São Paulo, domingo, 10 de junho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

INVESTIGAÇÃO INTERNACIONAL

Ex-prefeito nega existência de dinheiro no exterior e diz que é vítima de campanha política

Paraíso fiscal bloqueia contas de Maluf

ROBERTO COSSO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

A polícia da ilha de Jersey, um paraíso fiscal que integra o Reino Unido, localizado no canal da Mancha, bloqueou uma série de contas bancárias em nome de Paulo Maluf (PPB) e de seus familiares. Segundo a Folha apurou, há pelo menos US$ 200 milhões (cerca de R$ 472 milhões, pela cotação da última sexta-feira) depositados -e bloqueados- nas contas ligadas ao ex-prefeito de São Paulo.
Maluf negou, por intermédio de seu assessor de imprensa e de dois advogados, a existência das contas. O ex-prefeito alegou ainda que estaria sendo vítima de uma "campanha" para inviabilizar sua candidatura ao governo paulista em 2002 (leia texto ao lado).
As movimentações financeiras da família Maluf estão sob investigação das autoridades de Jersey. O Ministério Público do Estado de São Paulo apura se Maluf recebeu, no exterior, pagamentos irregulares de empresas brasileiras.
Na declaração de bens entregue pelo ex-prefeito à Justiça Eleitoral, no ano passado, quando do registro de sua candidatura à Prefeitura de São Paulo, não há nenhuma referência a depósitos no exterior. Ele informa um patrimônio total de R$ 74.967.594,69.

Notificação
No início do ano passado, a unidade de inteligência financeira de Jersey informou o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão ligado ao Ministério da Fazenda, sobre a existência de vultosas movimentações financeiras em nome de pessoas da família Maluf.
A Convenção de Viena, firmada em 1988, obriga, entre outras coisas, que as unidades de inteligência financeira de todos os seus signatários informem a existência de grandes movimentações bancárias às autoridades dos países de origem das pessoas que as tenham realizado.
O objetivo dessas notificações é verificar se existe alguma possibilidade de o dinheiro ser fruto de crime no país de origem.
O Coaf recebe entre três e quatro notificações por semana das unidades de inteligência financeira espalhadas pelo mundo sobre grandes movimentações financeiras feitas por brasileiros.
Quando existe investigação sobre a pessoa, o Coaf coloca as autoridades brasileiras em contato com a unidade de inteligência financeira que identificou a operação. Foi o que aconteceu no caso da família de Maluf.

Bloqueio
A unidade de inteligência financeira de Jersey informou o Coaf sobre as movimentações em nome de Paulo Maluf, Sylvia Maluf (sua mulher), Flávio Maluf, Ligia Maluf, Lina Maluf e Octavio Maluf (seus filhos) e de Jacqueline Maluf (mulher de Flávio Maluf).
O Coaf, sabendo que Maluf é réu em diversas ações movidas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, colocou os promotores de Justiça em contato com a polícia da ilha de Jersey.
Em novembro do ano passado, o Ministério Público do Estado de São Paulo enviou à polícia de Jersey um documento chamado "affidavit" (declaração criminal circunstanciada) sobre as investigações realizadas no Brasil a respeito de Paulo Maluf e Flávio Maluf .
O documento sugere o bloqueio da transferência do dinheiro detectado em nome de Maluf e de seus familiares.
Cerca de um mês depois, a polícia de Jersey confirmou às autoridades brasileiras o bloqueio das contas das sete pessoas.

Informações oficiais
Passados quase seis meses de negociações, iniciadas logo após o bloqueio do dinheiro, a polícia de Jersey ainda não mandou ao Brasil documentos oficiais sobre os depósitos da família Maluf.
De acordo com a legislação brasileira, o simples fato de Maluf ter no exterior, em seu nome, dinheiro não declarado seria suficiente para a instauração de um inquérito para investigar a eventual prática de evasão de divisas.
Mas, como o Ministério Público não tem documentos oficiais de Jersey sobre os depósitos, não pode investigar o suposto crime.
Da mesma forma, a Promotoria de Justiça da Cidadania da Capital aguarda uma comunicação oficial sobre os depósitos para investigar a hipótese de enriquecimento ilícito, com base na Lei de Improbidade Administrativa, segundo a qual ele teria de provar a origem lícita do dinheiro, sob pena de ser condenado à perda dos valores.
Por outro lado, os dados de depósitos bancários em Jersey são sigilosos, a menos que haja suspeita de que o dinheiro seja fruto de crime.
Assim, enquanto o Ministério Público do Estado de São Paulo pede os documentos oficiais sobre os depósitos, a polícia de Jersey pede que as autoridades brasileiras enviem à ilha documentos que comprovem a remessa ilegal do dinheiro ao exterior.
Esses documentos não existem porque o Ministério Público ainda não identificou a origem desses depósitos. Os promotores precisariam dos papéis de Jersey para poder apurar o trajeto do dinheiro até chegar lá.
A Folha apurou que os advogados contratados por Maluf já fizeram vários pedidos à polícia de Jersey para que o dinheiro das contas seja desbloqueado.

Autoridades
Procuradas pela Folha, as principais autoridades empenhadas na investigação das contas bancárias de Maluf e de sua família não quiseram dar declarações oficiais sobre o assunto.
A polícia de Jersey também não respondeu aos e-mails enviados pela reportagem.
A presidente do Coaf, Adrienne Senna, disse que todas as informações recebidas pelo conselho de controle estão cobertas por sigilo, segundo os acordos internacionais firmados pelo Brasil. Ela se recusou a falar sobre casos específicos.
O promotor Marcelo Mendroni, que cuida dos casos de lavagem de dinheiro no Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), confirmou que mantém contato com a polícia de Jersey, mas informou que o conteúdo de suas negociações não pode ser revelado, em virtude do sigilo das investigações sobre contas bancárias.


Texto Anterior: Declaração pode finalizar caso
Próximo Texto: Outro lado: Conta não existe, diz assessor
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.