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ENTREVISTA DE 2ª
ADOLPHO JOSÉ MELFI
Geólogo faz balanço dos quatro anos de sua gestão e critica a proposta de reforma universitária
Para reitor, USP precisa frear o seu ritmo de crescimento
FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL
Se a USP (Universidade de São
Paulo) quiser se manter como
uma referência no Brasil e na
América Latina por sua qualidade
no ensino e na pesquisa, terá de
frear o seu crescimento. A análise
é do reitor da universidade, Adolpho José Melfi.
Paradoxalmente, foi ele próprio
quem comandou a expansão da
universidade. Quando assumiu,
em 2001, o vestibular oferecia
7.801 vagas. O próximo terá 9.952.
O reitor considera esse crescimento o maior feito do seu mandato, que termina em 26 de novembro. Mas diz que a instituição
agora está em um tamanho "suficientemente bom".
Manter o crescimento ameaça a
qualidade da instituição, pois haveria a necessidade de contratação de um grande número de professores com qualificação adequada -o que, segundo ele, é difícil. Se houver aumento de vagas
nos próximos anos, tem de ser pequeno, diz o reitor.
Para Melfi, 68, o maior desafio
da próxima gestão será consolidar essa expansão, pois cada nova
vaga requer investimentos por
quatro ou cinco anos -até que
todas as séries da carreira estejam
em funcionamento.
Outro paradoxo é que, enquanto a USP se vê perto do limite de
expansão, a demanda por suas vagas aumenta. O vestibular para
ingresso em 2006 teve o maior número de inscritos da história:
170.496, elevação de 10% em relação ao último processo seletivo.
O reitor cita duas medidas que
podem aliviar essa pressão por
vagas: ensino a distância e aumentos de faculdades tecnológicas, que normalmente formam
em três anos e têm menos gastos.
Geólogo, Melfi afirma que, após
o final do mandato, vai se concentrar em escrever livros (já é co-editor de três obras na área de
geoquímica). Também irá continuar lecionando no departamento de solos da USP em Piracicaba
-ele manteve a atividade docente durante o seu mandato.
O reitor está à frente do que é
considerada a mais importante
instituição de ensino superior e de
pesquisa do país e a terceira da
América Latina. Em produção de
artigos científicos, a USP ocupa a
27ª posição no ranking mundial.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida por
Melfi à Folha, em que ele faz um
balanço dos quatro anos de sua
gestão e também critica a proposta de reforma universitária, feita
pelo governo federal.
Folha - O que mudou
na USP nestes quatro
anos?
Adolpho José Melfi -
Mudanças mesmo
ocorrem poucas em
uma universidade,
que se altera paulatinamente. Mas o que
julgo extremamente
importante foi a expansão de vagas. Foi o
ponto inicial para a inclusão social. E a USP
na zona leste [campus
inaugurado neste ano,
na capital paulista], foi
o projeto desta gestão.
Ela vai trazer desenvolvimento para a região, já vemos melhoras no transporte, na
iluminação. A universidade acaba forçando
esse desenvolvimento.
Foi o que aconteceu
aqui também [no Butantã, na zona oeste da
cidade], onde não havia quase nada e houve um grande crescimento após a chegada
da USP.
Folha - A expansão de
vagas deve continuar?
Melfi - Acho que a
USP já está em um tamanho suficientemente bom. Pode e deve
crescer mais um pouco, mas uma
universidade de pesquisa não pode ser muito maior do que a USP
já é. Hoje, estamos com 74 mil
alunos, envolvendo graduação e
pós-graduação. Na graduação,
são 44 mil; acho que 50 mil é um
número bastante razoável.
Folha - A expansão está no limite?
Melfi - Acredito que sim. Aqui
[no campus central], poderíamos
ampliar vagas em cursos já existentes, mas não há possibilidade
de expandir muito. E não é uma
questão só financeira. Na França,
por exemplo, as universidades
cresceram tanto que elas tiveram
de se dividir, criando Paris 1, Paris
2, indo até 12. Agora, são universidades independentes. É possível que aqui na
USP os campi
grandes, como
Ribeirão Preto e
São Carlos, também possam ficar independentes. Ainda não
estamos maduros para descentralizar dessa forma, mas esse é o
caminho.
Uma universidade de pesquisa
não pode ter um
tamanho muito
grande. A Universidade de
Buenos Aires,
com 120 mil alunos, e a Universidade Autônoma
do México, com
200 mil, perderam a qualidade,
em parte em função do crescimento que tiveram.
Folha - Qual o
problema de a
universidade ser
grande?
Melfi - Há problemas de diversas ordens, como
de infra-estrutura e de pessoal.Você precisa de muitos professores bem preparados, e nem
sempre isso é possível.
Folha - Mas como atender à crescente demanda por vagas?
Melfi - Podemos criar outros
mecanismos. Uma possibilidade
são os cursos a distância. Aqui no
Brasil, temos pouca tradição nisso. Eles são considerados de segunda categoria. Isso deveria mudar. Dá para fazer [bons programas], mas precisa de uma tradição. Estamos trabalhando nisso
e,talvez para 2007, tenhamos alguns cursos. Também acho que
São Paulo precisa ter um pouco
mais de universidades federais.
Há boas instituições, como a UFSCar, a Unifesp e o ITA, mas elas
oferecem pouquíssimas vagas.
Já o governo de São Paulo deve
manter a expansão das faculdades
tecnológicas, que formam em
menos tempo e são mais baratas
porque não fazem pesquisa.
Folha - Além do aumento no número de vagas, o que mais a USP
tem de fazer para atender à pressão por inclusão social?
Melfi - Existe uma série de iniciativas que estamos tentando resolver. Uma delas é isentar os alunos
carentes da taxa de inscrição no
vestibular. Às vezes, o estudante
bom não vem por causa dos R$
100 [valor aproximado da inscrição]. Depois, melhorar as condições nas escolas públicas de ensino médio e fundamental. Outra
forma é o cursinho, pegando os
melhores alunos e dando a eles
uma melhor preparação.
Folha - E as cotas?
Melfi - Não sou favorável. Mas é
um problema que temos de enfrentar. Se o governo quiser criar,
pode criar, mas que não sejam raciais. Estaríamos cometendo um
ato perigoso, incentivando o racismo. Poderíamos criar as cotas
socioeconômicas.
Folha - Mas não pode haver uma
discriminação da mesma forma?
Melfi - Mas aí você não reconhece o beneficiado. Criando uma cota racial, qualquer negro será visto
como cotista. Por classe socieconômica é mais justo. O que não
pode é o governo chegar e falar: a
partir do ano que vem, cotas de
50%. As universidades precisam
encontrar suas próprias soluções
para atingir as metas.
Folha - Medidas como a proibição
dos ciclistas dentro do campus não
aumentam a impressão de que a
USP se fecha em si e não dá atenção
ao "mundo exterior"?
Melfi - Isso é totalmente injusto.
O problema das bicicletas, do
campus fechado [por muros], são
coisas que a segurança exige
atualmente. São medidas antipáticas, mas precisam ser tomadas.
O fechamento do campus, por
exemplo. Quando aqui foi construído, quase não havia violência.
Agora existe. Mas essa impressão
é injusta, porque a USP oferece
uma quantidade enorme de serviços à sociedade. Temos museus,
hospitais, cursos de
extensão para a terceira idade... Oferecemos
muitos serviços, mas a
nossa divulgação não
é muito boa, precisa
melhorar.
Qual foi a sua maior
frustração durante o
mandato?
Melfi - A USP, com
todo esse tamanho,
não tem um centro de
convenções que possibilite fazer um grande
congresso ou um seminário internacional.
Passamos os quatro
anos e não conseguimos implementá-lo
por causa de problemas com o Meio Ambiente. Agora, conseguimos a licença.
Folha - Alguma outra
frustração?
Melfi - Não. Foram
quatro anos agradáveis. Tivemos uma
convivência muito
boa com o Conselho
Universitário [órgão
máximo da universidade]. Com os sindicatos, houve alguns
problemas durante as
greves, mas foram
perfeitamente normais. Não diria que tive outras frustrações. Saio daqui
muito contente.
Folha - Qual será o desafio do próximo reitor?
Melfi - Consolidar esses cursos
novos. Temos, por exemplo, de
continuar a contração de professores. Na USP Leste teremos um
corpo docente com mais de 200
professores. Agora, estamos com
60. As contratações têm de continuar. Se pararem, atrapalham o
desenvolvimento da universidade. Mas, para tudo isso, precisa-se
alocar muitos recursos.
Folha - O senhor acha que precisa
haver mudança no modelo de financiamento da USP?
Melfi - Não, o modelo é bom,
pois temos autonomia [a universidade pode planejar seus gastos e
guardar recursos]. Precisamos
agora consolidar
isso. Hoje, os
nossos recursos
vêm de uma Lei
de Diretrizes Orçamentárias, ou
seja, todo ano
precisam ser discutidos. Neste
ano, quando a
proposta de 10%
[porcentagem
do ICMS destinada às universidades estaduais
paulistas; tradicionalmente, é
de 9,57%] foi
aprovada pela
Assembléia Legislativa e vetada
pelo governador,
ficamos sem o
índice, o que é
ruim. Isso pode
causar um problema muito sério para a universidade. O governador afirma
que irá manter os
9,57%, mas essa
instabilidade é
ruim. A perenização desse índice, por lei complementar ou
uma emenda
constitucional,
daria uma estabilidade maior.
Folha - Qual a opinião do senhor
com relação à reforma universitária proposta pelo governo federal?
Melfi - Apresentar uma proposta
de reforma é complicado porque
temos uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação que não se completou. Financiamento das universidade federais, por exemplo,
não precisa estar em uma reforma, pode ser feito por um decreto
presidencial. Acho que houve
muito fogo de artifício nisso. O
que temos de discutir, por exemplo, é a departamentalização [divisão da universidade em diversas
áreas independentes]. Criaram os
departamentos como se fossem
resolver todos os problemas. Mas,
em muitos casos, o departamento
emperra o desenvolvimento da
universidade. Um departamento
só faz isso, outro, só aquilo.
Os alunos não têm aquela vivência, os docentes não se relacionam. Isso, sim, são problemas
que deveríamos discutir.
Folha - As eleições na USP são criticadas por diversos setores dentro
da própria universidade, por ter
um colégio eleitoral muito restrito
e concentrado nos professores. Para o senhor, o sistema da universidade é antidemocrático?
Melfi - O sistema de uma universidade não pode ser o mesmo que
é aplicado no município, no Estado... Aqui, precisa-se considerar o
mérito acadêmico. Poderíamos
ter mais representação de estudantes e de funcionários? Poderíamos. Só não posso concordar
com a eleição direta paritária, em
que o voto de um estudante vale o
mesmo de um professor. O comprometimento de cada um é diferente do outro; o do professor é
muito maior do que aluno, que
passa aqui quatro anos e vai embora. E não vejo o que a mudança
no sistema eleitoral vá melhorar a
universidade.
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