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CASO MALUF
Sílvio Marques, que apura caso do ex-prefeito na área cível, diz que prisão não interrompeu investigações
Promotor investiga novas contas de Maluf
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
O promotor de Justiça da Cidadania Sílvio Antônio Marques, 39,
primeiro a relacionar a suposta
origem ilícita do dinheiro creditado no exterior a Paulo Maluf, 74,
diz que a investigação não parou
com a prisão do ex-prefeito.
"Temos a informação de duas
novas offshores [empresas em
que os sócios não são identificados] e acreditamos na existência
de outras contas bancárias ainda
não rastreadas no exterior", afirmou Marques, que estima em pelo menos US$ 225 milhões o volume de dinheiro bloqueado dos
Maluf no exterior.
Marques afirmou que entrou na
investigação após reportagem da
Folha publicada em junho de
2001 ter revelado que autoridades
do paraíso fiscal da ilha de Jersey,
no canal da Mancha, comunicaram ao Brasil que haviam bloqueado cerca de US$ 200 milhões
lá depositados em nome de Maluf
e de seus familiares.
Desde então, foram identificadas contas na Suíça, nos Estados
Unidos, na Inglaterra, na França e
no paraíso fiscal de Luxemburgo.
Na Promotoria da Cidadania do
Ministério Público do Estado de
São Paulo, Marques cuida da investigação na área cível. A implicação penal era de responsabilidade do procurador Pedro Barbosa Neto, que, após ser promovido,
foi substituído por Rodrigo de
Grandis. Os dois fazem parte do
Ministério Público Federal.
Leia abaixo entrevista concedida na última quarta-feira.
Folha - Como começou a investigação sobre as supostas contas de
Maluf no exterior?
Sílvio Antônio Marques - Tudo
começou após a reportagem da
Folha sobre contas do ex-prefeito
Paulo Maluf na ilha de Jersey. Até
então, só o Gaeco [Grupo de
Atuação Especial de Combate ao
Crime Organizado], órgão do Ministério Público, sabia e, por uma
questão estratégica, mantinha a
informação sob sigilo. A reportagem abriu a investigação na Promotoria da Cidadania.
Folha - E depois, qual foi o próximo passo?
Marques - No comunicado enviado por Jersey ao Brasil, havia a
informação de transferência de
valores de Genebra [Suíça] para
Jersey em nome de "Paolo Maluf". Nós começamos, então, a
tentar obter mais dados. No começo, enfrentamos muitos problemas. No Brasil, três órgãos estavam no caso: na área cível, a Cidadania, na criminal, o Gaeco e a
Procuradoria da República. Isso
causou problemas na relação internacional. Esse conflito de competência foi dirimido pelo STJ
(Superior Tribunal de Justiça),
que, em outubro de 2001, decidiu
que a apuração criminal deveria
ficar com a Procuradoria.
Folha - A discussão sobre competência atrapalhou a investigação?
Marques - Atrapalhou, mas, nessa época, ainda não tínhamos indícios suficientes para pedir qualquer quebra de sigilo internacional. Os elementos principais da
investigação passaram a existir a
partir do dia 22 de janeiro de 2002.
Folha - O que ocorreu neste dia?
Marques - Neste dia, eu e o promotor José Carlos Blat ouvimos
pela primeira vez Joel Guedes Fernandes, ex-caixa da construtora
Mendes Júnior. Foi quando ele, ao
falar do superfaturamento na
construção da avenida Água Espraiada, disse que seus dedos
doíam de tanto distribuir notas de
dólares em caixas de bombons ou
de whisky. Depois, no dia 27 de fevereiro de 2002, por meio de Joel,
ouvimos Simeão Damasceno de
Oliveira, ex-diretor financeiro da
construtora. No depoimento, Simeão envolveu diretamente o ex-prefeito no superfaturamento.
Folha - E como chegaram ao Joel?
Marques - Foi de uma forma casual. A mulher de um dos promotores encontrou, em um clube de
São Paulo, uma amiga advogada
que lhe contou sobre um advogado que havia sido contratado por
Joel e por Simeão, que sabiam de
irregularidades na obra. Procuramos o advogado. No começo, Joel
estava com muito medo de falar.
Mas foi com o depoimento de
Joel, de Simeão, da ex-primeira-dama Nicéa Pitta [ex-mulher de
Celso Pitta], que nós conseguimos reunir um material probatório e pedir a quebra do sigilo internacional.
Folha - A Suíça devolveu três vezes este mesmo pedido. Por quê?
Marques - Primeiro a Suíça queria saber o motivo de dois Ministérios Públicos investigarem o caso. Explicamos que um era cível,
outro, criminal. Por conta disso,
unificamos o pedido. Depois, a
Suíça pediu mais dados probatórios. Enviamos. Pediu novamente. Enviamos, então, novas informações, cópias de depoimentos.
Demonstramos claramente que
houve desvio de dinheiro da avenida Água Espraiada. Nesta fase,
foram enviadas mais de mil cópias de documentos à Suíça.
Folha - Como é este suposto esquema identificado?
Marques - Exatamente como
Joel e Simeão haviam falado. A
Prefeitura de São Paulo pagava a
Mendes Júnior e a [empreiteira]
OAS pela obra da avenida Água
Espraiada. Uma boa parte deste
pagamento, cerca de 40%, tinha
como destino a compra de notas
fiscais frias. Do total de notas
frias, 90% retornava para as construtoras. Esse dinheiro era convertido em dólares. Parte era paga
aqui no Brasil. Outra parte, encaminhada ao exterior por meio de
doleiros. A investigação demonstrou que o ex-prefeito recebeu
propina até o final de 1998 [Maluf
administrou São Paulo entre 1993
e 1996. Foi sucedido por Pitta,
1997 e 2000].
Folha - Quando a Suíça aceitou liberar os documentos?
Marques - Em junho de 2003, o
juiz de instrução Claude-François
Wenger em Genebra liberou a documentação para o Brasil. O ex-prefeito recorreu da decisão, por
meio de seus advogados. Em outubro de 2003, o tribunal cantonal
rejeitou o recurso do Maluf. Eles
recorreram novamente ao Tribunal Federal de Justiça da Suíça,
instância máxima, e perderam
novamente. Em janeiro de 2004,
os documentos foram liberados.
Folha - O Brasil teve acesso a todos as contas atribuídas a Maluf?
Marques - Faltaram alguns papéis. Nós já pedimos à Suíça o material completo. Com os documentos que recebemos, no entanto, finalmente ficou provada a
existência de recursos do ex-prefeito no exterior.
Folha - Mas as contas não estavam no nome dele. Isto dificulta na
Justiça?
Marques - Não. Isto só demonstra uma tentativa do ex-prefeito
de dissimular essa movimentação
de dólares no exterior. O fato de a
conta não estar no nome dele ainda depõe contra o próprio investigado. Afinal, quem movimentou
dinheiro no exterior de forma lícita não precisa se esconder atrás de
fundações em Liechtenstein
[principado europeu] ou de offshores em paraísos fiscais.
Folha - Como o sr. avalia o fato de
o ex-prefeito sempre ter negado
possuir contas no exterior?
Marques - O fato de ele ser beneficiário de contas na Suíça não
surte nenhum efeito favorável a
ele no sentido de não ter contas
no exterior. De fato, Maluf não
possui contas em nome próprio,
mas ele e familiares são beneficiários dessas fundações que têm
contas. Isso demonstra apenas
que ele tentou, por meio de vários
bancos, esconder esse dinheiro.
Folha - Quantas contas são creditadas aos Maluf no exterior?
Marques - É difícil precisar um
número, porque uma conta pode
ter dezenas de subcontas. Estamos rastreando contas bancárias
na Suíça, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na ilha de Jersey, na
França e em Luxemburgo -esta
última está no nome da mulher
dele, Sylvia Maluf.
Folha - Pode haver contas em outros países ainda?
Marques - Sim, é possível. Ainda
não sabemos o destino de uma
boa parte do dinheiro e, para descobrir isso, dependemos da colaboração de outros países. Provavelmente encontraremos novas
informações quando chegarem os
documentos que esperamos. Há
informações de dinheiro bloqueado na Suíça, na França, em
Jersey e em Luxemburgo. Mas algumas movimentações não foram rastreadas.
Folha - Quanto tem em dinheiro
hoje dos Maluf no exterior?
Marques - Foi publicada na imprensa que, na Suíça, foi constatada uma movimentação de
US$ 446 milhões. Não podemos
afirmar categoricamente que a
quantidade de dinheiro era essa.
Há muitas movimentações. Num
dia, o dinheiro entra na conta. No
outro dia, sai. Três dias depois, o
mesmo dinheiro volta. US$ 446
milhões era a movimentação. A
gente estima, no entanto, que hoje
deva existir pelo menos US$ 225
milhões entre dinheiro e bens.
Fundos do Deutsche Morgan
Grenfell de Jersey compraram debêntures da Eucatex [empresa
dos Maluf], depois convertidas
em ações, no valor de US$ 89,3
milhões. Há indícios de que esse
dinheiro é oriundo de contas em
Jersey que beneficiam Maluf.
Folha - Quantas offshores vocês
relacionam a Maluf?
Marques - A primeira foi a empresa Blue Diamond, depois
substituída pela Red Ruby. Por
meio de contas abertas em nome
da offshore na Suíça, o dinheiro
foi enviado para Jersey. Tem ainda a White Gold Foundation, que
mandou dinheiro para Londres,
em nome da Durant International. Uma empresa substituiu a
outra. É uma forma de dificultar a
investigação. Essas estavam em
nome de Maluf. Há outras offshores em nome de familiares. Nós
não descartamos ainda a utilização de outras duas offshores que
apareceram durante as investigação e cujos nomes estamos mantendo em sigilo.
Folha - E quantos doleiros foram
identificados?
Marques - Pelo menos seis doleiros. Um deles é o Alberto Youssef,
que disse que era doleiro de doleiro, ou seja, não sabia de onde vinha o dinheiro. Outro é Vivaldo
Alves, o Birigüi, que contou ter
movimentado US$ 161 milhões
nos EUA a pedido de Flávio Maluf. Os demais nomes são mantidos em sigilo.
Folha - O sr. acredita ser possível
provar tudo isso na Justiça?
Marques - Não tenho dúvidas. A
prova reunida até agora é cabal.
Tudo indica que houve lavagem
de dinheiro e movimentação de
recursos ilícitos no exterior a
mando do ex-prefeito e de familiares. Temos provas concretas e
documentais. Um dos nossos objetivos agora é repatriar esses valores. A Promotoria da Cidadania
já propôs uma ação em que pede a
devolução de todo o dinheiro movimentado no exterior, estimado
em US$ 446 milhões, e pede multa
de três vezes esse valor. O total é
de cerca de R$ 5 bilhões.
Folha - Esse valor é pagável?
Marques - Dos 37 demandados,
entre pessoas físicas e jurídicas, a
Promotoria pediu o bloqueio de
bens de 35. Ficaram de fora Otávio e Lina, filhos do ex-prefeito,
que não tinham contas em nome
deles. A indisponibilidade de bens
foi decretada pela juíza da 4ª Vara
da Fazenda Pública de São Paulo,
Renata Coelho Okida. E todos os
recursos impetrados contra a decisão da juíza foram negados pelo
desembargador Roberto Soares
Lima, da 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça.
Folha - Quanto tempo demanda
uma eventual repatriação?
Marques - O trânsito em julgado
pode levar de dez a doze anos.
Mas todos os bens estão bloqueados e esperamos que permaneçam assim até o julgamento final.
Folha - O fato de Maluf ter 74
anos altera este prazo? E se algum
dos demandados morrer, o que
acontece?
Marques - O fato de Maluf ter
mais de 70 anos só influencia na
área criminal, não na cível. E, se
algum dos demandados morrer, a
responsabilidade recairá sobre
seu espólio. A ação vai continuar.
Folha - Outras pessoas ainda são
investigadas?
Marques - Sim. Agora o alvo são
construtoras, alguns doleiros,
bancos que ajudaram na lavagem
de dinheiro e outras pessoas. Teremos ainda um grande trabalho.
Folha - O sr. acha que a prisão do
ex-prefeito é justa?
Marques - É justa. As provas de
que houve desvio de dinheiro público são realmente contundentes. E o ex-prefeito tentou, por todos os meios, esconder as contas
bancárias no exterior e influir na
produção das provas. Considerando esses fatos e a magnitude
da lesão causada aos cofres públicos, entendo que a prisão do ex-prefeito foi uma medida justa.
Folha - O relacionamento com a
Suíça foi marcado por desencontros. Recentemente, o Brasil foi
proibido de usar papéis suíços em
ação movida contra Maluf. O Brasil
ainda está engatinhando quando o
tema é cooperação internacional?
Marques - Nem eu, nem o dr. Pedro Barbosa, nem o dr. Rodrigo
de Grandis, ninguém tem experiência suficiente para não cometer equívocos. A gente vai aprendendo. No começo, não tínhamos
uma coordenação. Depois, teve
importância crucial a equipe
montada pela secretária nacional
de Justiça, Cláudia Chagas, com
Antenor Madruga [do Departamento de Recuperação de Ativos
e Cooperação Jurídica Internacional] e as procuradoras da Fazenda
Nacional Wannine Lima e Raquel
Palmeira. O caso do juiz Nicolau
dos Santos Neto [acusado de desvio na construção do TRT paulista], por exemplo, foi importante
para entendermos a legislação
suíça. O do ex-prefeito Paulo Maluf foi importante para a elaboração de um acordo.
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