São Paulo, segunda, 10 de agosto de 1998

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PARADOXO
Açude não ajuda cidade

em Canudos (BA)

Localizada na região mais seca da Bahia, Canudos convive com uma situação paradoxal há mais de 30 anos: a dois quilômetros do centro da cidade existe um açude com capacidade para armazenar 246 milhões de m3 de água.
Apesar de o açude ter sido construído praticamente dentro da zona urbana, os cerca de 18 mil moradores da cidade, a 410 km de Salvador, sofrem com uma das maiores secas registradas no município nos últimos anos. O açude de Cocorobó foi inaugurado em 1968.
"Mesmo com a estiagem, o volume de água dá para abastecer com tranquilidade uma cidade com mais de 30 mil habitantes", disse o prefeito João Ribeiro Gama (PSDB). "O que falta é interesse político para tratar a água e levá-la até a cidade."
Segundo Ribeiro, a seca em Canudos reduziu à metade o volume de água em Cocorobó. Com a seca, os moradores da zona rural têm à disposição apenas 25 litros de água por semana.
"A prefeitura gasta aproximadamente R$ 20 mil por mês apenas para comprar água para os moradores da zona rural", disse Ribeiro.
A verba empregada pela prefeitura para abastecer os moradores do município daria para comprar uma ambulância ou realizar dois quilômetros de pavimentação por mês.
A estiagem provocou a quebra total da safra agrícola do município. "Mais de 500 trabalhadores já abandonaram a nossa cidade, deixando aqui as viúvas da seca", disse o prefeito.
Canudos parece uma cidade abandonada: 60% das ruas não são pavimentadas, 1.200 das 2.000 casas não estão ligadas à rede de esgoto (do total, 500 não têm nem sequer fossas), 38% da população é analfabeta, e o município não é servido por estrada asfaltada.
Devido às condições precárias de higiene, cerca de 350 casos de cólera já foram registrados desde janeiro.
A seca contribuiu ainda para aumentar o índice de desemprego em Canudos. Os poucos produtores rurais que trabalham na cidade recebem cerca de R$ 2 por dia. "O salário é de fome, mas não temos outra alternativa", disse João Soares Fonseca.
Proprietário de um sítio de 40 hectares na zona rural, ele perdeu toda a plantação de feijão, milho, melancia e abóbora.
Na semana passada, 383 famílias da cidade receberam a primeira parcela (R$ 130) da frente de trabalho, programa do governo federal para amenizar problemas causados pela seca.
"Nós cadastramos 1.300 famílias, mas selecionamos 383", disse o prefeito.
Para ele, o fato de Canudos fazer oposição ao governo baiano dificulta a realização de obras de saneamento básico.
"O governo baiano acha que somos inimigos e não adversários políticos." (LF)



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