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NO PLANALTO
Veja como você virou sócio de hospital "filantrópico"
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Já ouviu falar de Lael Varella? Não? Pois informe-se. Você é sócio dele num hospital de
Muriaé (MG). Embora privado,
foi erigido com o seu dinheiro.
Coisa de R$ 19,7 milhões.
A verba escorreu por um dreno
instalado no ministério de José
Serra. Jorrou ora da pasta da Saúde (R$ 15,9 milhões), ora de dutos
federais que fazem escala no governo mineiro (R$ 3,8 milhões).
Se você não é fanático pelo noticiário do Congresso, é natural que
o nome de Lael Varella lhe soe
pouco familiar. É um opaco deputado do pefelê mineiro, uma flor
que viceja à sombra, um mandato sem rosto.
Amealhou fortuna. É o maior
distribuidor Chevrolet de Belo
Horizonte. Possui revendas Scania em Minas, Goiás, Espírito
Santo e Brasília. É dono de rádios
e de transportadora. Fazendeiro,
cria gado e cavalos de raça.
Uma alma assim, tão empreendedora, não vem ao Congresso a
passeio. Natural que não tardasse
a farejar na comissão de Orçamento um portal de oportunidade$. Súbito, encantou-se pelo ramo hospitalar. Deu-se assim:
1) criou em 95 fundação que leva o nome de um filho morto no
ano anterior: Cristiano Varella. É
administrada por outros dois filhos do deputado, Misael e Luciano Varella. Embora não estivesse
voltada para a área médica, beliscou R$ 3,8 milhões do SUS entre
97 e 98. Repassou-os o governo
mineiro;
2) ainda em 98, firmou convênio com a pasta da Saúde: R$ 96
mil. A área técnica do ministério
alertou: a fundação não era credenciada ao SUS. Mas o secretário-executivo da Saúde, Barjas
Negri, autorizou a liberação
-"por determinação do senhor
ministro". Nota fiscal de abril de
99 registra a compra de "filmes de
raio-X". Constatou-se em abril de
2001 que, passados dois anos, o
material não fora entregue;
3) a bancada mineira no Congresso plantou no Orçamento de
99 despesa de R$ 9,5 milhões, para "construção, instalação e equipamento de hospital no Estado de
Minas Gerais". Ofício subscrito
por 50 congressistas mineiros pediu a José Serra que destinasse a
gaita à fundação de Lael Varella.
Construiria um hospital do câncer. A consultoria jurídica do ministério escreveu: é preciso comprovar "que a entidade é sem fins
lucrativos e que atua gratuitamente no atendimento à saúde".
No papel, a fundação não visa ao
lucro. Mas, de novo, não restou
comprovado que lidasse com medicina. Nenhum sinal de convênio com o SUS. Liberou-se a verba. O contrato traz o nome de Serra, mas foi firmado por Barjas
Negri. Previa repasses em 12 parcelas, abreviadas para cinco remessas. A última saiu em 21 de
outubro de 99. Dali a 13 dias, em 4
de setembro, Lael Varella modificou o estatuto de sua fundação,
injetando um hospital no organograma da entidade;
4) emenda do deputado Elias
Murad (PSDB-MG) destinou novos R$ 40 mil à fundação do colega mineiro. Os técnicos da Saúde
se opuseram. Alegaram que a entidade ainda não figurava no Datasus. O parecer consta da folha
16 do processo. Ignorando-o, Barjas Negri tocou o gasto;
5) em 2000, novas emendas, algumas do próprio Lael Varella,
presentearam a fundação com a
soma de R$ 4,2 milhões. Registraram-se atrasos na compra de
equipamentos. Cobrada, a entidade alegou que as aquisições estavam em curso. "Os recursos recebidos se encontram totalmente
aplicados no mercado financeiro
(...)." Prorrogaram-se datas de vigência de convênios. O último expira em fevereiro de 2002;
6) em contato com o maravilhoso mundo das verbas públicas, a
contabilidade da fundação experimentou jucunda prosperidade.
A escrituração de 95 registra resultado de mirrados R$ 9.000. Em
31 de dezembro de 2000, o saldo
era de R$ 18,1 milhões. Em 96,
anotaram-se ganhos de parcos R$
328,98 com aplicações financeiras. Em 2000, o valor saltou para
R$ 751 mil.
É o seguinte o resultado da farra: erigiu-se em Muriaé um vistoso hospital de tratamento do câncer. Abriu as portas faz sete meses.
Com capacidade para 3.000 atendimentos diários, acolhe, por ora,
algo como 50 doentes por dia.
Não está autorizado ainda a
realizar procedimentos complexos. Não há oncologistas em seus
quadros. Limita-se a triar pacientes, encaminhando-os a hospitais
de Juiz de Fora. Só na última
quarta-feira requereu registro no
SUS. Não paga impostos. Prepara-se para pedir à Previdência
atestado de filantropia. Ergue-se
à volta do hospital um complexo
que, depois de pronto, terá universidade, escola técnica, ginásio
poliesportivo, auditório e lojas.
Lael Varella diz ter tirado do
próprio bolso R$ 12 milhões. Marcelo Portilho, seu administrador,
afirma que o hospital, embora
não tenha realizado uma mísera
sessão de radioterapia, é "referência internacional" no combate ao
câncer. Barjas Negri calou-se. Repassou nota redigida meses atrás,
quando o tema começou a atrair
a curiosidade jornalística. Sustenta que seus procedimentos "foram
normais".
Acolhendo voto do ministro
Walton Alencar Rodrigues, o
TCU condenou o uso de adubo à
base de erva pública em horta privada. Lael Varella recorreu. Peregrinou por gabinetes do tribunal.
Relator do recurso, o ministro
Adylson Motta, um ex-deputado,
disse que a obra é legal. Votaram
com ele quatro ministros, todos
ex-parlamentares: Ubiratan
Aguiar, Iram Saraiva, Valmir
Campelo e Guilherme Palmeira.
A posição de Walton foi derrotada por cinco votos a três.
Aliviado, Lael Varella planeja
nova incursão pelo Orçamento.
Quer mais R$ 5 milhões para o
seu hospital. Há de levar. A austeridade do tucanato é seletiva. E o
TCU não está aí para estragar a
festa de ninguém. Nada de perguntas, gente.
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