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Angolano relembra domínio brasileiro
CRISTINA GRILLO
da Sucursal do Rio
Durante um século -entre
1648 e fim dos anos 1740-, o Brasil dominou Angola, ocupando as
funções de Portugal no controle
da colônia e do tráfico de escravos. O domínio começou com o
envio de uma armada financiada
por comerciantes brasileiros para
reconquistar Angola, então sob o
domínio dos holandeses.
De acordo com o angolano José
Gonçalves, 50, pesquisador do
Centro de Estudos Afro-Asiáticos
da Universidade Cândido Mendes, no Rio, a ocupação brasileira
em Angola foi o início de uma relação que, até hoje, alterna momentos de aproximação e rejeição. "Houve muita repressão em
Angola, após a expulsão dos holandeses. Os brasileiros estavam
lá para garantir o tráfico de escravos", diz Gonçalves. Leia entrevista do pesquisador à Folha.
Folha - Como era a relação entre Brasil, Portugal e Angola nos
séculos 16 e 17?
José Gonçalves - Portugal tinha
o mesmo projeto, de expansão
mercantilista, para os dois países.
Como os portugueses haviam
perdido as colônias da Ásia, tiveram de se concentrar no Brasil,
como produtor, e em Angola, como fornecedor de mão-de-obra.
Luanda é a primeira grande cidade africana fundada pelos europeus, em 1575. Quando os portugueses perdem a independência para a Espanha (1580-1640), só
têm Angola e Brasil. O comércio
de escravos e de açúcar dava um
lucro fenomenal, o que desperta o
interesse da Holanda, que toma o
que pode de Portugal (a invasão
holandesa durou de 1624 a 1654).
Em 1637, instala-se em Pernambuco o conde Maurício de Nassau. Ele percebe que faltava mão-de-obra na região e que essa mão-de-obra estava em Angola.
Folha - O que acontece então?
Gonçalves - Nassau diz a Amsterdã que, para segurar Pernambuco, precisa de Angola. E os holandeses a tomam em 1641.
Folha - Durou muito tempo o
domínio holandês em Angola?
Gonçalves - Não. Em 1648, as
coisas já estão mudando no Nordeste e os portugueses já têm Pernambuco praticamente de volta.
O rei de Portugal autoriza a retomada de Angola, mas não manda
tropas. Quem o faz são os comerciantes do Rio, que se juntam para
pagar uma armada e tomam Angola dos holandeses em 1648.
Folha - Houve resistência dos
holandeses?
Gonçalves - Não. Como eles já
estavam perdendo o Nordeste,
Angola já não interessava. Em um
dia, a armada brasileira tomou
Luanda. A partir daí, todos os cargos importantes do governo eram
ocupados por pessoas vindas do
Brasil -governador-geral, bispo
e comandante militar. E isso por
quase um século.
Folha - Os governantes de Angola após a retomada eram brasileiros ou portugueses que moravam no Brasil?
Gonçalves - Havia as duas coisas. O que se pode dizer é que
eram figuras muito repressoras. A
escravatura, para eles, era um valor absoluto e a presença deles em
Angola era para garantir o tráfico
de escravos para o Brasil.
Folha - Como terminou o domínio brasileiro em Angola?
Gonçalves - Ao fim de quase
um século de domínio brasileiro,
Lisboa se assusta. O Brasil estava
ganhando força. Por volta de
1750, Portugal tira de Angola todos os funcionários ligados ao
Brasil e coloca partidários da Metropóle. Na Inconfidência Mineira, Portugal já retomara o controle, tanto que alguns dos conspiradores são degredados para lá.
Quando começa a haver uma
repressão política no Brasil, Angola passa a admirar o país. Mas
isso muda novamente com a Independência. Alguns setores angolanos chegam a pensar em
acompanhar o Brasil, mas os mais
críticos, ou mais à esquerda, percebem que o Brasil queria a Independência de Angola para ampliar seu domínio e manter o fluxo de escravos.
Folha - A "antipatia" persiste
por muito tempo?
Gonçalves - Ela desaparece no
período da proclamação da República, porque também havia um
movimento republicano em Angola. Como não havia mais escravatura, os angolanos percebem
que o interesse brasileiro no país
não tem mais relação com a importação de mão-de-obra. A partir do início do século 20, todos os
movimentos nacionalistas que
surgiram em Angola têm alguma
ligação com o Brasil. A ligação se
intensifica depois da Segunda
Guerra Mundial, quando intelectuais brasileiros e angolanos estreitam contatos. Há muitos intelectuais brasileiros citados em
processos políticos em Angola,
por incentivar a luta contra o domínio português. Nos anos 60,
com Jânio Quadros, os contatos
aumentam, mas a aproximação
cessa com o golpe militar de 1964.
Folha - Qual foi o impacto de
1964 nas questões angolanas?
Gonçalves - Naquele momento,
Portugal estava isolado no mundo, mas os militares no poder voltam a apoiar as políticas colonialistas do salazarismo. Depois, os
militares passam a se envergonhar. Quando há a Revolução de
Abril de 1974 em Portugal, e logo
depois ganham força os movimentos de Independência de Angola, o Brasil não os apóia. Isso
causou atritos entre os dois países, mas o então chefe do departamento de África do Itamaraty,
Ítalo Zappa, consegue fazer com
que o Brasil fosse o primeiro país
a reconhecer a Independência de
Angola, em 1975.
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