São Paulo, sexta, 9 de outubro de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice QUESTÃO AGRÁRIA Polícia de Pernambuco diz que os lavradores estavam armados; coordenador do acampamento nega Sem-terra é baleado por PM após saque
FÁBIO GUIBU da Agência Folha, em Recife Um trabalhador rural sem terra foi ferido ontem com dois tiros durante um conflito envolvendo policiais militares e lavradores ligados ao MST acampados no município de Passira, agreste de Pernambuco. A vítima, José Alexandre da Silva, 22, foi baleado no abdome e na coxa direita quando a Polícia Militar tentava recuperar a carga de um caminhão saqueado às 5h na rodovia PE-95. O estado de saúde do sem-terra ferido era considerado regular até o início da noite de ontem. O veículo, que transportava bolachas e macarrão, havia sido desviado com outras duas carretas carregadas com bebidas e farelo de ração para um acampamento montado na fazenda Condic, invadida em março e onde moram 450 famílias. No local, os sem-terra descarregaram a bolacha e o macarrão e liberaram os caminhões com as bebidas e o farelo. O incidente ocorreu no momento em que os alimentos estavam sendo distribuídos aos acampados. Alertada sobre o saque, a PM enviou ao local 20 homens das cidades de Passira, Limoeiro e Nazaré da Mata. "Eles chegaram, derrubaram a porteira e entraram atirando", afirmou o coordenador do acampamento, Ariosvaldo Oliveira. Segundo ele, "depois de acertar o rapaz, os policiais ainda ameaçaram o pessoal, dizendo que voltariam outro dia, porque a política agora era outra e que o pau iria comer". O atual governador, Miguel Arraes (PSB), candidato à reeleição, foi derrotado nas urnas por Jarbas Vasconcelos (PMDB). A mulher do agricultor ferido, Maria da Conceição Martins Barbosa, 20, grávida de nove meses, afirmou que seu marido não reagiu. "Ele estava na porteira e foi atingido quando voltava para o acampamento." Outro lado A PM apresentou outra versão para o caso. Segundo o major Alberis Tadeu Araújo Silva, comandante do batalhão da corporação na região, os agricultores "reagiram a tiros" e os policiais foram "obrigados a responder". Como prova, o major entregou à Polícia Civil um revólver calibre 32 com duas cápsulas deflagradas e uma garrucha artesanal, supostamente apreendidos com os sem-terra. O comandante disse ainda que foram os próprios policiais militares que socorreram o ferido e que a corporação foi orientada pelo governo do Estado a evitar confrontos com os agricultores acampados. O coordenador do acampamento negou que os sem-terra estivessem armados. Disse que suas armas "são instrumentos de trabalho: a foice, o facão e a enxada". Mais saques O lavrador baleado foi levado para o hospital da cidade de Limoeiro, onde recebeu atendimento de emergência. Uma hora depois, ele foi transferido para o hospital Getúlio Vargas, em Recife, onde foi operado. Os sem-terra do acampamento onde ocorreu o conflito afirmaram que o incidente não vai alterar a disposição do grupo de saquear alimentos "enquanto o governo não oferecer alternativa". "Ninguém vai desistir agora por causa disso", afirmou a mulher da vítima. "Se precisar saquear de novo, todo mundo aqui vai participar", disse. A fazenda Condic já foi vistoriada pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e considerada improdutiva. A área está sob processo de desapropriação. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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