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ENTREVISTA DA 2ª
Sócio-consultor da MCM critica câmaras setoriais e defende autonomia total para o BC
Governo terá de elevar juros, diz Senna
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O economista José Júlio Senna,
56, sócio-diretor da MCM Consultores Associados e um dos nomes que chegaram a ser cotados
para presidir o Banco Central do
novo governo, acha que será inevitável um novo aumento de juros
no apagar das luzes do governo
Fernando Henrique Cardoso para
conter a inflação. Ele aposta numa
subida dos juros básicos dos
atuais 22% ao ano para até 25%.
Doutor em economia pela
Johns Hopkins University (EUA),
Senna é professor licenciado da
Escola de Pós-Graduação em
Economia da Fundação Getúlio
Vargas. Ex-diretor do Banco Central (1985), Senna também defende a total autonomia operacional
do BC para o próximo governo.
Ele acha que o presidente do BC
do governo petista deve gozar da
mesma autonomia ao atual presidente, Armínio Fraga.
"Se os agentes econômicos perceberem que a autonomia operacional existe, mas que é precária,
ou seja, inferior a 100%, ficará
muito difícil para o Banco Central
inibir os ajustes espontâneos de
preços e os repasses de aumentos
de custos", afirma o economista.
Até o dia da entrevista, concedida na quarta-feira passada, no Rio
de Janeiro, em seu escritório, Senna não tinha sido convidado pelo
PT para ocupar a presidência do
Banco Central, apesar de seu nome frequentar a lista do partido
como um dos mais cotados para
ocupar o cargo. Sobre esse assunto, ele preferiu não falar.
Folha -O PT não está demorando
muito a escolher o presidente do
Banco Central?
José Júlio Senna - O mercado
tem demonstrado otimismo com
o que tem dito Antônio Palocci.
Ele tem demonstrado capacidade
excelente de administrar os conflitos. No campo fiscal, os sinais
emitidos por ele também são
muito bons. É preciso, no entanto, uma definição no tocante ao
arcabouço da política monetária.
Nesse caso, a qualidade das pessoas envolvidas é apenas um dos
aspectos, certamente necessário
para que se mantenha o processo
inflacionário sob controle, mas
não suficiente. É importante também que se conheçam bem as restrições que poderão existir para a
condução de uma política monetária independente.
Há pouco tempo, em entrevista
concedida à Folha, Palocci disse
que a independência do Banco
Central não era assunto para agora, mas reconhecia que a autonomia operacional era extremamente importante, num certo nível. Tal reconhecimento é de
grande relevância, mas é preciso
ir além, assegurando-se plena autonomia operacional para o BC.
Folha - O atual Banco Central
também não é independente.
Senna - O Banco Central sob Armínio Fraga não é formalmente
independente, já que não existe
um mandato fixo para a diretoria,
mas ele dispõe de um grau de autonomia operacional de 100%. O
sistema de metas de inflação ainda engatinha no Brasil, e os objetivos de política têm sido estabelecidos pelo Poder Executivo. No
futuro, talvez faça sentido que as
metas sejam ditadas pelo Congresso, que estaria expressando os
desejos da sociedade como um
todo, como acontece em outros
países.
De qualquer modo, Armínio
Fraga tem plena liberdade para
administrar os instrumentos monetários, com o objetivo de cumprir as metas que lhe são impostas. Na situação atual, é muito importante que os agentes econômicos tenham a convicção de que a
autoridade monetária agirá livremente e com total vigor no sentido de procurar inibir uma ação
remarcadora de preços. Se os
agentes econômicos perceberem
que a autonomia operacional
existe, mas que é precária, ou seja,
inferior a 100%, ficará muito difícil para o Banco Central inibir os
ajustes espontâneos de preços e os
repasses de aumentos de custos.
Folha - O senhor considera que o
novo governo deva mudar o sistema de metas de inflação?
Senna - É extremamente importante reconhecer que a meta ficou
irrealista demais. Banco Central
algum mira o topo de uma banda
de inflação. O alvo costuma ser o
ponto central. O ponto central da
inflação para o ano que vem é de
4%. Com margem, vai para 6,5%,
mas o que se tem de mirar é 4%. A
inflação observada já está em 11%.
Não faz sentido o Banco Central
continuar sustentando que seu
objetivo é 4%: ninguém vai acreditar. O pé na realidade é um ingrediente fundamental.
Folha - Mas a mudança de meta
não poderá arranhar a credibilidade do sistema de metas?
Senna - Não se muda uma meta
de inflação, como outros parâmetros de política econômica, impunemente. Custo vai ter. Agora o
custo pode ser maior ou menor.
Depende do que vem junto. Uma
maneira de mudar a meta de inflação de forma incorreta seria
afirmar que, em razão da revisão
dos números, abre-se espaço para
o crescimento econômico. Seria
um grande equívoco. A curtíssimo prazo, é até possível conseguir
um pouco mais de crescimento à
custa de mais inflação, mas, definitivamente, a teoria e a experiência internacional mostram que esses ganhos jamais serão permanentes. E a sociedade sabe disso.
Agora, se a mudança for feita, e
ao mesmo tempo for explicado
que tal alteração objetiva apenas
tornar a meta mais realista, por
causa dos inúmeros choques que
se abateram sobre a economia
brasileira nos últimos tempos,
possivelmente não se perderá a
credibilidade. O custo da mudança será bem modesto.
Folha - Não tem um componente
de medo de congelamento ou de
tabelamento nessa alta de preços?
Senna - Se o empresário começar a desconfiar que o Banco Central não será suficientemente austero, ele irá fazer as remarcações
de preços. Se houver a expectativa
de uma atitude vigorosa por parte
do Banco Central, creio que isso
pode compensar, em muito, o
medo de que movimentos do tipo
"pacto social" acabem interferindo na formação dos preços da
economia. Agora, se porventura
não se firmar a convicção de que o
Banco Central do futuro governo
perseguirá com firmeza o controle da inflação e, ao mesmo tempo,
tomar corpo o medo de mecanismos como o das câmaras setoriais, nesse caso, a coisa fica mais
complicada. Dificilmente um empresário dirige-se a uma negociação em câmara setorial, revelando, de início, seu preço mínimo.
Ele vai tentar começar com uma
margem superior àquela que aceitaria. Aliás, uma das coisas mais
importantes que devem ser feitas
é anunciar que essa história de câmaras setoriais irá para o fundo
da gaveta. Se anunciarem isso, será dada uma bela contribuição
para o controle da inflação.
Folha - O sr. acha que a negociação de preços por meio de câmaras
setoriais não surtirá efeito no combate à inflação?
Senna - A possibilidade de introdução desse mecanismo constitui
um elemento a mais de insegurança. Esse assunto me assusta.
No mundo inteiro, o combate à
inflação é feito com instrumentos
de política monetária. Diga-se de
passagem, a política monetária
tem se mostrado extremamente
eficaz no mundo. A inflação na região desenvolvida do planeta está
em torno de 2% ao ano, absolutamente imperceptível. O fato concreto é que evoluiu muito o grau
de conhecimento sobre a forma
ideal de se controlar o ritmo de
crescimento dos preços em geral.
Complementos heterodoxos só
atrapalhariam.
Folha - Nas últimas semanas, os
números divulgados de inflação
mostraram-se bem ruins. Muitos
analistas falam em bolha inflacionária. O sr. concorda com essa interpretação?
Senna - Não, não concordo. O
termo "bolha" dá a impressão de
um fenômeno que está prestes a
ser revertido e, principalmente,
de algo que nada tem a ver com os
chamados fundamentos macroeconômicos. Primeiro, não estamos perto do fim do processo. Segundo, o fenômeno parece perfeitamente explicável com base numa análise macroeconômica.
Folha - Como se explica, então, a
aceleração recente da inflação?
Senna - O processo atual pode
ser decomposto em quatro grandes etapas. Na primeira, tivemos
os choques que afetaram a economia brasileira, dentre os quais o
relacionado com a taxa de câmbio, que foi inegavelmente o mais
relevante. Na verdade, ele vem do
ano passado e tem sido o principal fator por trás do não-cumprimento das metas de inflação, tanto em 2001 quanto agora. A segunda fase é a da piora das expectativas, fenômeno este que tem
mais a ver com que o público espera acerca da condução das políticas monetária e fiscal do próximo governo do que propriamente
com o que já aconteceu.
Folha - Qual seria a terceira fase?
Senna - A terceira etapa acontece quando o crescimento dos preços de bens e serviços que nada
têm a ver com os choques começa
a se acelerar. A julgar pelos números relativos à inflação de novembro, acabamos de ingressar nessa
fase. A variável chave aqui é o
comportamento dos preços dos
chamados "non-tradeables"
[bens e serviços não-comercializáveis internacionalmente", que
nada têm a ver com a taxa de câmbio.
Folha - A quarta etapa seria a indexação?
Senna - Certamente. Mas ainda
estamos bem distantes dessa fase.
Para ser franco, meu grau de
preocupação com isso ainda é
baixo. Afinal, os principais dirigentes do partido vencedor das
eleições têm sido bastante enfáticos ao assinalar a importância de
ficarmos longe disso. Inegavelmente, a tarefa de combater a inflação torna-se muito mais árdua
quando se ingressa nessa fase.
Mas é preciso administrar a situação com firmeza e rapidamente.
Folha - O sr. acha inevitável um
novo aumento da taxa de juros?
Senna - Sim. É exatamente isso.
O fato relevante é o nosso ingresso na terceira fase. Ou seja, não
apenas as expectativas de inflação
pioraram significativamente nas
últimas semanas, como já estamos diante da contaminação dos
preços dos "non-tradeables". A
resposta da taxa de juros tem de
ser realmente firme. O aumento
do juro precisa ser mais forte do
que o da última reunião do Copom.
Folha - Mas faz faz sentido um
choque de juros, no apagar das luzes do governo?
Senna - Eu não sei se será um
choque, apesar de ser um aumento significativo se os juros passarem de 22% para 24% ou 25%. Os
atuais dirigentes do Banco Central são pessoas altamente responsáveis e sabem muito bem como fica difícil combater a inflação
depois que ela se instala, com raízes profundas.
Folha - O sr. acha que, mesmo
com o país em recessão, será necessário esse novo aumento de juros?
Senna - Em qualquer lugar do
mundo, os empresários estão
sempre a fim de reajustar seus
preços, seja espontaneamente, seja a título de repasse de aumento
de custos. O que inibe os agentes
econômicos a fazerem essas correções é exatamente a preocupação com o nível dos juros futuros.
Folha - O sr. acredita na volta do
crédito externo, a partir de 2003?
Senna - Eu acho que existe uma
incompreensão acerca da natureza desse problema de desequilíbrio externo. Tal questão tem
muito a ver com o ritmo de crescimento da economia de um país. O
crescimento é o fator que viabiliza
o pagamento de dívidas. Uma
economia com dificuldades de
crescer fatalmente encontrará
barreiras à obtenção de crédito. E
o Brasil tem apresentado um ritmo muito modesto de crescimento econômico. Nos últimos 20
anos, nossa taxa média de crescimento anual do PIB per capita foi
de 0,5% ao ano. É uma taxa muito
baixa. Ao mesmo tempo, o Brasil
não parou de se endividar. O crescimento do endividamento foi
significativo, principalmente no
governo Fernando Henrique.
Folha - Com juros altos, não será
mais difícil resgatar o crescimento?
Senna - À medida que o governo
encaminhe reformas estruturais
importantes para o Congresso, e
que isso seja bem aceito pelos parlamentares, começamos a abrir
espaço para sinalizar concretamente que o Brasil retomará o
crescimento mais adiante.
Folha - Quais as reformas mais
importantes?
Senna - Muitos acham que é a
reforma tributária. Ela me parece
absolutamente inviável se o objetivo continuar sendo o de reformar a estrutura de impostos mantendo-se constante a receita fiscal.
Todos os segmentos envolvidos
em qualquer negociação, em torno de uma mesa, esperam que a
carga tributária deles caia. Mas é
claro que só se pode reduzir a carga tributária se o gasto público estiver em queda. Por isso, eu não
tenho dúvidas em apontar a reforma da Previdência como muito mais importante do que a reforma tributária. A reforma tributária só passará a ser viável se o
gasto público se reduzir. Ninguém vai aceitar trocar os impostos de seis para meia dúzia. Não
quero dizer que a reforma tributária não seja importante. É importantíssima. O aumento da carga
tributária dos últimos anos representou um entrave brutal para o
crescimento econômico. Na Ásia
e na América Latina, a média da
carga tributária é de 20% do PIB.
O Brasil estará encerrando este
ano com um peso tributário equivalente a 37% do PIB. Mas só dá
para diminuir essa enorme carga
se o gasto público estiver contido.
Sem isso, o governo Lula estará
fadado a engordar o número de
anos de crescimento baixo da
economia.
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