São Paulo, segunda, 10 de maio de 1999

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Economista está fora de moda

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

Celso Furtado é um economista completamente fora de moda. Ninguém no mercado financeiro está interessado no que ele tem eventualmente a dizer. Ele não abriu seu próprio banco, não virou cafetão de informações privilegiadas nem abriu firma de consultoria para repetir o óbvio sobre a conjuntura econômica. Não arranjou emprego público para nenhum parente. Ou seja, para os padrões atuais de cidadania e mesmo de atuação de "grandes" economistas no Brasil, Furtado -que faz palestra hoje no auditório da Folha- é o trouxa absoluto.
Furtado é o tipo de economista que alguns de seus colegas mais "espertos" designam como "dinossauro". Sua obsessão da vida toda é algo cujo sentido já está difícil até mesmo de explicar. É a idéia de um projeto nacional. "Projeto" lembra planejamento, coisa que saiu de moda faz tempo. "Nacional" virou quase um palavrão.
Ler os livros de Furtado é um passeio por conceitos desprestigiados pelos bem pensantes. Ele insiste, por exemplo, em alertar para mecanismos de produção de desigualdades entre classes, regiões e países.
Na obra de Furtado, o sistema econômico internacional não é um mercado puro, mas um jogo de forças em que os Estados atuam defendendo interesses nacionais.
A questão tecnológica é fundamental na visão furtadiana do desenvolvimento desequilibrado. Mais um motivo para soar alertas contra a excessiva dependência de países que descuidam de seus sistemas culturais e educacionais.
Os mais desavisados talvez pensem que Furtado é um furioso marxista. Nada mais longe da realidade. Sua obra mais célebre, "Formação Econômica do Brasil", é uma aplicação de modelos keynesianos (de John Maynard Keynes, economista inglês que denunciava imperfeições do mercado, mas rejeitava o marxismo).
Mas Furtado não é antimarxista. Em seus livros há espaço para temas caros a marxistas, como acumulação de capital, geração de excedente e concentração de renda.
De todas as idéias já trabalhadas por Furtado, há uma que talvez seja a mais reveladora do Brasil real. Não é a mais sofisticada, mas é de longe a mais atual. Já em seu tratado histórico sobre a economia brasileira, Furtado chamava a atenção para os mecanismos de socialização de prejuízos pelas elites locais. Hoje, estamos diante de mais uma série de fabulosos espetáculos de socialização de prejuízos, da patronagem a bancos quebrados ao financiamento da fuga de capitais, passando por um sistema tributário perverso. O país não tem projeto e a nacionalidade está enlameada. Quem ouvirá Furtado numa hora dessas?



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