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Elio Gaspari
Quem crê no Planalto faz papel de bobo
Esquecem-se da lição do juiz Louis Brandeis: "A luz do sol é o
melhor dos desinfetantes"
PRESIDIDO POR UMA "metamorfose ambulante", o governo está detonando a credibilidade que os contribuintes
precisam dispensar ao poder público. Precisam, porque pagam para
ser governados por pessoas confiáveis. Em três episódios, quem acreditou no governo fez papel de bobo.
São eles o do uso dos cartões de crédito por funcionários da Presidência, o alcance do desmatamento da
Amazônia e a reação oficial ao embargo das importações de carne pela União Européia.
A Presidência da República teve
três anos para lidar a sério com os
seus cartões de crédito corporativos. Em vez de respeitar a patuléia,
o Planalto entrincheirou-se, bloqueando pedidos de informações
apresentados no Senado. Coisa do
comissariado, pois os cartões são
transparentes e rastreáveis. Além
disso, o Tribunal de Contas teria
acesso a todos os extratos. Tudo o
que o governo fez nos últimos dias
poderia ter sido feito em 2005, mas
prevaleceu a prepotência. Ela persiste na tentativa de blindar as contas da pequena corte de Nosso Guia.
No caso do desmatamento da
Amazônia, no dia 24 de janeiro Lula
fez saber que estava preocupado com a
expansão da rapina da floresta. Seis
dias depois, assessorado pela turma da
motosserra, sugeriu que o Ministério
do Meio Ambiente estava fazendo
"alarde". O ponto de vista do ministro
da Agricultura, Reinhold Stephanes,
prevaleceu sobre o da ministra Marina
Silva.
Tudo bem, Stephanes merece crédito. Eis que no dia 30 de janeiro a União
Européia decide embargar as importações de carne brasileira. Seu ministério respondeu que "a medida é desnecessária, desproporcional e injustificada". Se a choldra tivesse acreditado nele, teria ficado no papel do paspalho. O
governo sabia que cederia, pois tentara
um golpe de João Sem Braço, enviando
a Bruxelas uma lista de 2.681 produtores, quando a UE queria 300. Uma semana depois, o Ministério da Agricultura anunciou que enviaria uma nova
lista, com 600 fazendas. À patuléia,
ofereceu-se uma patranha, segundo a
qual em 2.081 casos haviam sido cometidas impropriedades. Se Stephanes
trabalha com uma margem de erro parecida (78%), a agricultura nacional está perdida. O comissariado esqueceu a
lição do juiz americano Louis Brandeis
(1856-1941): "A luz do sol é o melhor
dos desinfetantes".
UM CORONEL COM A CABEÇA NO SETECENTOS
No mesmo dia em que o vitorioso bicheiro Aniz Abraão David desfilou em carro do Corpo
de Bombeiros e foi festejado na
quadra da Beija-Flor com o refrão "Anízio é simplicidade,
Anízio é dignidade", o coronel
da PM Marcus Jardim foi escolhido para o comando do patrulhamento da cidade do Rio
de Janeiro. Acusado de integrar uma quadrilha de contraventores que comprava sentenças judiciais, Anízio passou
sete meses na cadeia da Polícia
Federal.
Assim como o general George Patton associou seu nome
ao avanço dos blindados pela
Europa, Jardim comandou os
Caveirões e a tropa da PM que
marcharam sobre o Complexo
do Alemão. Numa das batalhas, disse que "este ano será
lembrado por três pês: Pan,
PAC e Pau".
A piada dos três pês têm quase 300 anos e talvez sugira um
samba-enredo ao benemérito
Anízio. Poderia se chamar
"Cultura e Opulência do Brasil
do padre André João Antonil".
Em 1711, ele escreveu o seguinte: "No Brasil, costumam dizer
que para o escravo são necessários três PPP, a saber, pau,
pão e pano".
O padre Antonil era ligado à
ONG dos jesuítas, condenava a
jogatina e oferecia conselhos
práticos:
"Aos feitores de nenhuma
maneira se deve consentir o
dar coices, principalmente nas
barrigas das mulheres que andam pejadas, nem dar com pau
nos escravos, porque na cólera
se não medem os golpes, e podem ferir mortalmente na cabeça a um escravo de muito
préstimo, que vale muito dinheiro, e perdê-lo."
GARIBALDI E ALVES
O presidente do Senado, Garibaldi Alves, disse na abertura dos
trabalhos legislativos que as medidas provisórias produziram
"um Congresso transformado em
quarto de despejo de um presidencialismo de matiz absoluta".
Nos próximos meses vai-se saber
se falou como Garibaldi, o combatente da Revolução Farroupilha, ou como Alves, o guardião
dos interesses de um clã que há
meio século disputa e partilha o
poder no Rio Grande do Norte. Se
falou como Alves, o Planalto terá
muito trabalho para satisfazer a
voracidade do PMDB.
O RONCO DA RUA
Uma frase do príncipe negro
Vernon Jordan mostra o tamanho do estrago que Barack Obama fez nas pretensões presidenciais de Hillary Clinton. Depois
da Superterça, ele disse: "É duro
disputar contra um movimento".
Vinda de outra pessoa, essa frase
seria banal, mas Jordan é um oráculo septuagenário. Entende de
movimento, pois participou das
campanhas para romper a segregação racial nas universidades,
nos anos 60. Tendo começado a
vida como chofer, tornou-se um
dos lobistas mais poderosos de
Washington, sócio do banco Lazard Freres e membro do conselho de administração de algumas
das maiores empresas do país.
Jordan conheceu Hillary Clinton em 1969 (antes de Bill), e é
um dos melhores amigos do casal, mesmo tendo arrumado um
emprego para Monica Lewinsky,
numa tentativa de selar seus lábios. Nos anos 70, passeou o desconhecido Clinton pelo seu círculo de amizades em Washington. Em 2003, fez a mesma coisa
com Barack Obama, candidato ao
Senado.
O príncipe apóia Hillary, diz
que "ela é minha amiga, e eu não
troco amizade por raça", mas está
ouvindo o ronco da rua.
ESCOLHA TUCANA
O governador José Serra pode escolher entre dois caminhos: copia rápido a ferramenta de transparência do portal da
Controladoria Geral da União e
mostra as minúcias das despesas feitas com o uso de cartões
de plástico por seu governo.
(São Paulo movimentou R$ 108
milhões, contra R$ 77 milhões
de Brasília.) Se preferir, replica
o padrão de prepotência adotado pelo comissariado federal
em 2004. O preço desse tipo de
conduta está na vitrine.
Ao contrário do que sucedia
na cúpula federal, o primeiro
escalão do governo paulista não
têm cartões. Mais um motivo
para botar as contas na internet. Parece piada a explicação
do secretário da Fazenda de
Serra, Mauro Ricardo Costa,
lembrando que os curiosos podem requerer informações ao
governo. Que tal começar contando o que foi comprado por
R$ 977 na Presentes Mickey?
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota, fez um
estágio no jornal "Granma", do
comandante Fidel, e acredita
que um dia conseguirá trabalhar numa redação dirigida pelo comissário Tarso Genro.
De sua cadeira de ministro da
Justiça, ele deu um parecer sobre a farra dos cartões e disse
que "essa cobertura está completamente equivocada. O que
permitiu a detecção do problema foi a transparência do governo. Não podem transformar
isso em culpabilidade". O idiota
acha que a verdadeira origem
do problema esteve na prática
da malfeitoria. Há milhares de
pessoas nas penitenciárias nacionais prontas para explicar
ao ministro da Justiça que,
mesmo tendo ofendido a lei, foram prejudicadas por "coberturas equivocadas".
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