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A visita do papa/artigo
A resistência a Ratzinger
Bento 16 retira a teologia da pastoral provinciana e a lança além do cristianismo político
LUIZ FELIPE PONDÉ
ESPECIAL PARA A FOLHA
AFINAL, QUAL o sentido
da visita de Bento 16?
Manter-nos insone.
Sua atitude diante do mundo
contemporâneo fala a todos
nós (pós-)modernos, e não só
aos católicos. Este é, de certa
forma, o núcleo de sua proposta
de diálogo teológico com as culturas: trair as mentiras que repousam sobre os pressupostos
modernos dos problemas humanos. Sua relevância é proporcional à resistência que produz. A teologia pode sair, talvez,
de sua irrelevância intelectual.
Aquilo que o teólogo John
Milbank chama de "feitiço da
modernidade" nos mantêm a
todos em sono profundo: o sono dogmático de nossas chaves
"científicas" sociopolíticas.
Bento 16 retira a teologia da
vala comum da pastoral provinciana e a lança ao espaço de
risco de uma hermenêutica da
(pós-)modernidade para além
do bê-á-bá do cristianismo político, este sim incapaz de olhar
a miséria eterna (e não histórica) do ser humano.
Seu agostinismo, em meio a
outras referências, marca a
qualidade de seu olhar: o homem é um animal dilacerado
pelo pó que o constitui e que
por isso mesmo se faz revolta
na forma de um programa de libertação contra a opressão do
vazio que nos habita.
A revolta do amor-próprio
ferido (sou contingente e efêmero) é a chave do narcisismo
teológico que nos cega (não
aceito ser contingente e efêmero). O orgulhoso nasce antes do
político e do ideológico. A redenção é perceber-se dádiva e
não revolta política. Se o Deus
de Israel fosse "político", a Europa ocidental seria seu paraíso. Evidentemente que a ganância eterna dos mentirosos
impede a vida, mas aqueles que
comem diariamente deveriam
libertar a reflexão teológica do
vício banal da racionalidade do
marketing da emancipação.
Vivemos na fronteira de uma
redefinição de Cristo, que caminha em direção à dissipação
lenta do conceito de encarnação (o homem Jesus é Deus),
núcleo que sustenta o diferencial teológico do cristianismo
antigo. O cristianismo político
associa o relativismo presente
no conceito de ortopraxis (que
pensa a prática política como
fundação do pensamento ao
longo da história e que por isso
se opõe a qualquer noção de
ortodoxia, vista desse ângulo
como sempre autoritária) com
a (des)ideologização de Deus
como verdade exegética (como
se a crítica da "ideologia de
Deus" fosse o resto da "verdade
pura" possível).
O cristianismo político tende
a fundar uma nova tribo de Israel: as vítimas da opressão política (econômica ou social). Erra, como erra a modernidade
científica, ao identificar a política como chave suprema de
entendimento do mundo.
Se a miséria é estruturalmente política, estou livre de
ser eu a causa do mal no mundo, esse é o ganho perverso da
politização de Deus. Temo que
uma releitura política das bases
históricas do cristianismo nos
leve um dia a "perceber" que a
"santa" vontade popular diante
de Pilatos não errou quando escolheu Barrabás.
A recusa da leitura política
não é recusa do combate ao sofrimento econômico (como
suspeita o senso comum de
uma análise sociopolítica do
mundo), mas sim crítica da cegueira cognitiva que marca o
próprio método político.
Pilatos, no relato do Evangelho, passa da dúvida epistemológica ("o que é a verdade?"
Resposta: a ortopraxis definirá), para a solução "política" de
seu impasse (o povo escolherá...), e o povo escolhe Barrabás.
Solução política e relativismo
se encontram. Por que a encarnação seria inimiga da libertação moderna? Porque a encarnação parece negar a autonomia humana fazendo do redentor Deus, e assim nega ao ser
humano o título de auto-suficiente em sua libertação.
A afirmação do cristianismo
político resolve a agonia do orgulho ferido: escolhendo Barrabás, opto pelo humano revolucionário, me libertando do
desconforto de passar pela Paixão, na condição daquele que
mata Deus por inveja.
O grande erro teológico do
cristianismo político é não ver
que, diante da dúvida de Pilatos, escolhe Barrabás.
LUIZ FELIPE PONDÉ é filósofo, professor da
PUC-SP e da Faap e autor de "Conhecimento na
Desgraça" (Edusp), entre outros títulos
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