São Paulo, sábado, 10 de abril de 2004

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CAMPO MINADO

Alerta foi feito por dom Geraldo Majella, presidente da entidade

Brasil não pode esperar por reforma agrária, diz CNBB

LUIZ FRANCISCO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SALVADOR

O presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Geraldo Majella Agnelo, 70, disse "que o Brasil não pode mais esperar pela reforma agrária". "O Brasil não pode esperar que se faça um bolo gostoso para repartir com todo mundo", disse o cardeal primaz do Brasil.
Ao fazer uma referência a "bolo gostoso", o cardeal sugeriu que a população mais carente, como os sem-terra, não pode esperar pela retomada do crescimento da economia para que o governo possa solucionar as questões sociais mais prementes.
O cardeal voltou a defender a reforma agrária. "Até 30 anos atrás, 80% da população estava no campo. Hoje, acontece exatamente o contrário, o que é muito mais preocupante."
De acordo com dom Geraldo Majella, o crescimento desordenado das grandes cidades é o principal fator para o elevado índice de desemprego registrado no Brasil. As declarações do cardeal foram dadas anteontem à noite, após participar de uma cerimônia religiosa, na Catedral Basílica de Salvador, no Terreiro de Jesus (centro histórico da cidade).
Na mesma noite, cerca de 12 mil trabalhadores rurais ligados ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) deixavam a propriedade da empresa Veracel, uma das maiores multinacionais do país, em Porto Seguro (705 km ao sul de Salvador), que havia sido invadida na madrugada da última segunda-feira.
Os sem-terra destruíram 25 hectares de eucaliptos e plantaram arroz, milho e mandioca. Após a desocupação, cerca de 1.500 famílias (aproximadamente 6.000 pessoas) retornaram para o lado de fora da cerca que separa a estrada da propriedade.
A tomada da fazenda em Porto Seguro pelos sem-terra ocorreu dentro da onda de invasões -chamada de "jornada de luta" ou de "abril vermelho"- que foi deflagrada em 27 de março. O objetivo do movimento é pressionar o governo para apressar a reforma agrária e também lembrar o assassinato de 19 sem-terra em Eldorado do Carajás (PA), em 1996. A "jornada de luta " deve seguir até o próximo dia 17. Desde o dia 10 de março, o MST já invadiu 59 propriedades em todo o país (veja quadro na página 5).

Fome Zero
Ainda segundo o arcebispo de Salvador, há coisas mais urgentes, que necessitam de um rápido atendimento. "A principal, para mim, é a questão do emprego. Depois, estão a educação e a saúde, setores em que precisamos dar passos gigantes."
Para dom Geraldo Majella, a educação brasileira é de má qualidade e não chega para todos.
O cardeal também criticou o principal programa social do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Fome Zero. "O Fome Zero ainda não deu aquilo que se esperava dele. Por outro lado, acho que o programa não preenche todas as necessidades. É claro que a gente tem de dar comida a quem não tem, a quem está com fome, de uma forma que não seja assistencialista. Não podemos deixar de prover o emprego necessário para tanta gente."
Ao final da cerimônia, dom Geraldo Majella disse que não pretende disputar a reeleição à presidência da CNBB (o pleito acontecerá em 2007). "Reeleito, teria apenas mais um ano de mandato, antes de atingir a aposentadoria compulsória", disse o religioso ao se referir à idade de 75 anos, limite dado pelo Vaticano para se atuar pela Igreja Católica.
O cardeal disse também que faz críticas ao governo Lula porque sabe que as suas observações são ouvidas pelo fato de a Igreja Católica ser uma presença forte no cenário brasileiro. "Não há uma reunião da CNBB sem a participação de um ministro, de embaixadores. Eles querem ouvir a CNBB e trocar idéias conosco", disse Majella.


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