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São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 2003

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APARELHAMENTO

Sarney tenta emplacar novo superintendente em São Paulo

Negociação de cargos gera tensão na cúpula da Receita

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de se alastrar por várias repartições, a partidarização da máquina pública ronda a Receita Federal. É intenso o assédio de políticos a cargos de direção do Fisco. O cerco mobiliza do PT ao PMDB.
Os superintendentes regionais da Receita entraram em alerta. Receiam pela integridade do que consideram um dos últimos redutos do Estado a exibir um perfil técnico. Em nervosa troca de telefonemas, organizam uma espécie de barricada. Alguns falam, desde a semana passada, em pedir demissão caso a Receita venha a ser objeto de loteamento.
Ouvido, o ministro Antonio Palocci (Fazenda) reforçou o caráter "técnico" do Fisco. Disse que não está em curso um processo de "renovação" da equipe de dirigentes da Receita. Eventuais "mudanças" serão "pontuais" e baseadas "unicamente nas necessidades da Receita" (leia texto ao lado).
A cobiça por posições na Receita é mais vigorosa na regional de São Paulo. É o braço mais forte do Fisco. Em 2002, recolheu cerca de 45% dos R$ 243 bilhões amealhados em tributos federais em todo o país. O PMDB é, por ora, o partido que exibe maior apetite.
O principal foco de pressão é atribuído ao peemedebista José Sarney. Eleito pelo Amapá, o presidente do Senado reivindica nos bastidores a cadeira de superintendente da Receita em São Paulo. No momento, é ocupada pelo auditor fiscal Maurício Almeida.
Chama-se Jefferson Salazar o apadrinhado de Sarney. Também é auditor fiscal. Possui ficha funcional limpa. Já ocupou a superintendência paulista do Fisco em duas ocasiões: no governo do próprio Sarney (1985-1989) e na gestão Itamar Franco (1992-1994).
Salazar foi retirado do posto para o qual deseja agora retornar em 1995, já sob Fernando Henrique Cardoso. Afastou-o Everardo Maciel, que chefiou a Receita durante os oito anos de tucanato.
Ouvido pela Folha, Sarney nega que esteja patrocinando a indicação de Salazar. "Não sei de nada disso", mandou dizer. Curiosamente, em todos os diálogos em que seu nome é mencionado, seja na Casa Civil da Presidência, filtro das nomeações políticas, seja na Fazenda, Salazar é associado à figura de Sarney.
O próprio Salazar, em conversa com autoridade de Brasília, mencionou o nome do padrinho. Disse que, por conta da amizade que mantém com Sarney, sente-se discriminado na Receita. Reivindica a correção da "injustiça".
A hipótese de aproveitá-lo está sendo efetivamente considerada no Ministério da Fazenda. Ainda que não seja alçado à condição de superintendente, deve ser convidado a ocupar cargo de relevo. Nada lhe foi oferecido por ora.
No organograma da Receita, o país está dividido em dez regiões. Cada uma é dirigida por um superintendente. São técnicos sobreviventes da gestão Fernando Henrique Cardoso. Habituados à hierarquia, revelam suas aflições apenas em diálogos reservados.
Desde segunda-feira, os superintendentes articulam um encontro com Jorge Rachid, o chefe do Fisco. Querem ouvir dele a ratificação do compromisso de manter a engrenagem federal de coleta de tributos longe da sanha dos políticos.

Apelo
Na virada do tucanato para o petismo, toparam continuar nas respectivas funções graças a um apelo que ouviram do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda). Deu-se em dezembro de 2002, antes da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em reunião que contou com a participação de Everardo Maciel, o secretário que saía, e de Jorge Rachid, seu substituto, Palocci disse aos superintendentes que resistiria a eventuais pressões políticas para nomeações na Receita. Elogiou o perfil técnico da equipe montada sob FHC. "Em time que está ganhando não se mexe", afirmou Palocci.
Os gestores regionais da Receita detectaram nas coxias das repartições que comandam movimentação que, na opinião deles, pode levar à flexibilização das palavras de Palocci. Em São Paulo, além do interesse pelo posto de superintendente, o PMDB ambiciona a chefia da alfândega de Santos.
O nome que surge como indicação do partido é o do auditor Paulo de Tarso. Atribui-se o apadrinhamento ao deputado Michel Temer, presidente do PMDB. Ele nega: "Sei que usam o meu nome pra burro, mas nem conheço essa pessoa. Nessa área, aliás, não gostaria de nomear ninguém. Muita gente tem problemas e, sabendo que a gente tem algum tipo de influência, recorreriam a nós".
Celso Fernandes, eis o nome de um terceiro auditor que frequenta os diálogos dos superintendentes da Receita como protagonista de uma tentativa de nomeação política. Já foi ligado ao PTB. Hoje, estaria mais próximo do PPS. Ambicionaria a chefia da Inspetoria em São Paulo. Responde pelos portos secos, como são chamados entrepostos autorizados a desembaraçar mercadorias fora da zona portuária, no interior do Estado.

Sudam
Na região amazônica, detectou-se uma manobra não para nomear, mas para apear um dos superintendentes da Receita do posto. Seu nome é José Tostes. É responsável por toda a região Norte. Tem sob si uma tarefa espinhosa: fiscaliza a aplicação de incentivos fiscais destinados à Zona Franca de Manaus e à Sudam, rebatizada sob Lula de "Nova Sudam".
Ao vasculhar a contabilidade de projetos fraudulentos na Sudam, a equipe de Tostes colecionou R$ 600 milhões em autuações fiscais. A tarefa rendeu a Tostes dois inimigos de relevo: os peemedebistas José Sarney e Jader Barbalho (deputado pelo Pará).
Em depoimento ao Ministério Público, Tostes contou que Jorge Murad, o marido de Roseana Sarney, o procurou para defender a execução de um projeto chamado Usimar. Revelaria-se mais tarde uma fraude. Pai de Roseana, José Sarney atribui a Tostes a tentativa de arrastar indevidamente a filha para o centro do escândalo.
Jader refere-se a Tostes com expressões pouco lisonjeiras. Teve a sua vida fiscal e a de suas empresas vasculhadas durante um ano e meio. Recorre de autuações que, juntas, somam R$ 30 milhões.
No rastro das contrariedades inspiradas por José Tostes, o PL tenta encaixar nos escritórios da Receita na região Norte o auditor José Lúcio Rosa. Move-se com desenvoltura em Manaus.
Na superintendência do Paraná, o próprio PT estaria reivindicando cargos. O escritório responde cumulativamente pela fiscalização e coleta de tributos no Estado de Santa Catarina.


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