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São Paulo, terça-feira, 09 de dezembro de 2003

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OPERAÇÃO ANACONDA

Declarações de renda não registram casas compradas em condomínio da Flórida por US$ 43 mil cada uma

Juiz e ex-mulher omitiram imóveis nos EUA

RUBENS VALENTE
MÁRIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O juiz federal da 4ª Vara Criminal de São Paulo, João Carlos da Rocha Mattos, e sua ex-mulher Norma Regina Emílio Cunha omitiram de declarações à Receita Federal a propriedade de pelo menos quatro casas num condomínio fechado na Flórida, no sul dos Estados Unidos.
Documentos sobre as propriedades -aos quais a Folha teve acesso- integram conjunto de itens apreendidos no apartamento de Norma. Ao todo, os papéis ultrapassam 4.000 páginas.
As casas foram registradas em nome de Rocha Mattos, Norma e seu irmão, Julio Emilio. O condomínio no qual o juiz e sua ex-mulher compraram casas fica em Kissimmee, ao lado de Orlando, a cerca de 15 km da Disney World.

Negócio de US$ 200 mil
O proprietário do condomínio, o norte-americano Lincoln Motta, disse ontem à Folha, por telefone, que cada unidade foi vendida por cerca de US$ 43 mil.
Ele contou, da Flórida, que conheceu Rocha Mattos na década de 80 ("eu diria 1985"): "Eu convenci o João a ter o filho nos Estados Unidos para ele ter dupla cidadania". De fato, o filho de 13 anos do juiz e de Norma Emílio Cunha nasceu em Orlando.
Motta disse, também, que aconselhou o juiz a investir num condomínio que construíra, chamado Foxhall pela abundância de esquilos na área.
Segundo Motta, o juiz investiu cerca de US$ 200 mil no Foxhall e comprou também casas em outros condomínios. Ele não lembra exatamente quantas casas o juiz comprou. "Eu tenho mais de cem propriedades e não dá para lembrar de tudo", afirmou.
Rocha Mattos topou entrar no negócio, de acordo com Motta, mas não desembolsou nada. "A propriedade pagava-se por si mesma. O aluguel era maior do que a prestação", disse. O aluguel, afirmou, era de cerca de US$ 1.000 por mês e a prestação, US$ 900.
Por razões que Motta não explicou, ele diz que pegou de volta quatro casas porque Rocha Mattos não honrou os pagamentos.
O empresário, que no início da entrevista dissera que o juiz "é como se fosse da minha família; que vergonha é essa prisão", mudou sua avaliação ao final da conversa: "Eu desmanchei o relacionamento porque tinha muita suspeita sobre o João". Ele disse que as casas foram compradas por meio de um acordo verbal com o juiz.
O vendedor das casas teve um avião Rockwell-Comander apreendido pela Polícia Federal em 1ª de junho de 1987 no aeroporto de Congonhas (SP), sob acusação de transportar material contrabandeado.
A apreensão gerou um inquérito policial e um processo na 2ª Vara da Justiça Federal de São Paulo. Cópia de parte desse processo também foi achada no apartamento de Norma.
Motta alegou à época que só trazia em seu avião produtos legais, no limite permitido pela Receita, e que foi vítima de arbitrariedade da polícia brasileira.
O advogado de Motta nesse processo foi Carlos Alberto da Costa Silva -também preso na Operação Anaconda.
Costa Silva é procurador da "offshore" de donos desconhecidos Cadiwel Company, do Uruguai, proprietária do apartamento do juiz em Higienópolis.
O advogado de Norma, Paulo Esteves, reconheceu que sua cliente não declarou propriedades nos EUA à Receita Federal. A advogada de Rocha Mattos, Carla Domenico, disse desconhecer o assunto.

Gastos com as casas
Uma prestação de contas que vai de 1990 a 1991, referente a três casas da família Rocha Mattos no condomínio, foi apreendida junto com papelada de Norma.
O documento mostra que o juiz e sua ex-mulher gastaram US$ 107.846 até o dia 8 de julho de 1991 nos Estados Unidos com a manutenção dos imóveis em Foxhall. Não se sabe se os gastos foram cobertos ou não pelos inquilinos.
Uma das casas quase foi leiloada na Flórida pela falta de pagamento de US$ 8.960 em taxas públicas. Entre os documentos apreendidos na casa de Norma há uma mensagem que revela a atuação do doleiro Sandor Figueiredo, dono da casa de câmbio Suntur, para impedir que um imóvel registrado em nome de Norma no condomínio fosse levado a leilão. O pagamento de taxas mostra que ela tinha o imóvel até o ano passado.
Em 7 de março de 2002, Sandor recebeu um fax de Renato Scaff, que se identifica como "amigo" do doleiro, representante de uma empresa de Miami, pelo qual informou que as taxas devidas foram pagas e Norma não seria mais executada judicialmente.
A dívida foi paga por uma transferência de dinheiro do Northern Trust Bank, onde Norma tinha aberto uma conta nos anos 90.
A operadora de câmbio Suntur sofreu uma devassa da Operação Anaconda há duas semanas. A PF estava atrás de documentos que relacionassem a empresa à lavagem de dinheiro da suposta quadrilha que teria ramificações na Justiça Federal.
No apartamento da ex-auditora da Receita Federal, também foram achadas cópias das declarações de Imposto de Renda de Rocha Mattos de 1992, 1999, 2000 e 2002 e das declarações de Norma de 1989, 1992, 1993, 1995, 1997, 1999 e 2001. Nenhuma delas cita os imóveis da Flórida.


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