São Paulo, Terça-feira, 10 de Agosto de 1999
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Evangélicos fazem lobby sobre o capital estrangeiro em TVs

KENNEDY ALENCAR
Editor do Painel

Os lobbies da bancada evangélica e de três grandes redes de tevê tentam moldar o relatório da emenda constitucional que abre o setor de comunicação ao capital estrangeiro.
A proposta, que tramita na Câmara, deve dar uma injeção de capital aos grupos nacionais, especialmente aos endividados. Há ainda o interesse de empresas brasileiras em se capitalizar para expandir atividades.
Hoje, apenas pessoas físicas brasileiras são legalmente donas de meios de comunicação. Nunca despertou interesse um dispositivo da lei que permite a empresas jurídicas nacionais uma participação de 30%, sem direito a voto.
A bancada evangélica, que controla cerca de 60 votos na Câmara, pressiona para que entidades sem fins lucrativos possam ser proprietárias de emissoras de TV e rádio. O lobby atende especialmente à Igreja Universal do Reino de Deus, liderada pelo bispo Edir Macedo. A Igreja Universal é dona da Rede Record.
Com a medida, igrejas evangélicas poderiam usar o dinheiro arrecadado dos fiéis para comprar emissoras de rádio e tevê. Esse expediente já vem sendo adotado, mas há questionamento jurídico sobre a origem e a tributação dos recursos.
Reportagem da Folha em 18 de julho revelou que a TV Record do Rio foi comprada com dinheiro que veio de empresas sediadas em paraísos fiscais e que pertencem à Igreja Universal. O caso será investigado (leia texto ao lado).
O relator da emenda, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), resiste à proposta: ""Além da impossibilidade de comprovação da origem dos recursos, há aqueles que argumentam que a competição é desleal. Ocorre uma doação sobre a qual não incide imposto para uma atividade que é explicitamente lucrativa e comercial".
A outra disputa de bastidores foi travada entre a Rede Globo, o SBT e a Rede Bandeirantes. A Globo sempre foi contrária a dar direito a voto ao sócio estrangeiro. O SBT e a Bandeirantes defendiam a idéia por entender que ela tornaria a parceria mais atraente para o capital externo.
A Globo apelou a exemplos de disputas nos bastidores da telefonia para conseguir a adesão das duas redes à sua tese. Sócios estrangeiros estariam jogando pesado para tirar a influência de grupos brasileiros nas empresas de telecomunicações que foram privatizadas recentemente.
O relator Alves, cuja família é dona de um grupo de comunicação no Rio Grande do Norte, ainda não se decidiu pela questão. ""A princípio, julgo forte o argumento de que o direito a voto fortalece o interesse do capital estrangeiro em vir para o Brasil", diz.
Rádios e tevês deverão ter regras diferentes das de jornais e revistas. O relator alega que fará a diferenciação porque as rádios e tevês são concessões do poder público.
O limite de participação de capital externo no setor de tele e radiodifusão deve ser de 25%. Apenas empresas de sociedade comercial, nacionais e estrangeiras, poderão ser proprietárias. Se admitir pessoas jurídicas, o relator abre a brecha para entidades sem fins lucrativos (leia-se: lobby evangélico).
Na mídia impressa, o sócio estrangeiro poderá ter até 49% do capital. A participação será aberta a qualquer empresa jurídica, nacional ou estrangeira.
O relatório exigirá reciprocidade dos outros países. Ou seja: grupos estrangeiros terão participação no mesmo percentual que exigem em seus países, desde que não sejam ultrapassados os limites da legislação brasileira.
A proposta precisa ser aprovada por 16 dos 31 votos da comissão especial da Câmara. Como é emenda constitucional, necessita ser votada em dois turnos na Câmara, com quórum mínimo de três quintos.
Depois, a emenda segue para o Senado, onde se submete ao mesmo trâmite. O interesse dos grupos nacionais e estrangeiros deve fazer com que a votação seja concluída ainda neste semestre.


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