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NO PLANALTO
Lula enxerga no fim do túnel a luz da reeleição
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
No auge da crise , logo
depois do depoimento de
Duda Mendonça à CPI dos Correios, Lula recebeu a visita da autocrítica. Ela apresentou o presidente a si mesmo. E ele, por um
instante, portou-se como se houvesse descoberto a própria condição de mortal. Flagrou-se sujeito
à condição humana.
Até desculpas Lula pediu. Timidamente, é verdade. Mas pediu.
Na intimidade do Torto, chegou a
expiar culpas proporcionais às
evidências. Confessou-se arrependido de ter delegado poderes "excessivos" a José Dirceu. Penitenciou-se de não ter imposto limites
à ação deletéria de Delúbio Soares.
A fase de mea-culpa teve, porém, fôlego curto. A coisa mudou.
Lula não se vê mais na condição
de passageiro de um avião em
queda. Parou de procurar a saída
de emergência. Convenceu-se de
que 2006 lhe reserva um pouso
tranqüilo. Faz as malas (no duplo
sentido) para a próxima aventura. A aventura da reeleição.
Nos diálogos privados, Lula
avalia que o melado da crise parou de escorrer. Em timbre de incontido sarcasmo, diz que as investigações do Congresso desandaram. Crê que, ao abrir demasiadamente o leque de acusações,
a oposição passou a flertar com a
desmoralização. PSDB e PFL teriam, a seu juízo, enrolado a corda em torno do próprio pescoço.
Vem daí a decisão de Lula de
abandonar o papel de Tiradentes
que, a contragosto, assumira momentaneamente. Pesquisas de
opinião encomendadas pelo governo mostram que sua popularidade parou de cair. O presidente
cultiva agora a "convicção" de
que, embora tisnada pelo escândalo, sua reputação não foi ferida
de morte. Pintado para a guerra,
espera recobrar o prestígio.
A partir de reflexões compartilhadas com auxiliares do porte do
ministro Márcio Thomaz Bastos
(Justiça), Lula deduz que a sociedade enfastiou-se do espetáculo
das CPIs. O país ansiaria por um
retorno à normalidade. Por isso
desfraldou na semana passada a
bandeira algo oportunista do
"denuncismo". Mirou especialmente na CPI dos Bingos, que decidira acarear Gilberto Carvalho,
seu chefe-de-gabinete, com os irmãos do prefeito assassinado Celso Daniel. Mas estende o raciocínio às demais CPIs.
A pose de vítima desconsidera,
por conveniente, o fato de que o
cipoal de denúncias brotou do
quintal do Planalto. Nasceu da
entrevista-bomba do "aliado"
Roberto Jefferson à Folha. Foi
adubado com o reconhecimento
do "provedor" Marcos Valério de
que funcionara como caixa terceirizado do PT. Ramificou-se
nas malas de reais, na cueca de
dólares e na penca de cheques
descontados por políticos governistas e por seus prepostos nos
guichês do Banco Rural. Propagou-se na confissão do tesoureiro
Delúbio Soares de que administrara arcas borrifadas com o
agrotóxico dos "recursos não contabilizados". Ganhou viço com a
revelação de Duda Mendonça de
que fora beneficiário de parte dos
fruto$ envenenados, colhidos no
estrangeiro.
A oposição rumina em segredo,
há semanas, um arrependimento.
Lamenta ter contribuído para a
chamada "blindagem" de Lula.
Lastima não ter feito a crise escalar a rampa do Planalto na hora
própria. O momento propício teria sido o depoimento de Duda
Mendonça. Ali, avaliam tucanos
e pefelistas, ficou claro que a campanha presidencial fora parcialmente financiada com dinheiro
de má origem.
A deliberada preservação do
presidente da República partiu de
um cálculo. Imaginou-se que um
Lula ajoelhado serviria mais aos
interesses da oposição do que um
Lula eventualmente deposto. A
excitação oposicionista chegou
mesmo a animar, nos subterrâneos do PSDB, um debate acerca
do pós-2006. Dava-se como certa
a vitória. Discutia-se apenas o nome do herdeiro do caos petista:
José Serra, Geraldo Alckmin, Aécio Neves... Até FHC voltou a acalentar o sonho de um retorno consagrador.
A convicção oposicionista vai,
devagarinho, cedendo espaço à
dúvida. Embora ainda debilitado, Lula dispõe de tempo para
erigir uma plataforma eleitoral
competitiva, eis a impressão que
se dissemina por Brasília. Não lhe
faltaria munição. O grosso de seu
arsenal encontra-se estocado no
Ministério da Fazenda. Alheio às
críticas, Antonio Palocci manteve
a política fiscal restritiva. E, ao fazê-lo, logrou manter a economia
a salvo do furacão político.
O crescimento do PIB de 2005
será menor do que o de 2004. Mas
o governo imagina que, digitando
uma ou duas teclas, pode produzir uma bolha de prosperidade no
ano eleitoral de 2006. O botão que
se encontra mais à mão é o dos juros. A depender da vontade de
Lula, as taxas serão modestamente reduzidas até o Natal. Com a
inflação sob controle, o movimento de queda seria acentuado no
início do próximo ano, catapultando os investimentos privados.
A estratégia depende da preservação de um cenário internacional
favorável.
O governo festeja, de resto, a retomada do controle político da
direção da Câmara. Com a ajuda
da oposição, livrou-se de Severino
Cavalcanti. Cedendo às chantagens da bancada do mensalão,
Lula comprou a vitória de Aldo
Rebelo por exíguos 15 votos. Mas,
feitas as contas, acha que a relação custo-benefício lhe foi favorável.
O presidente debita o placar
apertado a avaliações equivocadas do presidente do Senado. Renan Calheiros teria prometido
um lote de votos do PMDB que
não conseguiu entregar. O Planalto foi salvo pelos votos do PDT,
cooptados na última hora.
Lula espera que Renan manobre para encurtar a sobrevida das
CPIs. De Aldo, espera celeridade
na administração da fila de deputados na bica da cassação. Lula
não está preocupado em salvar
este ou aquele deputado. Só quer
virar a página, para salvar-se a si
próprio. Avalia que o pescoço de
José Dirceu já foi à bandeja.
Quanto aos demais, torce para
que renunciem. Sonha com a retomada da rotina de votações no
Congresso.
Lula opera com vigor renovado.
Tenta repavimentar a trilha da
reeleição. Continua recebendo visitas periódicas da autocrítica.
Mas agora só se auto-avalia a favor.
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