 12ª garrafa sua bebida estava com gosto de banana. Os convidados eram uns 15, e cada um tomava três dedos de cada safra. A certa altura havia três deles escondidos no jardim; queriam fumar em paz.
Não faz sentido que um candidato a presidente diga as coisas que Lula diz (a história da mulher que pedia esmola com uma criança no colo, por exemplo) e depois vá molhar as trufas do ravióli com uma garrafa de Romanée-Conti à mesa. A cena é patética. Admitindo que Lula acredita no que diz, acabou preso numa mesa onde lhe será difícil reconhecer-se. Nem tanto pelo preço do vinho, mas pelo ridículo do consumo. Quase tão ridículo quanto a chegada de FFHH ao Forte Copacabana no Réveillon de 2000 levando sua garrafa de cinco litros de champanhe Cristal (R$ 10 mil à época).
Lula tem todo o direito de receber de presente um vinho de milionário, trazido por um amigo numa ocasião especial. Agradece, manda que se faça uma rifa em benefício dos sem-Romanée e bebe o que bem entende. Degustando o mimo de Duda, tornou-se um candidato que falou em fome no estúdio da TV Globo em Jacarepaguá e uma hora depois bebeu Romanée-Conti em Ipanema.



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