São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 1999

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CELSO PINTO
Uma revolução fiscal

A moratória de Itamar Franco e a pressão de outros governadores para renegociar as dívidas seriam inúteis se já estivesse em vigor a Lei de Responsabilidade Fiscal, que o governo quer aprovar ainda neste ano.
O artigo 99 do anteprojeto da nova lei proíbe a União de conceder qualquer crédito a Estados, municípios, Distrito Federal ou entidades de administração indireta, "ainda que na forma de refinanciamento ou postergação de dívidas contraídas anteriormente". A exceção é a concessão de garantias e repasse de recursos originados de operações externas.
A renegociação das dívidas estaduais foi baseada numa resolução do Senado. Com a nova lei, o Senado poderia até aprovar renegociações, mas o Tesouro estaria impedido de cumpri-las.
Esse é apenas um dos muitos aspectos que tornam a Lei de Responsabilidade Fiscal uma revolução na história das finanças públicas do país. Em rigor, com a lei em vigor, seria praticamente impossível chegar a uma situação fiscal de penúria nos Estados. A lei cria instrumentos que impedem um descontrole, obriga a correções automáticas e responsabiliza os administradores irresponsáveis.
O secretário-executivo do Ministério de Orçamento e Gestão, Martus Tavares, diz que a moratória de Itamar "reforça ainda mais a necessidade de ter instrumentos prévios de controle". A moratória, a seu ver, obrigará o governo a ser "ainda mais duro" na questão da dívida estadual.
Ele não acha que comprometer 13% da receita líquida com o pagamento da dívida represente um esforço exagerado. "Significa um esforço, mas é preciso, de fato, fazer o ajuste fiscal nos Estados."
A Lei de Responsabilidade Fiscal inova em vários aspectos cruciais. Fixa limites para o endividamento dos vários níveis de governo. A Constituição dá ao Senado poderes na área de endividamento dos Estados. O artigo 52, contudo, diz que cabe ao Senado "fixar, por proposta do presidente, limites globais" para as dívidas dos vários níveis de governo.
Por essa razão, os limites previstos com base na nova lei só poderão ser alterados por meio de nova proposta presidencial. Acaba, portanto, com a brecha que permitia ao Senado ampliar o endividamento dos Estados à revelia do Executivo.
A lei foi discutida com o mercado financeiro e, nesta quinta-feira, com a Associação Brasileira das Secretarias da Fazenda das Capitais, a Abrasf. A receptividade foi boa.
José Roberto Afonso, chefe da Secretaria de Assuntos Fiscais do BNDES, presente na discussão, diz que, de forma geral, os secretários, tanto em nível estadual quanto municipal, vêem as regras e limites da nova lei como uma forma de defesa contra pressões políticas indevidas. Haverá punições penais para quem não cumprir as regras.
Os secretários municipais levantaram uma sugestão interessante: que a lei regule os gastos com pessoal não só por nível de governo, mas por esferas de Poder. O Executivo não controla gastos do Judiciário e do Legislativo, mas tem que cumprir a regra geral da Lei Camata que limita os gastos com pessoal a 60% da receita líquida.
A sugestão é que se diga, por exemplo, que, dos 60%, digamos que 10% caberiam ao Legislativo, e 5%, ao Judiciário. Apenas o Poder, ou os Poderes, que se desviassem da meta teriam que se ajustar. O governo gostou da idéia.
Como se sabe, uma outra lei em tramitação dá prazo até o final do próximo ano para o ajuste completo ao limite da Lei Camata, dois terços dos quais até o final deste ano.
Outra idéia interessante dos municípios é transformar os Adiantamentos de Receita Orçamentária (AROs) numa espécie de cheque especial. Os AROs deveriam ser empréstimos de curtíssimo prazo para cobrir desequilíbrios temporários de caixa, mas muitos abusaram de seu uso. A sugestão é permitir o uso de um cheque especial pelos municípios, mais flexível do que um empréstimo, mas com limites estritos e que teriam que ser zerados 15 dias antes do fim de cada ano.
Depois das discussões públicas, o governo vai consolidar um novo anteprojeto e enviá-lo ao Congresso em fevereiro. Tavares espera que a tramitação comece em março e se complete no segundo semestre. Como lei complementar, ela exige maioria qualificada (50% mais um) para ser aprovada mas, em compensação, é mais difícil de ser mexida.




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