São Paulo, segunda-feira, 09 de novembro de 2009

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ENTREVISTA DA 2ª

JOSÉ ALENCAR

Se os eleitores quiserem, volto para o Senado

Após diversas cirurgias para combater tumores, vice-presidente diz que "já pensa em expectativa de cura", quando antes estava aceitando que ia morrer

Sergio Lima - 08.out.2009/Folha Imagem
O vice-presidente, José Alencar, durante evento em Brasília


ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL

SÃO 11h E JOSÉ ALENCAR senta na cama do hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde há duas horas recebe a dose quase semanal de quimioterapia. Vai fazer um lanche. "Desculpa eu comer enquanto conversamos, mas ainda estou em jejum", diz ele. Come dois hambúrgueres e bebe um copo de leite, mostrando que o tratamento contra o sarcoma descoberto em 2006 não afetou seu apetite, ao passo que fala de saúde, política, família e eleições. Fica sério e se acomoda melhor ao repetir críticas à política monetária. Se emociona ao falar dos bons resultados no tratamento e o carinho que recebe de brasileiros. "Eu hoje penso em expectativa de cura, antes eu aceitava a ideia de que ia morrer", diz.
Em duas horas de entrevista, Alencar mostrou ainda ter o vigor necessário não só para terminar o mandato, mas para enfrentar uma campanha -projeto que voltou a nutrir desde que soube da redução do tumor. "Se o eleitor permitir, volto para o Senado."

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

 

FOLHA - Como vai seu tratamento? Os médicos falam em redução de 30% dos tumores.
JOSÉ ALENCAR -
Os exames mostraram uma redução muito grande nos tumores. Era uma coisa que até não era esperada. Estou passando muito bem, não tive problema algum, trabalhando normal como se não tivesse nada.
Além disso, há, e muita gente não acredita, uma verdadeira corrente no Brasil inteiro de pessoas que me mandam cartas, mensagens, remédios, ervas, uma coisa nunca vista. O que eu tenho recebido, o que chega, não tem gabinete que consiga catalogar. As manifestações são fantásticas.
Acho que Deus está nos ouvindo, porque parece uma vontade Dele de me curar. Hoje já penso em expectativa de cura, quando antes estava aceitando a ideia de que ia morrer mesmo. Mas as coisas mudaram.

FOLHA - O senhor havia dito que, se chegasse aos 78 anos, seria como renascer. Seu aniversário foi no mês passado. Dá para fazer planos?
ALENCAR -
Eu tenho que planejar tudo de novo. Passei por uma operação em janeiro em que não morri porque Deus não quis, a coisa foi feia.
Sigo a orientação de Santo Agostinho: "O homem deve viver preparado para morrer a qualquer instante e proceder como se não fosse morrer nunca". Sempre achei que a morte é algo natural, nós todos vamos morrer. Se Deus quiser me levar, ele não precisa de câncer.
Se ele não quiser que eu vá, não há câncer que me leve. E isso está acontecendo, porque estamos lutando contra o tumor há bastante tempo, um tumor difícil. A gente fala "um tumor", mas são vários. Hoje estou quase dizendo "eram vários".

FOLHA - E os planos políticos?
ALENCAR -
Termina meu mandato no ano que vem, tenho pensado sobre isso. Posso ser muito útil na vida pública, mas acho mais adequado para mim um cargo no Legislativo, porque esse eu posso enfrentar e dar uma grande contribuição. Ao passo que no Executivo, na minha idade, provavelmente não fosse recomendado, porque a agenda é muito pesada. Se Deus me curar, eu terei todas as condições de ser candidato.
Se você perguntar "o que você gostaria de fazer", [a resposta é] eu gostaria de me candidatar ao Senado. Vai depender do resultado dos exames. Se eu tiver bem, eu posso levar meu nome. Se os eleitores quiserem, eu volto para o Senado.

FOLHA - Como o senhor acha que serão as eleições de 2010?
ALENCAR -
Todas as eleições são difíceis. Eleição tem sempre adversário. Há umas que são menos penosas, mas difíceis todas são. Há três anos, nós fomos ao segundo turno. Tudo indicava que devíamos ganhar no primeiro turno, mas não ganhamos. Então, eleição não é brincadeira.

FOLHA - Acha que chegou a hora de Minas voltar a ter um presidente?
ALENCAR -
Eu sinto que o Brasil está com saudade de Minas. Ainda que tenha na presidência o Lula, e não tem nenhum outro presidente que obteve maior sucesso do que ele no exercício da Presidência.

FOLHA - Dilma [Rousseff, ministra da Casa Civil] seria uma presidente à altura do que Minas pode oferecer?
ALENCAR -
Ela saiu de Minas há muito tempo e vive no Rio Grande do Sul, o que até contribui para que chegue ao governo influência de dois Estados da importância de Minas e do Rio Grande do Sul no campo político. Esses dois Estados sempre foram muito bem referendados. Tivemos o presidente Getúlio Vargas e tivemos o presidente Juscelino [Kubitschek], que foram grandes presidentes.
A Dilma é mineira, porque nasceu em Minas, o umbigo dela está enterrado em Minas. Então ela é mineira, e isso é bom. Mas ela é também gaúcha, e isso é bom também.

FOLHA - Tem um outro pré-candidato mineiro...
ALENCAR -
Eu respeito e admiro o Aécio [Neves, PSDB, governador de Minas] desde antes de ele nascer. Seus avô paterno, Tristão Ferreira da Cunha, foi um político admirável. E seu avô materno, então [Tancredo Neves], dispensa comentários. Mas ele tem um problema para resolver dentro do partido primeiro. Ele é jovem, tem muito tempo pela frente [para ser presidente]...

FOLHA - A população vai ouvir o conselho de Lula ao votar?
ALENCAR -
A gente vê que hoje o eleitor esclarecido, inteligente, quer ouvir o presidente antes de votar. Porque ele acha que o Brasil merece mais tempo de bons governos. O que eu sinto é que as pessoas desejam uma continuidade desse trabalho admirável que o Lula vem fazendo. E ele indica a Dilma. Como ministra da Casa Civil, ela é uma espécie de superintendente, tudo passa pela Casa Civil.
Ela tem demonstrado grande eficiência à frente do trabalho que executa. Além disso, todo mundo sabe que a Dilma é uma mulher brava, não é braba, é brava, em todos os sentidos. Ela reúne condições para realizar um excelente trabalho.

FOLHA - O senhor acha que os empresários estão com a Dilma?
ALENCAR -
Ainda é muito cedo para falar, tem um ano pela frente. Mas quem a conhece fica bem impressionado.

FOLHA - Quais os méritos do seu trabalho no governo?
ALENCAR -
O presidente é o Lula. O mérito é dele. O trabalho do vice é não atrapalhar.

FOLHA - Mas o senhor já ficou mais de 400 dias no exercício da Presidência da República.
ALENCAR -
Até o final do mandato, devo passar de um ano e meio no exercício do cargo. Jânio [Quadros, que renunciou em 1961] ficou sete meses na Presidência. Eu já fui presidente mais tempo do que ele.
[Na campanha de 2002] Eu viajava pelo Nordeste e dizia que eu podia me mudar para aquela cidade, porque não adiantaria ficar em Brasília, que o Lula só ia viajar pelo Brasil, eu nunca ia precisar assumir a Presidência. Quem ia imaginar que ele fosse viajar tanto?

FOLHA - O senhor é empresário. Acha que o Brasil já saiu da crise?
ALENCAR -
O Brasil está crescendo, saiu da crise, está forte. E isso apesar da política monetária. Essa política monetária é...que adjetivo eu uso...um despropósito. É uma política equivocada, não a econômica, mas a monetária. Mais de 8% ao mês, em algumas áreas mais de 10%, enquanto o setor produtivo ganha muito menos.Controlar os juros serve para conter a inflação de demanda, coisa que o Brasil não precisa fazer. O Brasil precisa estimular o consumo. Mas o Brasil está crescendo apesar disso. Mostra como o Brasil é grande, é um colosso. Eu sempre falei isso nas reuniões internas. O presidente sabe das minhas opiniões.

FOLHA - Corrigir isso fica para o próximo governo?
ALENCAR -
Sempre há como reverter e mudar agora.

FOLHA - O mensalão mineiro do PSDB e o que envolve o PT estão no STF. O senhor acha que uma decisão deve ficar para depois das eleições?
ALENCAR -
Eu falo em tese, sem me referir a esses casos específicos. É preciso haver investigações rigorosas e detalhadas, não importa quem é o investigado. Sempre defendi isso. Eu acredito que todos são inocentes até se prove o contrário, mas o Brasil se tornou o país da impunidade. Isso é sério e precisa mudar. Não se pune a corrupção. Eu não vejo que isso está mudando.

FOLHA - O senhor é a favor da entrada da Venezuela no Mercosul?
ALENCAR -
Sou a favor. A Venezuela é um país importante. Atrás dela, abre-se espaço para a Colômbia, Equador. É natural que o Brasil defenda a ampliação do Mercosul, isso aumenta nossa influência regional. A Venezuela é um país, apesar de seu presidente, tem que ser vista como tal. Presidentes passam.

FOLHA - Sua vida mudou com o tratamento? Sente dor? Come de tudo?
ALENCAR -
Como até torresmo, só que não me dão para comer! O que me derem, eu como. Não sinto nada, essa é uma doença silenciosa. A quimioterapia traz efeitos colaterais, mas eu tenho sentido muito pouco.
Quase nada. Isso aí nós já temos experiência. E há também os antídotos para os efeitos colaterais. Eu não parei em nenhum momento em todo esse tempo. Normal. Hoje mesmo volto para Brasília para participar de uma agenda, despachar [como presidente em exercício], tem coisas para assinar.

FOLHA - A superexposição de sua doença incomoda?
ALENCAR -
O câncer do José Alencar não interessa a ninguém a não ser a ele, à família, aos amigos. Mas a doença do vice-presidente, essa sim, interessa, é pública. Por isso sempre fui muito transparente e não escondo nada. Até mesmo agora, com a boa notícia de que o tratamento está funcionando e que estamos indo bem.


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