São Paulo, sexta, 9 de outubro de 1998

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CELSO PINTO
Um calmante limitado


Washington - O comunicado conjunto do Brasil e do FMI, divulgado ontem, é a resposta possível, no momento, para acalmar a ansiedade dos mercados financeiros. Do ponto de vista formal, seu alcance é limitado: não garante um acordo, nem fala em dinheiro.
Toca, contudo, nos nervos expostos dos banqueiros. De um lado, garante um programa fiscal robusto, com um superávit primário de 2,5% a 3% do PIB em 99, como a coluna antecipou.
De outro, usa a chancela do FMI contra três fantasmas que rondaram as incontáveis conversas dos banqueiros sobre o Brasil, nesta reunião anual em Washington: o câmbio não muda, não haverá controles sobre saídas de capitais, nem moratórias nas dívidas interna e externa. As autoridades brasileiras não falaram outra coisa nas suas aparições públicas aqui, mas colocar isso por escrito, num papel timbrado do fundo, talvez ajude a convencer mais gente. São exatamente esses três fantasmas que têm levado os bancos a cortar linhas de crédito para o Brasil.
Ao falar no programa fiscal, o comunicado avança em um ponto novo, que não havia sido mencionado no discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso: a reforma do sistema financeiro. Perguntado a respeito, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, explicou que trata-se da regulamentação do famoso artigo 192 da Constituição.
Existe um projeto em tramitação, que caminha em duas direções: leva à regulamentação dos vários órgãos do sistema para o nível da legislação ordinária e define o papel do Banco Central. Aí é que mora a controvérsia. O projeto define como função precípua do BC ser o guardião do valor da moeda e dá um mandato independente à sua diretoria e presidência. Em suma, torna o BC independente, nas dois aspectos centrais que interessam.
É um projeto que levanta muita polêmica entre políticos, especialmente entre os que suspeitam que o BC seja uma caixa-preta a serviço dos banqueiros. A inclusão desta reforma no que será um programa com o FMI aumenta a pressão por sua aprovação.
O FMI diz que está discutindo as políticas fiscais com o Brasil e as apóia, e seu diretor-gerente, Michel Camdessus, falou que estará preparado a uma "pronta reação" quando o programa for anunciado, dia 20. Ou seja, é provável que o FMI possa formalizar um programa com o Brasil logo depois do dia 20. Além do OK dos técnicos do fundo e da redação da "carta de intenções", a diretoria-executiva terá que dar seu aval formal.
E o dinheiro? Desde o início, o FMI tem dito ao Brasil que poderia levantar US$ 18 bilhões, enquanto o Banco Mundial poderia entrar com US$ 4,5 bilhões e o BID com outros US$ 4,5 bilhões. Menos claro sempre foi saber quanto e como seria o dinheiro dos países ricos do G-7, inclusive dos Estados Unidos.
Há fortes indicações que o Congresso americano poderá aprovar, finalmente, o aumento do capital do FMI por estes dias. Se isso acontecer, o FMI receberá uma injeção de US$ 90 bilhões, dos quais US$ 72 bilhões utilizáveis.
Se isso acontecer, pode mudar de figura o formato do apoio dos países ricos. A tal linha contingente proposta pelo presidente Bill Clinton para o Brasil e a América Latina poderia até vir direto do dinheiro do fundo.
Malan insiste que "o Brasil não está em crise", tem US$ 47 bilhões de reservas e pode pagar seus compromissos imediatos. Todos sabem, contudo, que anunciar ajuste fiscal sem um bom pacote de dinheiro não vai fazer a mágica de restaurar a confiança no Brasil. Até que este anúncio aconteça, a torcida será para que não haja mais más notícias no mercado internacional.
Malan acha que esta reunião de Washington foi positiva, porque pela primeira vez reconheceu-se que há um risco sistêmico, que crises devem ser tratadas de forma coordenada e não só bilateral, e que vale a pena ter uma ação preventiva. Tudo isto é verdade, mas se o diagnóstico ficou mais claro, a terapia avançou muito pouco.
Não há ação coordenada para baixar juros e sim a percepção de certos países, inclusive os Estados Unidos, sobre os riscos de uma desaceleração. Os mecanismos inovadores para ações preventivas são retórica, até que se materializem no caso brasileiro. A agenda da "nova arquitetura financeira" é tímida e, na sua maioria, antiga.
Os desafios continuam cada vez maiores.




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