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ENTREVISTA DA 2ª
JOSÉ ALENCAR
Se os eleitores quiserem, volto para o Senado
Após diversas cirurgias para combater tumores, vice-presidente diz que "já pensa em expectativa de cura", quando antes estava aceitando que ia morrer
Sergio Lima - 08.out.2009/Folha Imagem
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O vice-presidente, José Alencar, durante evento em Brasília |
ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL
SÃO 11h E JOSÉ ALENCAR senta na cama do
hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde
há duas horas recebe a dose quase semanal
de quimioterapia. Vai fazer um lanche. "Desculpa eu comer enquanto conversamos, mas ainda estou em jejum", diz ele. Come dois hambúrgueres e bebe um copo de leite, mostrando que o tratamento contra o sarcoma descoberto em 2006 não afetou seu apetite, ao passo que fala de saúde, política, família e eleições. Fica sério e se acomoda melhor ao repetir críticas à política monetária. Se emociona ao falar dos bons resultados no tratamento e o carinho que recebe
de brasileiros. "Eu hoje penso em expectativa de cura,
antes eu aceitava a ideia de que ia morrer", diz.
Em duas horas de entrevista, Alencar mostrou ainda ter o vigor necessário não só para terminar o mandato, mas para enfrentar uma campanha -projeto
que voltou a nutrir desde que soube da redução do tumor. "Se o eleitor permitir, volto para o Senado."
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
FOLHA - Como vai seu tratamento?
Os médicos falam em redução de
30% dos tumores.
JOSÉ ALENCAR - Os exames mostraram uma redução muito
grande nos tumores. Era uma
coisa que até não era esperada.
Estou passando muito bem,
não tive problema algum, trabalhando normal como se não
tivesse nada.
Além disso, há, e muita gente
não acredita, uma verdadeira
corrente no Brasil inteiro de
pessoas que me mandam cartas, mensagens, remédios, ervas, uma coisa nunca vista. O
que eu tenho recebido, o que
chega, não tem gabinete que
consiga catalogar. As manifestações são fantásticas.
Acho que Deus está nos ouvindo, porque parece uma vontade Dele de me curar. Hoje já
penso em expectativa de cura,
quando antes estava aceitando
a ideia de que ia morrer mesmo.
Mas as coisas mudaram.
FOLHA - O senhor havia dito que,
se chegasse aos 78 anos, seria como
renascer. Seu aniversário foi no mês
passado. Dá para fazer planos?
ALENCAR - Eu tenho que planejar tudo de novo. Passei por
uma operação em janeiro em
que não morri porque Deus não
quis, a coisa foi feia.
Sigo a orientação de Santo
Agostinho: "O homem deve viver preparado para morrer a
qualquer instante e proceder
como se não fosse morrer nunca". Sempre achei que a morte é
algo natural, nós todos vamos
morrer. Se Deus quiser me levar, ele não precisa de câncer.
Se ele não quiser que eu vá, não
há câncer que me leve. E isso
está acontecendo, porque estamos lutando contra o tumor há
bastante tempo, um tumor difícil. A gente fala "um tumor", mas
são vários. Hoje estou quase dizendo "eram vários".
FOLHA - E os planos políticos?
ALENCAR - Termina meu mandato no ano que vem, tenho
pensado sobre isso. Posso ser
muito útil na vida pública, mas
acho mais adequado para mim
um cargo no Legislativo, porque esse eu posso enfrentar e
dar uma grande contribuição.
Ao passo que no Executivo, na
minha idade, provavelmente
não fosse recomendado, porque a agenda é muito pesada. Se
Deus me curar, eu terei todas as
condições de ser candidato.
Se você perguntar "o que você
gostaria de fazer", [a resposta é]
eu gostaria de me candidatar ao
Senado. Vai depender do resultado dos exames. Se eu tiver
bem, eu posso levar meu nome.
Se os eleitores quiserem, eu
volto para o Senado.
FOLHA - Como o senhor acha que
serão as eleições de 2010?
ALENCAR - Todas as eleições são
difíceis. Eleição tem sempre
adversário. Há umas que são
menos penosas, mas difíceis todas são. Há três anos, nós fomos ao segundo turno. Tudo
indicava que devíamos ganhar
no primeiro turno, mas não ganhamos. Então, eleição não é
brincadeira.
FOLHA - Acha que chegou a hora de
Minas voltar a ter um presidente?
ALENCAR - Eu sinto que o Brasil
está com saudade de Minas.
Ainda que tenha na presidência
o Lula, e não tem nenhum outro presidente que obteve
maior sucesso do que ele no
exercício da Presidência.
FOLHA - Dilma [Rousseff, ministra
da Casa Civil] seria uma presidente à
altura do que Minas pode oferecer?
ALENCAR - Ela saiu de Minas há
muito tempo e vive no Rio
Grande do Sul, o que até contribui para que chegue ao governo
influência de dois Estados da
importância de Minas e do Rio
Grande do Sul no campo político. Esses dois Estados sempre
foram muito bem referendados. Tivemos o presidente Getúlio Vargas e tivemos o presidente Juscelino [Kubitschek],
que foram grandes presidentes.
A Dilma é mineira, porque nasceu em Minas, o umbigo dela
está enterrado em Minas. Então ela é mineira, e isso é bom.
Mas ela é também gaúcha, e isso é bom também.
FOLHA - Tem um outro pré-candidato mineiro...
ALENCAR - Eu respeito e admiro
o Aécio [Neves, PSDB, governador de Minas] desde antes de
ele nascer. Seus avô paterno,
Tristão Ferreira da Cunha, foi
um político admirável. E seu
avô materno, então [Tancredo
Neves], dispensa comentários.
Mas ele tem um problema para
resolver dentro do partido primeiro. Ele é jovem, tem muito
tempo pela frente [para ser
presidente]...
FOLHA - A população vai ouvir o
conselho de Lula ao votar?
ALENCAR - A gente vê que hoje o
eleitor esclarecido, inteligente,
quer ouvir o presidente antes
de votar. Porque ele acha que o
Brasil merece mais tempo de
bons governos. O que eu sinto é
que as pessoas desejam uma
continuidade desse trabalho
admirável que o Lula vem fazendo. E ele indica a Dilma. Como ministra da Casa Civil, ela é
uma espécie de superintendente, tudo passa pela Casa Civil.
Ela tem demonstrado grande
eficiência à frente do trabalho
que executa. Além disso, todo
mundo sabe que a Dilma é uma
mulher brava, não é braba, é
brava, em todos os sentidos. Ela
reúne condições para realizar
um excelente trabalho.
FOLHA - O senhor acha que os empresários estão com a Dilma?
ALENCAR - Ainda é muito cedo
para falar, tem um ano pela
frente. Mas quem a conhece fica bem impressionado.
FOLHA - Quais os méritos do seu
trabalho no governo?
ALENCAR - O presidente é o Lula. O mérito é dele. O trabalho
do vice é não atrapalhar.
FOLHA - Mas o senhor já ficou mais
de 400 dias no exercício da Presidência da República.
ALENCAR - Até o final do mandato, devo passar de um ano e
meio no exercício do cargo. Jânio [Quadros, que renunciou
em 1961] ficou sete meses na
Presidência. Eu já fui presidente mais tempo do que ele.
[Na campanha de 2002] Eu
viajava pelo Nordeste e dizia
que eu podia me mudar para
aquela cidade, porque não
adiantaria ficar em Brasília,
que o Lula só ia viajar pelo Brasil, eu nunca ia precisar assumir a Presidência. Quem ia
imaginar que ele fosse viajar
tanto?
FOLHA - O senhor é empresário.
Acha que o Brasil já saiu da crise?
ALENCAR - O Brasil está crescendo, saiu da crise, está forte.
E isso apesar da política monetária. Essa política monetária
é...que adjetivo eu uso...um despropósito. É uma política equivocada, não a econômica, mas a
monetária. Mais de 8% ao mês,
em algumas áreas mais de 10%,
enquanto o setor produtivo ganha muito menos.Controlar os
juros serve para conter a inflação de demanda, coisa que o
Brasil não precisa fazer. O Brasil precisa estimular o consumo. Mas o Brasil está crescendo apesar disso. Mostra como o
Brasil é grande, é um colosso.
Eu sempre falei isso nas reuniões internas. O presidente sabe das minhas opiniões.
FOLHA - Corrigir isso fica para o
próximo governo?
ALENCAR - Sempre há como reverter e mudar agora.
FOLHA - O mensalão mineiro do
PSDB e o que envolve o PT estão no
STF. O senhor acha que uma decisão
deve ficar para depois das eleições?
ALENCAR - Eu falo em tese, sem
me referir a esses casos específicos. É preciso haver investigações rigorosas e detalhadas,
não importa quem é o investigado. Sempre defendi isso. Eu
acredito que todos são inocentes até se prove o contrário,
mas o Brasil se tornou o país da
impunidade. Isso é sério e precisa mudar. Não se pune a corrupção. Eu não vejo que isso está mudando.
FOLHA - O senhor é a favor da entrada da Venezuela no Mercosul?
ALENCAR - Sou a favor. A Venezuela é um país importante.
Atrás dela, abre-se espaço para
a Colômbia, Equador. É natural
que o Brasil defenda a ampliação do Mercosul, isso aumenta
nossa influência regional.
A Venezuela é um país, apesar de seu presidente, tem que
ser vista como tal. Presidentes
passam.
FOLHA - Sua vida mudou com o tratamento? Sente dor? Come de tudo?
ALENCAR - Como até torresmo,
só que não me dão para comer!
O que me derem, eu como. Não
sinto nada, essa é uma doença
silenciosa. A quimioterapia
traz efeitos colaterais, mas eu
tenho sentido muito pouco.
Quase nada. Isso aí nós já temos experiência. E há também
os antídotos para os efeitos colaterais. Eu não parei em nenhum momento em todo esse
tempo. Normal. Hoje mesmo
volto para Brasília para participar de uma agenda, despachar
[como presidente em exercício], tem coisas para assinar.
FOLHA - A superexposição de sua
doença incomoda?
ALENCAR - O câncer do José
Alencar não interessa a ninguém a não ser a ele, à família,
aos amigos. Mas a doença do vice-presidente, essa sim, interessa, é pública. Por isso sempre fui muito transparente e
não escondo nada. Até mesmo
agora, com a boa notícia de que
o tratamento está funcionando
e que estamos indo bem.
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