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JANIO DE FREITAS
O raro e o nem tanto
Não renegar seus atos, decisões e compromissos merece, no Brasil, admiração proporcional à raridade
A VERIFICAÇÃO preliminar para
abertura ou dispensa de inquérito também contra oficiais, por sua conduta no controle
aéreo durante a confusão maior nos
vôos e aeroportos, está sob forte
probabilidade de mais desgastar (ou
desgastar ainda mais) a Justiça Militar e o Ministério Público Militar do
que, como pretendido, dar uma demonstração de tratamento judicial
equânime para sargentos e oficiais.
Também no Judiciário militar a
Justiça pode ser cega, mas aí usa farda. E a Aeronáutica não deseja o inquérito para oficiais. Não é verdadeira a alegação, contra o inquérito,
de que oficiais do controle não estiveram presentes em seu serviço
porque lá não estavam os comandados, os sargentos em greve. Nem é
mais do que ridículo o argumento de
que o controle é de responsabilidade
direta dos sargentos controladores.
Feito o acordo determinado por Lula ao ministro Paulo Bernardo, na
madrugada de 31 de março (a greve
firmou-se na noite do dia 30), os
controladores começaram a volta ao
serviço, à medida em que seus grupos regionais se comunicavam.
Quando informados do acordo, os
oficiais de direção e coordenação do
controle retiraram-se do serviço. E
mantiveram-se à distância até que
se difundiu a rendição de Lula à extinção do acordo, durante o imprevisto encontro que os comandantes
do Exército, da Aeronáutica e da
Marinha foram ter com ele no Planalto. Os oficiais do controle começaram a volta ao serviço no decorrer
daquele final de segunda-feira e só a completaram na terça 3 de abril.
Se não houver inquérito sobre a
conduta dos oficiais, não se pode dizer, propriamente, que seja um fato
anormal. Mas, em nome do pudor
próprio ou alheio, não se diga que foi
por ausência dos chefiados. Nem,
pior ainda, que há chefiados sem haver chefias, porque o acidente entre
o Legacy e o avião da Gol até levou à
substituição do brigadeiro que chefia as chefias de atividades do controle aéreo. Controladores é notório
que faltam, mas chefias, não.
A contrariedade da Aeronáutica
oferece a hipótese disponível para os
maneirismos e ressalvas, idas e vindas, das entrevistas de procuradores
do Ministério Público Militar quanto aos inquéritos que possam envolver os oficiais deste caso. Daí não se deduza, porém, que o MPM é desprovido de objetividade e determinação, ambas bem expostas na
pronta abertura do inquérito contra
os sargentos. Como determina a lei.
Se a insegurança dos vôos e de
muitos milhares de pessoas aumentou durante uns três dias ou mais,
por ausência dos dirigentes e coordenadores dos grevistas retornados
ao controle, aos leigos pode parecer-nos algo bastante grave. Considerar
o nível de responsabilidades e de
formação, afinal de contas, está nos
nossos hábitos de funcionários ou
dirigentes de empresas. Mas as considerações para abertura ou dispensa do inquérito são mais sutis. Ou
menos? Muito menos, você sussurrou?
Não entro em tal discussão. Limito-me a admirar os cinco sargentos
que, em entrevista a Kátia Brasil para a Folha de domingo, tiveram a
dignidade de dizer que, conquanto
lamentem o causado a tantos passageiros, assumem o que fizeram e
enfrentam sem arrependimento o
que quer que os espere. Não renegar seus atos, decisões e compromissos merece, no Brasil, admiração proporcional à raridade.
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