São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2008

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Elio Gaspari

Quem crê no Planalto faz papel de bobo

Esquecem-se da lição do juiz Louis Brandeis: "A luz do sol é o melhor dos desinfetantes"

PRESIDIDO POR UMA "metamorfose ambulante", o governo está detonando a credibilidade que os contribuintes precisam dispensar ao poder público. Precisam, porque pagam para ser governados por pessoas confiáveis. Em três episódios, quem acreditou no governo fez papel de bobo. São eles o do uso dos cartões de crédito por funcionários da Presidência, o alcance do desmatamento da Amazônia e a reação oficial ao embargo das importações de carne pela União Européia.
A Presidência da República teve três anos para lidar a sério com os seus cartões de crédito corporativos. Em vez de respeitar a patuléia, o Planalto entrincheirou-se, bloqueando pedidos de informações apresentados no Senado. Coisa do comissariado, pois os cartões são transparentes e rastreáveis. Além disso, o Tribunal de Contas teria acesso a todos os extratos. Tudo o que o governo fez nos últimos dias poderia ter sido feito em 2005, mas prevaleceu a prepotência. Ela persiste na tentativa de blindar as contas da pequena corte de Nosso Guia.
No caso do desmatamento da Amazônia, no dia 24 de janeiro Lula fez saber que estava preocupado com a expansão da rapina da floresta. Seis dias depois, assessorado pela turma da motosserra, sugeriu que o Ministério do Meio Ambiente estava fazendo "alarde". O ponto de vista do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, prevaleceu sobre o da ministra Marina Silva.
Tudo bem, Stephanes merece crédito. Eis que no dia 30 de janeiro a União Européia decide embargar as importações de carne brasileira. Seu ministério respondeu que "a medida é desnecessária, desproporcional e injustificada". Se a choldra tivesse acreditado nele, teria ficado no papel do paspalho. O governo sabia que cederia, pois tentara um golpe de João Sem Braço, enviando a Bruxelas uma lista de 2.681 produtores, quando a UE queria 300. Uma semana depois, o Ministério da Agricultura anunciou que enviaria uma nova lista, com 600 fazendas. À patuléia, ofereceu-se uma patranha, segundo a qual em 2.081 casos haviam sido cometidas impropriedades. Se Stephanes trabalha com uma margem de erro parecida (78%), a agricultura nacional está perdida. O comissariado esqueceu a lição do juiz americano Louis Brandeis (1856-1941): "A luz do sol é o melhor dos desinfetantes".

UM CORONEL COM A CABEÇA NO SETECENTOS
No mesmo dia em que o vitorioso bicheiro Aniz Abraão David desfilou em carro do Corpo de Bombeiros e foi festejado na quadra da Beija-Flor com o refrão "Anízio é simplicidade, Anízio é dignidade", o coronel da PM Marcus Jardim foi escolhido para o comando do patrulhamento da cidade do Rio de Janeiro. Acusado de integrar uma quadrilha de contraventores que comprava sentenças judiciais, Anízio passou sete meses na cadeia da Polícia Federal.
Assim como o general George Patton associou seu nome ao avanço dos blindados pela Europa, Jardim comandou os Caveirões e a tropa da PM que marcharam sobre o Complexo do Alemão. Numa das batalhas, disse que "este ano será lembrado por três pês: Pan, PAC e Pau".
A piada dos três pês têm quase 300 anos e talvez sugira um samba-enredo ao benemérito Anízio. Poderia se chamar "Cultura e Opulência do Brasil do padre André João Antonil". Em 1711, ele escreveu o seguinte: "No Brasil, costumam dizer que para o escravo são necessários três PPP, a saber, pau, pão e pano".
O padre Antonil era ligado à ONG dos jesuítas, condenava a jogatina e oferecia conselhos práticos:
"Aos feitores de nenhuma maneira se deve consentir o dar coices, principalmente nas barrigas das mulheres que andam pejadas, nem dar com pau nos escravos, porque na cólera se não medem os golpes, e podem ferir mortalmente na cabeça a um escravo de muito préstimo, que vale muito dinheiro, e perdê-lo."

GARIBALDI E ALVES
O presidente do Senado, Garibaldi Alves, disse na abertura dos trabalhos legislativos que as medidas provisórias produziram "um Congresso transformado em quarto de despejo de um presidencialismo de matiz absoluta". Nos próximos meses vai-se saber se falou como Garibaldi, o combatente da Revolução Farroupilha, ou como Alves, o guardião dos interesses de um clã que há meio século disputa e partilha o poder no Rio Grande do Norte. Se falou como Alves, o Planalto terá muito trabalho para satisfazer a voracidade do PMDB.

O RONCO DA RUA
Uma frase do príncipe negro Vernon Jordan mostra o tamanho do estrago que Barack Obama fez nas pretensões presidenciais de Hillary Clinton. Depois da Superterça, ele disse: "É duro disputar contra um movimento". Vinda de outra pessoa, essa frase seria banal, mas Jordan é um oráculo septuagenário. Entende de movimento, pois participou das campanhas para romper a segregação racial nas universidades, nos anos 60. Tendo começado a vida como chofer, tornou-se um dos lobistas mais poderosos de Washington, sócio do banco Lazard Freres e membro do conselho de administração de algumas das maiores empresas do país.
Jordan conheceu Hillary Clinton em 1969 (antes de Bill), e é um dos melhores amigos do casal, mesmo tendo arrumado um emprego para Monica Lewinsky, numa tentativa de selar seus lábios. Nos anos 70, passeou o desconhecido Clinton pelo seu círculo de amizades em Washington. Em 2003, fez a mesma coisa com Barack Obama, candidato ao Senado.
O príncipe apóia Hillary, diz que "ela é minha amiga, e eu não troco amizade por raça", mas está ouvindo o ronco da rua.

ESCOLHA TUCANA
O governador José Serra pode escolher entre dois caminhos: copia rápido a ferramenta de transparência do portal da Controladoria Geral da União e mostra as minúcias das despesas feitas com o uso de cartões de plástico por seu governo. (São Paulo movimentou R$ 108 milhões, contra R$ 77 milhões de Brasília.) Se preferir, replica o padrão de prepotência adotado pelo comissariado federal em 2004. O preço desse tipo de conduta está na vitrine.
Ao contrário do que sucedia na cúpula federal, o primeiro escalão do governo paulista não têm cartões. Mais um motivo para botar as contas na internet. Parece piada a explicação do secretário da Fazenda de Serra, Mauro Ricardo Costa, lembrando que os curiosos podem requerer informações ao governo. Que tal começar contando o que foi comprado por R$ 977 na Presentes Mickey?

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota, fez um estágio no jornal "Granma", do comandante Fidel, e acredita que um dia conseguirá trabalhar numa redação dirigida pelo comissário Tarso Genro.
De sua cadeira de ministro da Justiça, ele deu um parecer sobre a farra dos cartões e disse que "essa cobertura está completamente equivocada. O que permitiu a detecção do problema foi a transparência do governo. Não podem transformar isso em culpabilidade". O idiota acha que a verdadeira origem do problema esteve na prática da malfeitoria. Há milhares de pessoas nas penitenciárias nacionais prontas para explicar ao ministro da Justiça que, mesmo tendo ofendido a lei, foram prejudicadas por "coberturas equivocadas".


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