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DOSSIÊ CARIBE
Polícia suspeita que Fernando e Leopoldo Collor e Gilberto Miranda foram principais negociadores de papéis
PF trabalha para indiciar irmãos Collor
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
MARCIO AITH
EM SÃO PAULO
Convencida de que o ex-senador Gilberto Miranda e os irmãos
Fernando Collor e Leopoldo Collor foram os principais compradores e negociadores do dossiê
Caribe, a Polícia Federal trabalha
para indiciá-los criminalmente.
Eles deverão depor sobre o caso.
Miranda e os irmãos Collor teriam cometido crime contra o sistema financeiro, crime de formação de quadrilha e de calúnia contra o presidente Fernando Henrique Cardoso e outros tucanos. O
dossiê Caribe é um conjunto de
papéis cujas partes principais têm
se mostrado falsas sobre supostas
contas no exterior da cúpula tucana. A nova investigação do caso,
dirigida pelos delegados federais
Paulo de Tarso Teixeira (responsável pelo inquérito) e Jorge Pontes (Interpol), colheu evidências
de que os três usaram o dossiê para tentar chantagear os tucanos e
lucrar no mercado financeiro.
A PF tem o depoimento de Luiz
Cláudio Ferraz Silva, empresário
de Miami que disse ter intermediado contatos de Leopoldo e de
Miranda com os principais acusados de falsificar e negociar o dossiê: Honor Rodrigues da Silva,
Ney Santos e João Barusco. A PF
pediu à Justiça dos EUA a prisão e
a extradição dos três brasileiros,
que vivem em Miami.
Honor foi condenado em primeira instância no Brasil por estelionato. Nos EUA, os três são suspeitos de contrabando e de terem
criado uma clínica de emagrecimento via internet para vender
medicamentos sem efeito.
A Folha obteve cópia de 59 páginas do depoimento, cujo teor
principal revelou em 20 de abril
do ano passado. Faltam algumas
páginas, retiradas pela pessoa que
entregou o documento ao jornal.
A PF suspeita que Ferraz Silva
teve participação maior do que a
admitida no depoimento, no qual
confessa que enviou cartas e fax
com ameaças ao tucanato.
Confissão
Ferraz Silva deu o depoimento
ao advogado norte-americano
Frank Rubino, à época seu representante, a partir das 11h05 de 21
de novembro de 1998. A declaração não foi feita à Justiça norte-americana, mas a um advogado
com poder de notário.
Ferraz Silva contou estar em São
Paulo no início de agosto de 98
quando recebeu telefonema de
Leopoldo, que teria dito que precisava dele para resolver "um problema importante" nos EUA.
De acordo com Ferraz Silva,
Leopoldo o pegaria em casa para
irem ao aeroporto: "O carro dele
veio, com um motorista, e ele tinha comprado duas passagens de
primeira classe da American Airlines... não, United Airlines".
"Sou amigo de Leopoldo", relatou. Ferraz Silva disse ter conhecido o ex-presidente Collor por
meio de Leopoldo. "O trabalho
era ver se a história parecia verdadeira, porque Fernando [Collor"
tinha dúvidas."
Leopoldo teria afirmado que
Collor recebeu telefonema de
Caio Fábio D'Araújo, "um pastor
que vive em Miami". Antes de ele
e Leopoldo terem se reunido com
o pastor evangélico, Collor teria
viajado do Brasil para Miami e encontrado Caio Fábio. A PF tem
prova da participação de Caio Fábio na venda do dossiê.
"O pastor disse que sabia que alguém tinha documentos e queria
vendê-los. Porque o pastor gostava do ex-presidente [Collor" e não
gostava do atual presidente
[FHC". O pastor disse atuar como
intermediário no negócio", narrou Ferraz Silva.
O encontro
Ferraz Silva e Leopoldo teriam
se encontrado com Caio Fábio em
Boca Raton, distrito ao norte de
Miami. Um trecho do depoimento: "O pastor disse que ele tinha
um amigo em Miami, um homem
importante, mas meio gângster.
Ele tinha um incrível, luxuoso e
belo escritório, com obras de arte,
na avenida Brickell [centro financeiro de Miami". Ele também é
evangélico". Ferraz Silva não citou Oscar de Barros, mas a descrição é semelhante à que a PF obteve dele. Só há um erro: Barros é
católico fervoroso.
Caio Fábio teria ouvido "em
confissão" a história "da empresa
e contas" do tucanato. Teria pedido US$ 4,2 milhões pelo dossiê. A
PF apurou que uma das vendas
teria sido de US$ 2 milhões.
Segundo o pastor, havia "um
banco no exterior no nome do
presidente [FHC", do ministro da
Saúde [José Serra", do governador
de São Paulo [Mário Covas, que
morreu em março deste ano" e do
último ministro das Comunicações [Motta"".
Essa empresa teria sido aberta
em 1991. Este é um detalhe que diferencia os dois grupos acusados
pela PF de lucrar com o dossiê. A
CH, J & T Inc., empresa que deu
origem ao dossiê, foi criada em janeiro de 94. A PF diz que o primeiro grupo (Honor, Barusco e
Santos) "manipulava a firma".
Para a PF, Oscar de Barros, do
segundo grupo, teria sido o inspirador, não o criador da CH, J & T.
A PF diz que Barros obteve os papéis, mas não sabe se ele os forjou.
Barros nega ter falsificado e vendido o dossiê. Para a PF, a fraude
foi dirigida por Honor.
Chantagem de Paris
Por volta de 13 de setembro,
Leopoldo teria telefonado de São
Paulo para Ferraz Silva a fim de
pedir que enviasse um fax ao Brasil de um aparelho que não permitia identificar o número. Era a primeira peça da chantagem.
Ele disse que cumpriu a missão
de mandá-lo a Serra. O fax falava
da bactéria "legionella", que deixara Motta gravemente doente.
Ferraz Silva disse que enviou outro fax dizendo "há um terrível vírus a caminho". Erroneamente,
chamou uma bactéria de vírus.
Dias depois, Ferraz Silva viajou
para Paris. De lá, diz ter enviado
três cartas a pedido de Leopoldo
na semana de "27 de setembro".
Hospedado no hotel Pavillon de
la Reine, o predileto dos grã-finos
brasileiros, Ferraz Silva disse que
o telefone tocou à meia-noite.
Leopoldo teria pedido que enviasse ameaças a Covas, a Serra e a
"uma mulher em São Paulo", que
seria Wilma Motta, mulher de
Sérgio Motta. Ele diz que cumpriu
a ordem. Depois, Leopoldo teria
dito que as mensagens eram para
"assustar o sr. Serra".
Miranda
Ferraz Silva narrou ter conhecido Gilberto Miranda, então senador pelo PFL, em Nova York, no
hotel Park Lane. Disse ter ficado
com a impressão de que o empresário e investidor Naji Nahas estava em Nova York porque Leopoldo e Miranda falaram dele.
Nahas e Miranda teriam planejado usar o dossiê para lucrar nas
Bolsas. A idéia seria comprar dólares no mercado futuro, divulgar
o dossiê e derrubar o valor do real.
Segundo o depoimento, Miranda
e Leopoldo mencionaram os nomes do ex-prefeito Paulo Maluf e
de um grande investidor em Bolsas que se chamaria Gilberto Shagori, que participaria do "plano
de US$ 200 milhões".
Dias depois, segundo Ferraz Silva, Gilberto Miranda lhe telefonou dizendo estar em Miami e
querendo marcar um encontro
no hotel Grove Isle. Miranda teria
dito que queria se encontrar com
Oscar de Barros. "Você se lembra
daqueles documentos? Vi aqueles
documentos nas minhas próprias
mãos, [recebi" do pastor."
Miranda teria afirmado: "Estou
quase completamente certo de
que eles são verdadeiros, mas preciso botar as mãos nos originais
porque vi cópias, descobri que o
sr. Oscar de Barros tem ou sabe
quem tem os originais".
Ferraz Silva teria dito que Ney
Santos conhecia Barros e telefonou para Honor, parceiro de Santos e Barusco. Foi acertada uma
reunião de Miranda com os quatro (Ferraz Silva, Honor, Santos e
Barusco). Miranda teria dito que
fora aos EUA com conhecimento
de Antonio Carlos Magalhães, então presidente do Congresso. Estaria disposto a pagar até US$ 2,5
milhões pelo dossiê.
Santos não teria conseguido que
Barros recebesse Miranda. O ex-senador teria dito que sabia que
Barros obteve a informação do
dossiê de um advogado de Nova
York, Anthony Boccanfuso. A Folha entrevistou Boccanfuso, que
negou. Ele trabalha no Arnold &
Porter -escritório de advocacia
de Nova York que tem o governo
brasileiro como cliente.
Ferraz Silva afirmou que Miranda, furioso, ameaçou denunciar
os quatro, se não o ajudassem. O
quarteto, como medo de supostas
ameaças, fez encenação jurídica,
na qual lavrou um "termo de destruição do depoimento" de Ferraz
Silva. No entanto, restaram cópias. Dizendo-se ameaçados, fizeram novos depoimentos contra
Miranda.
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