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ENTREVISTA
Amigo de FHC, sociólogo elogia José Serra como candidato e afirma não estar convencido de que o PT possa vencer
Brasil tende para a esquerda, diz Touraine
JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL
Após oito anos vivendo sob a
égide do liberalismo econômico, a
eleição de 2002 vai marcar uma
virada gradual da sociedade brasileira para a esquerda.
Assim pensa o sociólogo Alain
Touraine, 75, diretor da Escola de
Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris (França), e autor,
entre outros livros, de "A Crítica
da Modernidade" (Vozes).
Apesar de não descartar a possibilidade de que o PT vença as eleições, este não é o cenário mais
provável na avaliação de Touraine, que é amigo e foi professor do
presidente Fernando Henrique
Cardoso nos anos 60, na Universidade de Paris-Sorbonne.
A razão seria a percepção por
parte da maioria dos pré-candidatos ao Planalto, inclusive dos
governistas, de um processo de
"esquerdização" do eleitorado
brasileiro.
De olho nas urnas, tucanos como o governador do Ceará, Tasso
Jereissati, que chegou a decretar a
morte do Consenso de Washington, e o ministro José Serra (Saúde), com sua "continuidade sem
continuísmo", incorporaram a
retórica antiliberal. Sonham atrair
parte do eleitorado de esquerda.
"O Brasil quer ir mais, de certa
forma, para a esquerda. Mas eu
não estou convencido de que o PT
está unificado o suficiente para
elaborar um programa de governo e eu não estou certo de que Lula, como candidato, tenha capacidade de integrar e unificar as diversas tendências que existem
dentro do PT", disse o sociólogo.
Em entrevista à Folha, Touraine
também elogiou o discurso de seu
ex-aluno na Assembléia Nacional
da França na semana passada.
Estudioso da América Latina, o
sociólogo não vê um futuro próximo positivo para a região. "A
América Latina está, no momento, incapaz de tomar qualquer iniciativa", diz o professor. "Mesmo
o Brasil não pode ter qualquer
atuação significativa nessa crise
internacional", disse, referindo-se
ao pós-11 de setembro.
Folha - O discurso do presidente
Fernando Henrique Cardoso na Assembléia Nacional da França mostra preocupação de manter o Brasil
na agenda internacional. Entretanto, a América Latina está fora do
debate, focado na Ásia e no Oriente
Médio. Qual deve ser a participação da região no contexto mundial
pós-11 de setembro [dia dos atentados aos EUA"?
Alain Touraine - O excelente discurso feito por FHC na Assembléia Nacional da França tem um
objetivo muito mais preciso: convencer a Europa ocidental da necessidade de se fazer um acordo
de livre comércio com o Mercosul. O presidente está agora convencido de que não pode parar o
grande projeto dos EUA, porque
ele está sozinho e a Argentina está
uma bagunça. Uma área de livre
comércio entre a Europa e o Mercosul é perfeitamente compatível
com a participação do Brasil na
área de livre comércio americana.
A idéia é mais lógica porque o
Brasil e a Argentina têm mais relações comerciais com a Europa do
que com os Estados Unidos.
Folha - Os EUA antes dos atentados priorizavam o Plano Colômbia
[programa de assistência técnico-militar para erradicar o cultivo de
cocaína". Antes as atenções estavam voltadas para a retórica de esquerda de Hugo Chávez [presidente da Venezuela" e Fidel Castro [ditador cubano". Com a região sem
importância estratégica, os fluxos
de capital devem diminuir. O cenário futuro para a AL é ruim?
Touraine - Nós não apenas podemos esperar um futuro negativo para a América Latina, como
temos que observar a sua situação
atual. A guerra civil na Colômbia,
o discurso de Chávez na Venezuela e até o decadente regime de
Castro não são nenhum dos problemas de maior importância em
nível mundial. A América Latina
está, no momento, incapaz de tomar qualquer iniciativa. Esta é a
razão pela qual será tão fácil para
os Estados Unidos impor a regra
do jogo para todas as nações do
continente.
Folha - O sr. diria que o mundo
deu atenção ao discurso de FHC?
Touraine - Obviamente o Brasil
tem um papel muito limitado no
panorama mundial. Mas este papel existe, e muito poucas pessoas
pelo mundo e especialmente na
América Latina podem dizer o
mesmo. Não desmoronar, não
explodir ou implodir, não sobreviver apenas graças à economia
do crime está ficando bastante raro. O Brasil é um dos países que
merece ser considerado como um
Estado-nação, apesar de seus problemas internos.
Folha - Qual o motivo da posição
relativamente fraca do país, que
faz com que o Brasil tenha peso
menor em decisões internacionais
do que o da Índia, o da China ou
mesmo o do México?
Touraine - A Índia e a China têm
mais de 1 bilhão de habitantes cada um, e estes países têm vivenciado um relativo sucesso em seu
processo de desenvolvimento nos
últimos 20 anos. Para o Brasil, sobreviver não é uma tarefa fácil,
mas o país fez mais: um rápido
progresso na educação básica,
melhores condições de saúde para todos e distribuição de alguma
terra. É verdade que o principal
problema, a enorme desigualdade, ainda não foi solucionado.
Mas, praticamente após dez
anos de governo FHC, o Brasil parece ser capaz de resolver o seu
problema sem o risco de ser destruído por uma maior crise política.
Folha - O presidente norte-americano, George W. Bush, tem priorizado pouco a América Latina. A atitude fria do FMI na crise Argentina
é um exemplo. Tal relacionamento
difere muito do de Bill Clinton [ex-presidente dos EUA" com a AL?
Touraine - O presidente Bush estava interessado, quando era governador do Texas, nos problemas da América Latina. As transformações no contexto mundial
obviamente impediram-no de tomar qualquer iniciativa maior.
Uma vez que os problemas econômicos são preocupantes, é o
FMI, mais do que o governo norte-americano, que é responsável
por achar soluções que são muito
necessárias.
Folha - Que consequências a crise
da Argentina trará para o Brasil?
Touraine - Honestamente falando, não há nenhuma razão para
considerar a Argentina culpada
por tudo. O baixo valor do real e a
sobrevalorização do peso são juntos os elementos básicos do quase
desaparecimento do Mercosul.
Folha - A esquerda brasileira critica a posição do presidente, que se
restringiria ao discurso. Como o sr.
vê a possibilidade de a esquerda
chegar ao poder? E o nome de José
Serra, aparentemente o candidato
preferido de FHC?
Touraine - É certamente superficial dizer que FHC fala mais em
vez de agir. A situação na qual o
Brasil está vivendo não permite a
ninguém lançar reformas básicas.
Agora que o Brasil está estabilizado, pode ser possível que o PT ganhe as próximas eleições. O Brasil, de qualquer maneira, quer ir
mais, de certa forma, para a esquerda. Mas eu não estou convencido de que o PT está unificado o suficiente para elaborar um
programa de governo e eu não estou certo de que Lula, como candidato, tenha capacidade de integrar e unificar as diversas tendências que existem dentro do PT.
Isso significa que eu considero
uma vitória da esquerda perfeitamente possível, mas, até agora,
não o resultado mais provável das
próximas eleições. José Serra parece ser o candidato de FHC. Essa
é uma excelente escolha, especialmente agora que Serra tem obtido
um amplo suporte da opinião pública no campo da saúde pública.
Folha - No Brasil, o discurso da esquerda está indo para o centro, como o que ocorreu com a Alemanha,
com o chanceler Gerhard Schroeder, e no Reino Unido, com o primeiro-ministro Tony Blair? Por que
haveria esse pragmatismo?
Touraine - Seria equivocado
comparar as situações da América Latina e da Europa. A Terceira
Via inglesa [doutrina de Blair, que
prega economia de mercado com
ideais de justiça social" está inclinada para uma leve política de direita. Na América Latina, o único
jeito de sobreviver é começar atacando os principais problemas de
cada país, antes de tudo as desigualdades sociais extremas.
Uma modernização social que
signifique, antes de tudo, menos
desigualdade e menos injustiça.
Há dez anos, o Brasil era incapaz
de elaborar tais políticas. Agora
está se tornando possível e isso ficará como o aspecto mais positivo
do governo FHC.
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