São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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NO PLANALTO

Lula enxerga no fim do túnel a luz da reeleição

JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA

No auge da crise , logo depois do depoimento de Duda Mendonça à CPI dos Correios, Lula recebeu a visita da autocrítica. Ela apresentou o presidente a si mesmo. E ele, por um instante, portou-se como se houvesse descoberto a própria condição de mortal. Flagrou-se sujeito à condição humana.
Até desculpas Lula pediu. Timidamente, é verdade. Mas pediu. Na intimidade do Torto, chegou a expiar culpas proporcionais às evidências. Confessou-se arrependido de ter delegado poderes "excessivos" a José Dirceu. Penitenciou-se de não ter imposto limites à ação deletéria de Delúbio Soares.
A fase de mea-culpa teve, porém, fôlego curto. A coisa mudou. Lula não se vê mais na condição de passageiro de um avião em queda. Parou de procurar a saída de emergência. Convenceu-se de que 2006 lhe reserva um pouso tranqüilo. Faz as malas (no duplo sentido) para a próxima aventura. A aventura da reeleição.
Nos diálogos privados, Lula avalia que o melado da crise parou de escorrer. Em timbre de incontido sarcasmo, diz que as investigações do Congresso desandaram. Crê que, ao abrir demasiadamente o leque de acusações, a oposição passou a flertar com a desmoralização. PSDB e PFL teriam, a seu juízo, enrolado a corda em torno do próprio pescoço.
Vem daí a decisão de Lula de abandonar o papel de Tiradentes que, a contragosto, assumira momentaneamente. Pesquisas de opinião encomendadas pelo governo mostram que sua popularidade parou de cair. O presidente cultiva agora a "convicção" de que, embora tisnada pelo escândalo, sua reputação não foi ferida de morte. Pintado para a guerra, espera recobrar o prestígio.
A partir de reflexões compartilhadas com auxiliares do porte do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Lula deduz que a sociedade enfastiou-se do espetáculo das CPIs. O país ansiaria por um retorno à normalidade. Por isso desfraldou na semana passada a bandeira algo oportunista do "denuncismo". Mirou especialmente na CPI dos Bingos, que decidira acarear Gilberto Carvalho, seu chefe-de-gabinete, com os irmãos do prefeito assassinado Celso Daniel. Mas estende o raciocínio às demais CPIs.
A pose de vítima desconsidera, por conveniente, o fato de que o cipoal de denúncias brotou do quintal do Planalto. Nasceu da entrevista-bomba do "aliado" Roberto Jefferson à Folha. Foi adubado com o reconhecimento do "provedor" Marcos Valério de que funcionara como caixa terceirizado do PT. Ramificou-se nas malas de reais, na cueca de dólares e na penca de cheques descontados por políticos governistas e por seus prepostos nos guichês do Banco Rural. Propagou-se na confissão do tesoureiro Delúbio Soares de que administrara arcas borrifadas com o agrotóxico dos "recursos não contabilizados". Ganhou viço com a revelação de Duda Mendonça de que fora beneficiário de parte dos fruto$ envenenados, colhidos no estrangeiro.
A oposição rumina em segredo, há semanas, um arrependimento. Lamenta ter contribuído para a chamada "blindagem" de Lula. Lastima não ter feito a crise escalar a rampa do Planalto na hora própria. O momento propício teria sido o depoimento de Duda Mendonça. Ali, avaliam tucanos e pefelistas, ficou claro que a campanha presidencial fora parcialmente financiada com dinheiro de má origem.
A deliberada preservação do presidente da República partiu de um cálculo. Imaginou-se que um Lula ajoelhado serviria mais aos interesses da oposição do que um Lula eventualmente deposto. A excitação oposicionista chegou mesmo a animar, nos subterrâneos do PSDB, um debate acerca do pós-2006. Dava-se como certa a vitória. Discutia-se apenas o nome do herdeiro do caos petista: José Serra, Geraldo Alckmin, Aécio Neves... Até FHC voltou a acalentar o sonho de um retorno consagrador.
A convicção oposicionista vai, devagarinho, cedendo espaço à dúvida. Embora ainda debilitado, Lula dispõe de tempo para erigir uma plataforma eleitoral competitiva, eis a impressão que se dissemina por Brasília. Não lhe faltaria munição. O grosso de seu arsenal encontra-se estocado no Ministério da Fazenda. Alheio às críticas, Antonio Palocci manteve a política fiscal restritiva. E, ao fazê-lo, logrou manter a economia a salvo do furacão político.
O crescimento do PIB de 2005 será menor do que o de 2004. Mas o governo imagina que, digitando uma ou duas teclas, pode produzir uma bolha de prosperidade no ano eleitoral de 2006. O botão que se encontra mais à mão é o dos juros. A depender da vontade de Lula, as taxas serão modestamente reduzidas até o Natal. Com a inflação sob controle, o movimento de queda seria acentuado no início do próximo ano, catapultando os investimentos privados. A estratégia depende da preservação de um cenário internacional favorável.
O governo festeja, de resto, a retomada do controle político da direção da Câmara. Com a ajuda da oposição, livrou-se de Severino Cavalcanti. Cedendo às chantagens da bancada do mensalão, Lula comprou a vitória de Aldo Rebelo por exíguos 15 votos. Mas, feitas as contas, acha que a relação custo-benefício lhe foi favorável.
O presidente debita o placar apertado a avaliações equivocadas do presidente do Senado. Renan Calheiros teria prometido um lote de votos do PMDB que não conseguiu entregar. O Planalto foi salvo pelos votos do PDT, cooptados na última hora.
Lula espera que Renan manobre para encurtar a sobrevida das CPIs. De Aldo, espera celeridade na administração da fila de deputados na bica da cassação. Lula não está preocupado em salvar este ou aquele deputado. Só quer virar a página, para salvar-se a si próprio. Avalia que o pescoço de José Dirceu já foi à bandeja. Quanto aos demais, torce para que renunciem. Sonha com a retomada da rotina de votações no Congresso.
Lula opera com vigor renovado. Tenta repavimentar a trilha da reeleição. Continua recebendo visitas periódicas da autocrítica. Mas agora só se auto-avalia a favor.

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