São Paulo, domingo, 10 de junho de 2001

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DOSSIÊ CARIBE

Polícia suspeita que Fernando e Leopoldo Collor e Gilberto Miranda foram principais negociadores de papéis

PF trabalha para indiciar irmãos Collor

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

MARCIO AITH
EM SÃO PAULO

Convencida de que o ex-senador Gilberto Miranda e os irmãos Fernando Collor e Leopoldo Collor foram os principais compradores e negociadores do dossiê Caribe, a Polícia Federal trabalha para indiciá-los criminalmente. Eles deverão depor sobre o caso.
Miranda e os irmãos Collor teriam cometido crime contra o sistema financeiro, crime de formação de quadrilha e de calúnia contra o presidente Fernando Henrique Cardoso e outros tucanos. O dossiê Caribe é um conjunto de papéis cujas partes principais têm se mostrado falsas sobre supostas contas no exterior da cúpula tucana. A nova investigação do caso, dirigida pelos delegados federais Paulo de Tarso Teixeira (responsável pelo inquérito) e Jorge Pontes (Interpol), colheu evidências de que os três usaram o dossiê para tentar chantagear os tucanos e lucrar no mercado financeiro.
A PF tem o depoimento de Luiz Cláudio Ferraz Silva, empresário de Miami que disse ter intermediado contatos de Leopoldo e de Miranda com os principais acusados de falsificar e negociar o dossiê: Honor Rodrigues da Silva, Ney Santos e João Barusco. A PF pediu à Justiça dos EUA a prisão e a extradição dos três brasileiros, que vivem em Miami.
Honor foi condenado em primeira instância no Brasil por estelionato. Nos EUA, os três são suspeitos de contrabando e de terem criado uma clínica de emagrecimento via internet para vender medicamentos sem efeito.
A Folha obteve cópia de 59 páginas do depoimento, cujo teor principal revelou em 20 de abril do ano passado. Faltam algumas páginas, retiradas pela pessoa que entregou o documento ao jornal.
A PF suspeita que Ferraz Silva teve participação maior do que a admitida no depoimento, no qual confessa que enviou cartas e fax com ameaças ao tucanato.

Confissão
Ferraz Silva deu o depoimento ao advogado norte-americano Frank Rubino, à época seu representante, a partir das 11h05 de 21 de novembro de 1998. A declaração não foi feita à Justiça norte-americana, mas a um advogado com poder de notário.
Ferraz Silva contou estar em São Paulo no início de agosto de 98 quando recebeu telefonema de Leopoldo, que teria dito que precisava dele para resolver "um problema importante" nos EUA.
De acordo com Ferraz Silva, Leopoldo o pegaria em casa para irem ao aeroporto: "O carro dele veio, com um motorista, e ele tinha comprado duas passagens de primeira classe da American Airlines... não, United Airlines".
"Sou amigo de Leopoldo", relatou. Ferraz Silva disse ter conhecido o ex-presidente Collor por meio de Leopoldo. "O trabalho era ver se a história parecia verdadeira, porque Fernando [Collor" tinha dúvidas."
Leopoldo teria afirmado que Collor recebeu telefonema de Caio Fábio D'Araújo, "um pastor que vive em Miami". Antes de ele e Leopoldo terem se reunido com o pastor evangélico, Collor teria viajado do Brasil para Miami e encontrado Caio Fábio. A PF tem prova da participação de Caio Fábio na venda do dossiê.
"O pastor disse que sabia que alguém tinha documentos e queria vendê-los. Porque o pastor gostava do ex-presidente [Collor" e não gostava do atual presidente [FHC". O pastor disse atuar como intermediário no negócio", narrou Ferraz Silva.

O encontro
Ferraz Silva e Leopoldo teriam se encontrado com Caio Fábio em Boca Raton, distrito ao norte de Miami. Um trecho do depoimento: "O pastor disse que ele tinha um amigo em Miami, um homem importante, mas meio gângster. Ele tinha um incrível, luxuoso e belo escritório, com obras de arte, na avenida Brickell [centro financeiro de Miami". Ele também é evangélico". Ferraz Silva não citou Oscar de Barros, mas a descrição é semelhante à que a PF obteve dele. Só há um erro: Barros é católico fervoroso.
Caio Fábio teria ouvido "em confissão" a história "da empresa e contas" do tucanato. Teria pedido US$ 4,2 milhões pelo dossiê. A PF apurou que uma das vendas teria sido de US$ 2 milhões.
Segundo o pastor, havia "um banco no exterior no nome do presidente [FHC", do ministro da Saúde [José Serra", do governador de São Paulo [Mário Covas, que morreu em março deste ano" e do último ministro das Comunicações [Motta"".
Essa empresa teria sido aberta em 1991. Este é um detalhe que diferencia os dois grupos acusados pela PF de lucrar com o dossiê. A CH, J & T Inc., empresa que deu origem ao dossiê, foi criada em janeiro de 94. A PF diz que o primeiro grupo (Honor, Barusco e Santos) "manipulava a firma".
Para a PF, Oscar de Barros, do segundo grupo, teria sido o inspirador, não o criador da CH, J & T. A PF diz que Barros obteve os papéis, mas não sabe se ele os forjou. Barros nega ter falsificado e vendido o dossiê. Para a PF, a fraude foi dirigida por Honor.

Chantagem de Paris
Por volta de 13 de setembro, Leopoldo teria telefonado de São Paulo para Ferraz Silva a fim de pedir que enviasse um fax ao Brasil de um aparelho que não permitia identificar o número. Era a primeira peça da chantagem.
Ele disse que cumpriu a missão de mandá-lo a Serra. O fax falava da bactéria "legionella", que deixara Motta gravemente doente. Ferraz Silva disse que enviou outro fax dizendo "há um terrível vírus a caminho". Erroneamente, chamou uma bactéria de vírus.
Dias depois, Ferraz Silva viajou para Paris. De lá, diz ter enviado três cartas a pedido de Leopoldo na semana de "27 de setembro".
Hospedado no hotel Pavillon de la Reine, o predileto dos grã-finos brasileiros, Ferraz Silva disse que o telefone tocou à meia-noite. Leopoldo teria pedido que enviasse ameaças a Covas, a Serra e a "uma mulher em São Paulo", que seria Wilma Motta, mulher de Sérgio Motta. Ele diz que cumpriu a ordem. Depois, Leopoldo teria dito que as mensagens eram para "assustar o sr. Serra".

Miranda
Ferraz Silva narrou ter conhecido Gilberto Miranda, então senador pelo PFL, em Nova York, no hotel Park Lane. Disse ter ficado com a impressão de que o empresário e investidor Naji Nahas estava em Nova York porque Leopoldo e Miranda falaram dele.
Nahas e Miranda teriam planejado usar o dossiê para lucrar nas Bolsas. A idéia seria comprar dólares no mercado futuro, divulgar o dossiê e derrubar o valor do real. Segundo o depoimento, Miranda e Leopoldo mencionaram os nomes do ex-prefeito Paulo Maluf e de um grande investidor em Bolsas que se chamaria Gilberto Shagori, que participaria do "plano de US$ 200 milhões".
Dias depois, segundo Ferraz Silva, Gilberto Miranda lhe telefonou dizendo estar em Miami e querendo marcar um encontro no hotel Grove Isle. Miranda teria dito que queria se encontrar com Oscar de Barros. "Você se lembra daqueles documentos? Vi aqueles documentos nas minhas próprias mãos, [recebi" do pastor."
Miranda teria afirmado: "Estou quase completamente certo de que eles são verdadeiros, mas preciso botar as mãos nos originais porque vi cópias, descobri que o sr. Oscar de Barros tem ou sabe quem tem os originais".
Ferraz Silva teria dito que Ney Santos conhecia Barros e telefonou para Honor, parceiro de Santos e Barusco. Foi acertada uma reunião de Miranda com os quatro (Ferraz Silva, Honor, Santos e Barusco). Miranda teria dito que fora aos EUA com conhecimento de Antonio Carlos Magalhães, então presidente do Congresso. Estaria disposto a pagar até US$ 2,5 milhões pelo dossiê.
Santos não teria conseguido que Barros recebesse Miranda. O ex-senador teria dito que sabia que Barros obteve a informação do dossiê de um advogado de Nova York, Anthony Boccanfuso. A Folha entrevistou Boccanfuso, que negou. Ele trabalha no Arnold & Porter -escritório de advocacia de Nova York que tem o governo brasileiro como cliente.
Ferraz Silva afirmou que Miranda, furioso, ameaçou denunciar os quatro, se não o ajudassem. O quarteto, como medo de supostas ameaças, fez encenação jurídica, na qual lavrou um "termo de destruição do depoimento" de Ferraz Silva. No entanto, restaram cópias. Dizendo-se ameaçados, fizeram novos depoimentos contra Miranda.


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