São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 2002

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JANIO DE FREITAS

Atrás do privilégio

A Procuradoria da República, na qual a grande maioria dos procuradores preserva o sentido de trincheira de defesa da legalidade democrática, está conflagrada. Inúmeros procuradores sentem-se surpreendidos, e indignados, com o entendimento de que, de repente, não se trata de defender a sociedade e o cumprimento das leis, mas de defender de si mesma a própria Procuradoria da República.
Objeto de uma ação de improbidade, por uso indevido de aviões da FAB para turismo com familiares e amigos, o procurador-geral Geraldo Brindeiro estava funcionalmente incumbido de emitir parecer no processo em que figura como acusado. O problema foi contornado com um parecer do vice-procurador-geral, Haroldo Nóbrega, cujo cargo já sugere tratar-se de pessoa da confiança do procurador-geral.
Se ainda é preciso dizê-lo, o parecer foi favorável a Geraldo Brindeiro. Mas por uma via que inúmeros procuradores consideram inconstitucional e, portanto, comprometedora para a Procuradoria da República. Haroldo Nóbrega aceitou o argumento, usado por Nelson Jobim, de que a ação contra Brindeiro deve ser julgada no Supremo Tribunal Federal. Mas o que a Constituição determina é o processo no STF em caso de "infrações penais e crimes de responsabilidade", ou seja, casos passíveis da pena de cadeia. E improbidade é caso de ação civil, em que a pena pode determinar devolução financeira e perda de cargo, mas não reclusão.
Sob o argumento de foro privilegiado, como o utiliza Nelson Jobim e o encampa o vice-procurador-geral, está mais do que uma medida que favorece Geraldo Brindeiro. Correm ações de improbidade contra vários integrantes do governo, e não só pelo uso também, como fizeram ministros, de aviões da FAB para turismo de familiares e amigos seus. Por isso o governo fez tentativas de estabelecer o foro privilegiado para ações de improbidade, levando-as para o STF onde a "bancada governista" tenderia a liquidá-las. As tentativas foram todas barradas no Congresso, repelidas até na ampla base parlamentar do governo.
Já que não foi e não parece possível introduzir o privilégio em futuro próximo, a tentativa consiste, agora, em introduzir o privilégio por jurisprudência, ou seja, por interpretação de um tribunal.
A reação de procuradores identifica no parecer do imediato de Geraldo Brindeiro uma impropriedade jurídica e, por vontade ou não, uma contribuição talvez decisiva para a introdução do privilégio que a Constituição não concedeu e, depois, o Congresso não quis admitir.


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