São Paulo, segunda-feira, 10 de outubro de 2005

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ENTREVISTA DE 2ª

ADOLPHO JOSÉ MELFI

Geólogo faz balanço dos quatro anos de sua gestão e critica a proposta de reforma universitária

Para reitor, USP precisa frear o seu ritmo de crescimento

FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL

Se a USP (Universidade de São Paulo) quiser se manter como uma referência no Brasil e na América Latina por sua qualidade no ensino e na pesquisa, terá de frear o seu crescimento. A análise é do reitor da universidade, Adolpho José Melfi.
Paradoxalmente, foi ele próprio quem comandou a expansão da universidade. Quando assumiu, em 2001, o vestibular oferecia 7.801 vagas. O próximo terá 9.952.
O reitor considera esse crescimento o maior feito do seu mandato, que termina em 26 de novembro. Mas diz que a instituição agora está em um tamanho "suficientemente bom".
Manter o crescimento ameaça a qualidade da instituição, pois haveria a necessidade de contratação de um grande número de professores com qualificação adequada -o que, segundo ele, é difícil. Se houver aumento de vagas nos próximos anos, tem de ser pequeno, diz o reitor.
Para Melfi, 68, o maior desafio da próxima gestão será consolidar essa expansão, pois cada nova vaga requer investimentos por quatro ou cinco anos -até que todas as séries da carreira estejam em funcionamento.
Outro paradoxo é que, enquanto a USP se vê perto do limite de expansão, a demanda por suas vagas aumenta. O vestibular para ingresso em 2006 teve o maior número de inscritos da história: 170.496, elevação de 10% em relação ao último processo seletivo.
O reitor cita duas medidas que podem aliviar essa pressão por vagas: ensino a distância e aumentos de faculdades tecnológicas, que normalmente formam em três anos e têm menos gastos.
Geólogo, Melfi afirma que, após o final do mandato, vai se concentrar em escrever livros (já é co-editor de três obras na área de geoquímica). Também irá continuar lecionando no departamento de solos da USP em Piracicaba -ele manteve a atividade docente durante o seu mandato.
O reitor está à frente do que é considerada a mais importante instituição de ensino superior e de pesquisa do país e a terceira da América Latina. Em produção de artigos científicos, a USP ocupa a 27ª posição no ranking mundial.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida por Melfi à Folha, em que ele faz um balanço dos quatro anos de sua gestão e também critica a proposta de reforma universitária, feita pelo governo federal.

Folha - O que mudou na USP nestes quatro anos?
Adolpho José Melfi -
Mudanças mesmo ocorrem poucas em uma universidade, que se altera paulatinamente. Mas o que julgo extremamente importante foi a expansão de vagas. Foi o ponto inicial para a inclusão social. E a USP na zona leste [campus inaugurado neste ano, na capital paulista], foi o projeto desta gestão. Ela vai trazer desenvolvimento para a região, já vemos melhoras no transporte, na iluminação. A universidade acaba forçando esse desenvolvimento. Foi o que aconteceu aqui também [no Butantã, na zona oeste da cidade], onde não havia quase nada e houve um grande crescimento após a chegada da USP.

Folha - A expansão de vagas deve continuar?
Melfi -
Acho que a USP já está em um tamanho suficientemente bom. Pode e deve crescer mais um pouco, mas uma universidade de pesquisa não pode ser muito maior do que a USP já é. Hoje, estamos com 74 mil alunos, envolvendo graduação e pós-graduação. Na graduação, são 44 mil; acho que 50 mil é um número bastante razoável.

Folha - A expansão está no limite?
Melfi -
Acredito que sim. Aqui [no campus central], poderíamos ampliar vagas em cursos já existentes, mas não há possibilidade de expandir muito. E não é uma questão só financeira. Na França, por exemplo, as universidades cresceram tanto que elas tiveram de se dividir, criando Paris 1, Paris 2, indo até 12. Agora, são universidades independentes. É possível que aqui na USP os campi grandes, como Ribeirão Preto e São Carlos, também possam ficar independentes. Ainda não estamos maduros para descentralizar dessa forma, mas esse é o caminho.
Uma universidade de pesquisa não pode ter um tamanho muito grande. A Universidade de Buenos Aires, com 120 mil alunos, e a Universidade Autônoma do México, com 200 mil, perderam a qualidade, em parte em função do crescimento que tiveram.

Folha - Qual o problema de a universidade ser grande?
Melfi -
Há problemas de diversas ordens, como de infra-estrutura e de pessoal.Você precisa de muitos professores bem preparados, e nem sempre isso é possível.

Folha - Mas como atender à crescente demanda por vagas?
Melfi -
Podemos criar outros mecanismos. Uma possibilidade são os cursos a distância. Aqui no Brasil, temos pouca tradição nisso. Eles são considerados de segunda categoria. Isso deveria mudar. Dá para fazer [bons programas], mas precisa de uma tradição. Estamos trabalhando nisso e,talvez para 2007, tenhamos alguns cursos. Também acho que São Paulo precisa ter um pouco mais de universidades federais. Há boas instituições, como a UFSCar, a Unifesp e o ITA, mas elas oferecem pouquíssimas vagas.
Já o governo de São Paulo deve manter a expansão das faculdades tecnológicas, que formam em menos tempo e são mais baratas porque não fazem pesquisa.

Folha - Além do aumento no número de vagas, o que mais a USP tem de fazer para atender à pressão por inclusão social?
Melfi -
Existe uma série de iniciativas que estamos tentando resolver. Uma delas é isentar os alunos carentes da taxa de inscrição no vestibular. Às vezes, o estudante bom não vem por causa dos R$ 100 [valor aproximado da inscrição]. Depois, melhorar as condições nas escolas públicas de ensino médio e fundamental. Outra forma é o cursinho, pegando os melhores alunos e dando a eles uma melhor preparação.

Folha - E as cotas?
Melfi -
Não sou favorável. Mas é um problema que temos de enfrentar. Se o governo quiser criar, pode criar, mas que não sejam raciais. Estaríamos cometendo um ato perigoso, incentivando o racismo. Poderíamos criar as cotas socioeconômicas.

Folha - Mas não pode haver uma discriminação da mesma forma?
Melfi -
Mas aí você não reconhece o beneficiado. Criando uma cota racial, qualquer negro será visto como cotista. Por classe socieconômica é mais justo. O que não pode é o governo chegar e falar: a partir do ano que vem, cotas de 50%. As universidades precisam encontrar suas próprias soluções para atingir as metas.

Folha - Medidas como a proibição dos ciclistas dentro do campus não aumentam a impressão de que a USP se fecha em si e não dá atenção ao "mundo exterior"?
Melfi -
Isso é totalmente injusto. O problema das bicicletas, do campus fechado [por muros], são coisas que a segurança exige atualmente. São medidas antipáticas, mas precisam ser tomadas.
O fechamento do campus, por exemplo. Quando aqui foi construído, quase não havia violência. Agora existe. Mas essa impressão é injusta, porque a USP oferece uma quantidade enorme de serviços à sociedade. Temos museus, hospitais, cursos de extensão para a terceira idade... Oferecemos muitos serviços, mas a nossa divulgação não é muito boa, precisa melhorar.

Qual foi a sua maior frustração durante o mandato?
Melfi -
A USP, com todo esse tamanho, não tem um centro de convenções que possibilite fazer um grande congresso ou um seminário internacional. Passamos os quatro anos e não conseguimos implementá-lo por causa de problemas com o Meio Ambiente. Agora, conseguimos a licença.

Folha - Alguma outra frustração?
Melfi -
Não. Foram quatro anos agradáveis. Tivemos uma convivência muito boa com o Conselho Universitário [órgão máximo da universidade]. Com os sindicatos, houve alguns problemas durante as greves, mas foram perfeitamente normais. Não diria que tive outras frustrações. Saio daqui muito contente.

Folha - Qual será o desafio do próximo reitor?
Melfi -
Consolidar esses cursos novos. Temos, por exemplo, de continuar a contração de professores. Na USP Leste teremos um corpo docente com mais de 200 professores. Agora, estamos com 60. As contratações têm de continuar. Se pararem, atrapalham o desenvolvimento da universidade. Mas, para tudo isso, precisa-se alocar muitos recursos.

Folha - O senhor acha que precisa haver mudança no modelo de financiamento da USP?
Melfi -
Não, o modelo é bom, pois temos autonomia [a universidade pode planejar seus gastos e guardar recursos]. Precisamos agora consolidar isso. Hoje, os nossos recursos vêm de uma Lei de Diretrizes Orçamentárias, ou seja, todo ano precisam ser discutidos. Neste ano, quando a proposta de 10% [porcentagem do ICMS destinada às universidades estaduais paulistas; tradicionalmente, é de 9,57%] foi aprovada pela Assembléia Legislativa e vetada pelo governador, ficamos sem o índice, o que é ruim. Isso pode causar um problema muito sério para a universidade. O governador afirma que irá manter os 9,57%, mas essa instabilidade é ruim. A perenização desse índice, por lei complementar ou uma emenda constitucional, daria uma estabilidade maior.

Folha - Qual a opinião do senhor com relação à reforma universitária proposta pelo governo federal?
Melfi -
Apresentar uma proposta de reforma é complicado porque temos uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação que não se completou. Financiamento das universidade federais, por exemplo, não precisa estar em uma reforma, pode ser feito por um decreto presidencial. Acho que houve muito fogo de artifício nisso. O que temos de discutir, por exemplo, é a departamentalização [divisão da universidade em diversas áreas independentes]. Criaram os departamentos como se fossem resolver todos os problemas. Mas, em muitos casos, o departamento emperra o desenvolvimento da universidade. Um departamento só faz isso, outro, só aquilo.
Os alunos não têm aquela vivência, os docentes não se relacionam. Isso, sim, são problemas que deveríamos discutir.

Folha - As eleições na USP são criticadas por diversos setores dentro da própria universidade, por ter um colégio eleitoral muito restrito e concentrado nos professores. Para o senhor, o sistema da universidade é antidemocrático?
Melfi -
O sistema de uma universidade não pode ser o mesmo que é aplicado no município, no Estado... Aqui, precisa-se considerar o mérito acadêmico. Poderíamos ter mais representação de estudantes e de funcionários? Poderíamos. Só não posso concordar com a eleição direta paritária, em que o voto de um estudante vale o mesmo de um professor. O comprometimento de cada um é diferente do outro; o do professor é muito maior do que aluno, que passa aqui quatro anos e vai embora. E não vejo o que a mudança no sistema eleitoral vá melhorar a universidade.

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