São Paulo, sexta, 9 de outubro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

QUESTÃO AGRÁRIA
Polícia de Pernambuco diz que os lavradores estavam armados; coordenador do acampamento nega
Sem-terra é baleado por PM após saque

Eduardo Knapp - 1º.abr.98/Folha Imagem
Jaime Amorim, líder do Movimento dos TRabalhadores Rurais Sem Terra em PE, diz que saques continuam


FÁBIO GUIBU
da Agência Folha, em Recife

Um trabalhador rural sem terra foi ferido ontem com dois tiros durante um conflito envolvendo policiais militares e lavradores ligados ao MST acampados no município de Passira, agreste de Pernambuco.
A vítima, José Alexandre da Silva, 22, foi baleado no abdome e na coxa direita quando a Polícia Militar tentava recuperar a carga de um caminhão saqueado às 5h na rodovia PE-95.
O estado de saúde do sem-terra ferido era considerado regular até o início da noite de ontem.
O veículo, que transportava bolachas e macarrão, havia sido desviado com outras duas carretas carregadas com bebidas e farelo de ração para um acampamento montado na fazenda Condic, invadida em março e onde moram 450 famílias.
No local, os sem-terra descarregaram a bolacha e o macarrão e liberaram os caminhões com as bebidas e o farelo. O incidente ocorreu no momento em que os alimentos estavam sendo distribuídos aos acampados.
Alertada sobre o saque, a PM enviou ao local 20 homens das cidades de Passira, Limoeiro e Nazaré da Mata. "Eles chegaram, derrubaram a porteira e entraram atirando", afirmou o coordenador do acampamento, Ariosvaldo Oliveira.
Segundo ele, "depois de acertar o rapaz, os policiais ainda ameaçaram o pessoal, dizendo que voltariam outro dia, porque a política agora era outra e que o pau iria comer". O atual governador, Miguel Arraes (PSB), candidato à reeleição, foi derrotado nas urnas por Jarbas Vasconcelos (PMDB).
A mulher do agricultor ferido, Maria da Conceição Martins Barbosa, 20, grávida de nove meses, afirmou que seu marido não reagiu. "Ele estava na porteira e foi atingido quando voltava para o acampamento."

Outro lado
A PM apresentou outra versão para o caso. Segundo o major Alberis Tadeu Araújo Silva, comandante do batalhão da corporação na região, os agricultores "reagiram a tiros" e os policiais foram "obrigados a responder".
Como prova, o major entregou à Polícia Civil um revólver calibre 32 com duas cápsulas deflagradas e uma garrucha artesanal, supostamente apreendidos com os sem-terra.
O comandante disse ainda que foram os próprios policiais militares que socorreram o ferido e que a corporação foi orientada pelo governo do Estado a evitar confrontos com os agricultores acampados.
O coordenador do acampamento negou que os sem-terra estivessem armados. Disse que suas armas "são instrumentos de trabalho: a foice, o facão e a enxada".
Mais saques
O lavrador baleado foi levado para o hospital da cidade de Limoeiro, onde recebeu atendimento de emergência. Uma hora depois, ele foi transferido para o hospital Getúlio Vargas, em Recife, onde foi operado.
Os sem-terra do acampamento onde ocorreu o conflito afirmaram que o incidente não vai alterar a disposição do grupo de saquear alimentos "enquanto o governo não oferecer alternativa".
"Ninguém vai desistir agora por causa disso", afirmou a mulher da vítima. "Se precisar saquear de novo, todo mundo aqui vai participar", disse.
A fazenda Condic já foi vistoriada pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e considerada improdutiva. A área está sob processo de desapropriação.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.