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ELEIÇÕES 2006 / DEBATE
Lula é o Adhemar de Barros do momento, afirma Weffort
Ex-ideológo do PT e ex-ministro de FHC associa o "rouba mas faz" ao presidente
Sociólogo, que votará em
Alckmin, diz que eventual
novo governo de Lula
"começará velho, o que é um
risco para a democracia"
DA REPORTAGEM LOCAL
Para o ex-ideológo do PT e
ex-ministro da Cultura do governo FHC, Francisco Weffort,
69, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva é "o Adhemar de
Barros destes novos tempos".
Com a comparação, o sociólogo autor de "O Populismo na
Política Brasileira" (1978) cola
em Lula o bordão do prefeito
paulistano Adhemar (1901-1969): "rouba mas faz".
"O pobre que depende do
Bolsa-Família para viver deve
considerar muito distantes as
controvérsias sobre malversação de dinheiro público", diz o
ex-ministro em alusão aos escândalos de corrupção e a alta
aprovação do Planalto.
A previsão que faz para um
eventual segundo mandato de
Lula é sombria: "Sua nova gestão já começará velha, o que é
sempre um risco para a democracia". Weffort declara voto
em Geraldo Alckmin.
(FLÁVIA
MARREIRO)
FOLHA - O sr. já disse que a eleição
de Lula foi "admirável do ponto de
vista sociológico e político". E o que
representa a possibilidade de reeleição no primeiro turno, depois da crise do mensalão e do PT?
FRANCISCO WEFFORT- A eleição de
2002 foi admirável como sinal
de democratização do país. Lula, porém, frustou muitas esperanças com uma gestão irresponsável e incompetente.
Quanto às eleições de 2006, estão contaminadas pelo mensalão, pelos sanguessugas e, o que é talvez mais perigoso, por um
enorme desencanto do país. Se
Lula vencer a eleição, terá que
negociar com a banda podre do
PMDB para formar governo e
estará, desde o início, de baixo
da crítica cerrada da opinião
publica. Sua nova gestão já começará velha, o que é sempre
um risco para a democracia.
FOLHA - Trata-se de pragmatismo
eleitoral ou Lula está sendo inocentado?
WEFFORT- Sempre houve no
Brasil um "pragmatismo" dos
eleitores que misturam suas
convicções com seus interesses. A única novidade é que, no
plano político, o "pragmatismo" é praticado pelo Lula e pelo PT, que engordaram na politica falando de ética...
E não creio que Lula tenha sido "inocentado" pela população. Lembra-se do "rouba mas faz"? Lula é o Adhemar de Barros destes novos tempos. O pobre que depende do Bolsa-Família para viver deve considerar muito distantes as controvérsias sobre malversação de
dinheiro público. Se ele não paga imposto por que preocupar-se com isso? O pobre não julga
nem inocenta ninguém, ele
simplesmente deixa isso de lado.
Além disso, esse pobre tipo
Bolsa-Família depende da
orientação eleitoral de um político local. E esse político, em
geral de regiões dependentes
do país, também faz vista grossa -quando não participa da
corrupção. Assim como o pobre
depende de uma ajuda para um
prato de comida, muitos políticos dependem do governo federal para sobreviver.
FOLHA - Geraldo Alckmin disse
nesta semana que no Brasil não há
partidos no Brasil -só há personalismos. Como o sr. vê isso?
WEFFORT- Alckmin tem razão.
O personalismo é uma tradição
profunda da cultura deste país
de origens ibéricas. E o sistema
proporcional que adotamos para as eleições exacerba o personalismo, tornando-o inevitável.
Antes de se desmoralizar no
mensalão, o PT já vinha sendo
corroído internamente pelo
personalismo, havia uma competição personalista que lavrava no partido, embora travestida de disputa ideológica de
"tendências". Quanto ao PSDB,
já foi chamado por alguém de
"fogueira de vaidades". O PFL
não é muito diferente. E o
PMDB é a própria desmoralização do conceito de partido.
FOLHA- Também se fala da substituição do petismo pelo lulismo. O sr.
concorda? O que é o lulismo?
WEFFORT- Que o petismo acabou não há dúvida. As próximas
eleições serão do enterro do
PT, mesmo que o Lula ganhe. E
mesmo que o PT sobreviva como legenda, será sempre um
fantasma de si próprio. O lulismo é -como o ademarismo ou
o janismo do passado- um personalismo a mais na política.
FOLHA - Lula trocou a imagem de
"trabalhadores" por "povo". Como
sr. analisa a mudança? Em "A Formação do Pensamento Político Brasileiro" (Editora Ática, 2006), o sr.
afirma que no Brasil deste começo
de século o "povo" ainda está emergindo. O que esperar dessa emergência?
WEFFORT - No livro eu acompanho um reconhecimento do povo por parte das elites como aspecto fundamental do pensamento político brasileiro, que
vem desde os jesuítas, como
Nobrega [Padre Manoel da,
1517-1570 ] e Vieira [Padre Antônio, 1608-1697], em face dos
índios, e chega aos pensadores
dos anos de 1930, passando por
Bonifácio [José, 1763-1838],
Nabuco [1849-1916] e Euclides
da Cunha [1866-1909]. A construção do Estado é a outra dimensão fundamental que começa no século 19. Embora o
Estado tenha chegado até o
exagero, o reconhecimento do
povo ainda não terminou. Um
exemplo de como isso continua
é dado pelo PT: começou na
classe operaria do ABC e para
lembrar sua origem de classe se
chamou "dos trabalhadores";
depois, quando cresceu um
pouco mais, transformou-se
em partido de funcionários públicos e de professores; e, finalmente, quando teve que falar
aos pobres do interior do Nordeste, teve que falar de povo,
não de classe. Sempre se soube
que as eleições deste país dependessem do voto do povo pobre, mas quem imaginaria que
essa dependência viesse a ser
tão direta? Apesar de toda a tradição, que vem desde o coronelismo da República Velha,
quem imaginaria que, na entrada do século 21, cerca de 15 a 20
milhões de eleitores dependentes do Bolsa-Família viriam a
ser decisivos?
FOLHA - Voltando ao lulismo: quais
são suas perspectivas? O capital eleitoral do presidente é transferível?
WEFFORT - Toda a experiência
histórica brasileira de fenômenos similares indica que o personalismo político tem muita
dificuldade para deixar herdeiros. Mesmo o getulismo, que
esteve associado a uma grande
transformação do Estado e da
sociedade, apenas deixou herdeiros em nível regional. Os
que se alçaram em nível nacional, como Jango, não se deram
bem. Creio que as perspectivas
do lulismo são as de continuar
como agora, o cadáver do PT
agarrado à caricatura que o Lula fez de si próprio.
FOLHA - Na era da convergência da
política econômica e dos eixos da
política social, parece não haver projetos em disputa. Essa indiferenciação pode minar tanto PT como
PSDB?
WEFFORT - É evidente que os
partidos que temos são incapazes de gerar projetos para o
país. Uma vez mais, esses projetos têm que vir de fora dos partidos, têm que vir dos intelectuais. É claro que a política econômica permanece sob os
constrangimentos do capital financeiro. Mas o que se vê na
política atual é mais do que a
obediência imposta pelo realismo. Precisaríamos chegar, como chegamos, aos extremos de
servilismo que se vê por aí?
FOLHA - O que esperar de um segundo governo de Lula? E de um
mandato de Alckmin?
WEFFORT- Votarei em Geraldo
Alckmin, porque acredito na
capacidade de gestão do candidato. Do Lula não espero nada e
torço para que a desmoralização a que levou o Estado não
desemboque numa crise institucional grave.
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